10 conclusões do Relatório do IPCC sobre Mudanças Climáticas de 2023

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Por Sophie Boehm e Clea Schumer em WRI Brasil | Dia 20 de março marcou o lançamento do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o último volume de um trabalho de oito anos do corpo científico mais confiável do mundo sobre mudanças climáticas. A partir das descobertas de 234 cientistas sobre a ciência física das mudanças no clima, de 270 cientistas sobre os impactos, adaptação e vulnerabilidade às mudanças climáticas e de outros 278 cientistas sobre mitigação, o relatório síntese do IPCC fornece a melhor e mais abrangente avaliação das mudanças climáticas existente no mundo hoje.

Também é uma leitura sombria. Ao longo de quase oito mil páginas, o AR6 detalha as consequências devastadoras do aumento das emissões de gases do efeito estufa (GEE) em todo o mundo – a destruição de casas, a perda de meios de subsistência e o esfacelamento de comunidades, por exemplo –, bem como os riscos cada vez mais perigosos e irreversíveis se não mudarmos de rumo.

Mas o IPCC também traz alguma esperança, apontando caminhos para evitar esses riscos. O documento identifica ações já disponíveis – e, em alguns casos, consideravelmente econômicas – que podem reduzir as emissões de GEE, aumentar a remoção de carbono e construir resiliência. Embora a janela para enfrentar a crise climática esteja fechando rapidamente, o IPCC afirma que ainda temos chance de garantir um futuro seguro e habitável.

A seguir, as 10 principais conclusões que você precisa conhecer:

1. O aquecimento global induzido pela humanidade, de 1,1°C, desencadeou mudanças no clima do planeta sem precedentes na história recente.

Já com 1,1°C de aumento na temperatura terrestre, mudanças no sistema climático sem precedentes por séculos e até milênios hoje ocorrem em todas as regiões do mundo – do aumento do nível do mar a eventos extremos e o gelo marinho diminuindo cada vez mais.

O aumento das temperaturas vai intensificar ainda mais a magnitude dessas mudanças. Cada 0,5°C de aumento na temperatura global, por exemplo, causará aumentos visíveis na frequência e severidade do calor extremo, tempestades e secas. De forma semelhante, ondas de calor, que acontecem em média uma vez a cada dez anos em climas pouco influenciados pela atividade humana, tendem a se tornar 4,1 vezes mais frequentes com um aumento de 1,5°C, 5,6 vezes mais frequentes em um cenário de aumento de 2°C e 9,4 vezes mais frequentes com um aumente de 4°C na temperatura global. E a intensidade dessas ondas de calor também vai aumentar: em 1,9°C, 2,6°C e 5,1°C, respectivamente.

As temperaturas mais altas também aumentam a probabilidade de atingirmos pontos no sistema climático que, uma vez ultrapassados, podem desencadear eventos retroalimentadores que contribuem ainda mais para o aquecimento global, como o derretimento do permafrost ou perda de florestas. Colocar eventos como esses em curso também pode levar a outras mudanças abruptas e irreversíveis no sistema climático. Se o aquecimento atingir a faixa de 2°C a 3°C, por exemplo, as camadas de gelo da Antártida Ocidental e da Groenlândia podem derreter quase completamente, de forma irreversível, ao longo de milhares de anos, fazendo com que o nível do mar suba vários metros.

2. Os impactos do clima nas pessoas e ecossistemas são mais vastos e severos do que se esperava, e os riscos futuros aumentam a cada fração de grau de aquecimento. 

Descrito pelo Secretário-Geral das ONU, António Guterres, como um “atlas do sofrimento humano e uma condenação do fracasso da liderança climática”, o AR6 aponta, em uma de suas conclusões mais alarmantes, que os impactos climáticos adversos já são mais abrangentes e extremos do que o previsto. Cerca de metade da população global vive atualmente em situações de escassez severa de água durante pelo menos um mês por ano, enquanto as altas temperaturas facilitam a disseminação de doenças vetoriais, como a malária, o vírus do Nilo Ocidental e a doença de Lyme. As mudanças climáticas também dificultam melhorias na produtividade agrícola em latitudes médias e baixas – na África, o crescimento da produtividade já diminuiu um terço desde 1961. E, desde 2008, inundações e tempestades extremas obrigaram mais de 20 milhões de pessoas a deixar suas casas todos os anos.

Cada fração de grau de aumento das temperaturas intensifica essas ameaças – e mesmo o limite de 1,5°C não é um cenário seguro para todos. Com esse nível de aquecimento, por exemplo, 950 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentarão estresse hídrico, estresse térmico e desertificação, e a parcela da população mundial exposta a inundações subirá para 24%.

De forma semelhante, ultrapassar o limite de 1,5°C, mesmo que temporariamente, causará impactos ainda mais severos e muitas vezes irreversíveis – da extinção de espécies locais à seca de pântanos salgados e a perda de vidas humanas em decorrência do estresse térmico. Restringir a ultrapassagem do limite de 1,5°C, em tempo e magnitude, será essencial para assegurar um futuro seguro e habitável, assim como manter o aquecimento o mais próximo possível ou abaixo de 1,5°C. Mesmo que esse limite seja ultrapassado até o final do século, o imperativo de reduzir rapidamente as emissões de GEE a fim de evitar níveis ainda mais altos de aquecimento (e os impactos associados a esse aumento) permanece inalterado.

3. Medidas de adaptação podem construir resiliência, mas é necessário aumentar o financiamento para expandir as soluções.

Atualmente, políticas climáticas em pelo menos 170 países incluem a adaptação, mas em muitas nações esses esforços ainda precisam progredir do planejamento para a implementação. Medidas para construir resiliência ainda são, em sua maioria, de pequena escala, reativas e incrementais, mais focadas em impactos imediatos e riscos de curto prazo. Essa disparidade entre os níveis de adaptação atuais e os necessários se deve em parte à falta de financiamento. De acordo com o IPCC, os países em desenvolvimento, sozinhos, precisarão de US$ 127 bilhões por ano até 2030 e de US$ 295 bilhões por ano até 2050 para se adaptar às mudanças no clima. Os fundos de adaptação, no entanto, chegaram apenas a US$ 23 bilhões em 2017 e US$ 46 bilhões em 2018, representando apenas 4% e 8% do financiamento climático.

A boa notícia é que o IPCC conclui que, com apoio suficiente, soluções de adaptação já disponíveis e comprovadamente eficazes podem construir resiliência aos riscos climáticos e, em muitos casos, ao mesmo tempo gerar amplos benefícios para o desenvolvimento sustentável.

A adaptação baseada em ecossistemas, por exemplo, pode ajudar as comunidades a se adaptarem aos impactos climáticos já devastadores em suas vidas e meios de subsistência. Ao mesmo tempo, também protege a biodiversidade, contribui para a saúde, reforça a segurança alimentar, gera benefícios econômicos e fortalece o sequestro de carbono. Muitas medidas de adaptação baseadas em ecossistemas – incluindo a proteção, restauração e manejo sustentável dos ecossistemas, bem como práticas agrícolas mais sustentáveis, como a integração de árvores nas áreas de cultivo e a diversificação das culturas – podem ser implementadas a custos relativamente baixos. A colaboração com povos indígenas e comunidades locais é fundamental para o sucesso dessa abordagem, assim como assegurar que as estratégias de adaptação baseadas em ecossistemas sejam planejadas levando em consideração os impactos futuros da temperatura global nos ecossistemas.

4. Alguns impactos climáticos já são tão graves que não é mais possível se adaptar a eles, gerando perdas e danos.

Em todo o mundo, populações e ecossistemas vulneráveis já lutam para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas. Para alguns, o cenário é mais “leve” – existem medidas de adaptação efetivas, mas obstáculos políticos e sociais dificultam a implementação, como a falta de apoio técnico ou recursos insuficientes que não chegam às comunidades que mais precisam. Mas, em outras regiões, pessoas e ecossistemas já enfrentam ou estão se aproximando rapidamente de um cenário muito mais rigoroso no que diz respeito à adaptação, no qual os impactos climáticos do aquecimento global de 1,1°C têm se tornado tão frequentes e severos que já não existem estratégias de adaptação capazes de evitar por completo as perdas e danos. Comunidades costeiras nas regiões tropicais, por exemplo, já viram sistemas de recifes de corais inteiros, que antes mantinham seus meios de subsistência e segurança alimentar, passarem por uma mortalidade generalizada. Em paralelo, o aumento do nível do mar já obrigou pessoas vivendo em áreas mais baixas a se mudarem para terrenos mais altos, abandonando locais associados à suas culturas.

Seja lidando com um cenário mais leve ou mais rigoroso, os resultados para as comunidades vulneráveis em geral são devastadores e irreversíveis. Essas perdas e danos só vão aumentar à medida que o planeta esquentar. Com um aumento maior do que 1,5°C, por exemplo, regiões dependentes de neve e do derretimento glacial provavelmente enfrentarão uma escassez de água à qual não poderão se adaptar. Com 2°C de aquecimento, o risco de falhas simultâneas na produção de milho em importantes regiões de cultivo aumenta dramaticamente. E, acima de 3°C, verões perigosamente quentes ameaçarão a saúde humana em partes do sul da Europa. 

É preciso agir com urgência para evitar, minimizar e solucionar essas perdas e danos. Na COP27, os países deram um passo essencial ao concordar em estabelecer arranjos financeiros para perdas e danos, incluindo um fundo exclusivo. Embora esse tenha sido um avanço histórico nas negociações climáticas, os países agora precisam definir como esses arranjos, bem como o novo fundo, funcionarão na prática – e são esses detalhes que vão determinar a adequação, o acesso, a complementaridade e a previsibilidade desses fluxos financeiros para aqueles que sofrem perdas e danos.

5. Em trajetórias alinhadas ao limite de 1,5°C, o pico das emissões de GEE acontece antes de 2025.

O IPCC conclui, entre os cenários estudados, que há mais de 50% de chance de a temperatura global atingir ou ultrapassar 1,5°C entre 2021 e 2040. E, especificamente em um cenário de emissões extremamente altas, o mundo pode atingir esse limiar ainda mais cedo – entre 2018 e 2037. Em um cenário tão intensivo em carbono, a temperatura global poderia aumentar entre 3,3°C e 5,7°C até 2100. Para colocar essa projeção de aquecimento em perspectiva, a última vez que as temperaturas globais aumentaram 2,5°C em relação aos níveis pré-industriais foi há mais de três milhões de anos.

Mudar o rumo para manter o aquecimento global em 1,5°C (sem ultrapassar esse limite ou com uma margem pequena de ultrapassagem) exige uma redução profunda das emissões de GEE em curto prazo. Nos cenários que mantêm o aquecimento global dentro dessa meta, o pico das emissões de GEE acontece imediatamente antes de 2025, no mais tardar. Em seguida, as emissões caem drasticamente – 43% até 2030 e 60% até 2035 em relação aos níveis de 2019.

Embora existam alguns sinais positivos – a taxa de crescimento anual das emissões de GEE desacelerou de uma média de 2,1% ao ano entre 2000 e 2009 para 1,3% ao ano entre 2010 e 2019, por exemplo –, o avanço global na mitigação das mudanças climáticas permanece lamentavelmente fora do ritmo necessário. As emissões de GEE registraram um aumento constante ao longo da última década, atingindo 59 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) em 2019 – aproximadamente 12% a mais do que em 2010 e 54% a mais do que em 1990.

Mesmo se os países cumprirem seus compromissos climáticos (também chamados de contribuições nacionalmente determinadas ou NDCs, na sigla em inglês), uma pesquisa do WRI revelou que a redução de emissões de GEE até 2030 seria de apenas 7% em relação aos níveis de 2018, em contraste com o índice de 43% necessário para manter o aumento da temperatura dentro do limite de 1,5°C. Embora alguns países tenham submetido NDCs novas ou atualizadas desde a data de corte do IPCC, análises mais recentes que levam essas atualizações em consideração mostram que esses compromissos, juntos, ainda ficam aquém do necessário.

6. O mundo precisa parar de usar combustíveis fósseis – a principal causa da crise climática.

Nos cenários que mantêm o aquecimento global dentro de 1,5°C (sem ultrapassar esse limite ou com uma margem pequena de ultrapassagem), um saldo líquido de apenas 510 GtCO2 pode ser emitido antes que as emissões de dióxido de carbono atinjam o zero líquido no início da década de 2050. No entanto, segundo as projeções, as futuras emissões de dióxido de carbono, originadas por infraestruturas existentes ou planejadas baseadas na queima de combustíveis fósseis, podem ultrapassar esse limite em 340 GtCO2, chegando a 850 GtCO2.

Um conjunto de estratégias pode ajudar a evitar que isso aconteça, incluindo desativar as infraestruturas existentes baseadas na queima de combustíveis fósseis, cancelar novos projetos, adaptar usinas de energia fóssil com tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês) e ampliar fontes de energia renovável, como a solar e a eólica (que hoje são mais baratas que os combustíveis fósseis em muitas regiões).

Nos cenários que mantêm o aquecimento global dentro de 1,5°C (sem ultrapassar esse limite ou com uma margem pequena de ultrapassagem), o uso de carvão diminui 95% até 2050; o de petróleo, 60%; e o de gasolina, cerca de 45%. Esses dados pressupõem um amplo uso de tecnologias de redução, como captura e armazenamento de carbono – sem essas tecnologias, esses mesmos cenários apresentam declínios muito mais acentuados em meados do século. O uso global de carvão sem captura e armazenamento de carbono, por exemplo, será praticamente eliminado até 2050.

Embora usinas movidas a carvão estejam começando a ser desativadas na Europa e nos Estados Unidos, alguns bancos de desenvolvimento multilaterais continuam investindo no setor. Não mudar esse rumo coloca em risco ativos equivalentes a trilhões de dólares.

7. Também precisamos de transformações urgentes e sistêmicas para garantir um futuro resiliente de zero líquido.

Embora a redução rápida das emissões de GEE originadas pela queima de combustíveis fósseis seja essencial no combate à crise climática, esses cortes devem ser acompanhados por esforços para acelerar mudanças sistêmicas nos setores de energia, construções, indústria, transportes e agricultura, silvicultura e outros usos da terra.

Considere o sistema de transporte, por exemplo. Para reduzir drasticamente as emissões do setor, o planejamento urbano precisa minimizar a necessidade de deslocamentos e ter como base os modos de transporte públicos e não motorizados, como sistemas de trens ou ônibus rápidos e bicicleta. Uma transformação como essa também vai ajudar a aumentar o fornecimento de ônibus e veículos elétricos comerciais, junto à instalação, em larga escala, de infraestrutura de carregamento e investimentos em combustíveis de zero carbono para o transporte aéreo e marítimo, entre outros benefícios.

Políticas que tornem essas mudanças menos disruptivas podem acelerar as transições necessárias, como criar subsídios para tecnologias de baixo carbono e taxar as principais tecnologias emissoras, como os carros movidos a combustíveis fósseis. O desenho urbano – como redistribuir o espaço viário para incluir mais calçadas e ciclovias – pode ajudar as pessoas a adotarem estilos de vida de menos emissões. É importante ressaltar que existem muitos benefícios paralelos que acompanham essas transformações. Diminuir o número de veículos nas ruas, por exemplo, reduz a poluição do ar local e o número de mortes e acidentes no trânsito.

Medidas transformadoras de adaptação também são fundamentais para garantir um futuro mais próspero. O IPCC enfatiza a importância de assegurar que esssas medidas sejam tomadas de forma equitativa nas regiões em risco e conduzam mudanças sistêmicas em todos os setores. A boa notícia é que com frequência mitigação e adaptação estão em sintonia. Por exemplo, no sistema alimentar global, práticas agrícolas positivas para o clima, como a agrofloresta, podem melhorar a resiliência aos impactos climáticos e, ao mesmo tempo, promover avanços na mitigação.

8. A remoção de carbono hoje é essencial para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C.

Descarbonizar todos os sistemas e construir resiliência não será suficiente para atingir as metas climáticas. O IPCC descobriu que todos os cenários que mantêm o aquecimento dentro do limite de 1,5°C (sem ultrapassar esse limite ou com uma margem pequena de ultrapassagem) dependem, em algum nível, da remoção de carbono. Essas técnicas envolvem tanto soluções naturais, como sequestrar e armazenar carbono nas árvores e no solo, quanto tecnologias emergentes que capturam o dióxido de carbono diretamente do ar.

A quantidade de remoção de carbono necessária depende de quão rápido reduzirmos as emissões de GEE em outros sistemas e em quanto o limite de aumento da temperatura será ultrapassado; as estimativas variam entre 5 GtCO2 e 16 GtCO2 por ano até a metade do século.

Todas as técnicas de remoção de carbono apresentam vantagens e desvantagens. O reflorestamento, por exemplo, é uma estratégia já disponível, com custo relativamente baixo, que, se implementada de forma adequada, pode gerar uma série de benefícios para as comunidades locais. No entanto, o carbono armazenado nesses ecossistemas fica vulnerável a eventos como incêndios florestais, que podem se tornar mais intensos e frequentes com o aumento das temperaturas. E, embora tecnologias como a produção de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês) sejam uma solução mais permanente, essas técnicas podem deslocar terras de cultivo e, com isso, ameaçar a segurança alimentar. Pesquisar, desenvolver e implementar tecnologias de remoção de carbono de forma responsável junto a soluções naturais existentes exige uma análise cuidadosa dos benefícios, custos e riscos de cada técnica.

9. O financiamento climático tanto para mitigação quanto para adaptação precisa de um aumento significativo nesta década.

O IPCC mostra que o fluxo atual de financiamento público e privado para combustíveis fósseis ultrapassa em muito o direcionado a medidas de mitigação e adaptação. Assim, embora o financiamento climático público e privado tenha aumentado mais de 60% desde o Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, ainda é preciso muito mais para cumprir as metas climáticas globais. Apenas para as metas de mitigação, o financiamento climático precisa aumentar de três a seis vezes até 2030.

Essa lacuna é ainda maior nos países em desenvolvimento, principalmente naqueles que já arcam com dívidas, classificações de crédito baixas e gastos decorrentes da pandemia de Covid-19. Para manter o aquecimento global abaixo de 2°C, os investimentos em mitigação precisam aumentar pelo menos seis vezes no sul da Ásia e nos países em desenvolvimento do Pacífico, cinco vezes na África e 14 vezes no Oriente Médio até 2030. Entre os setores, essa lacuna é maior no setor de agricultura, florestas e outros usos da terra, no qual os fluxos de financiamento recentes são de 10 a 31 vezes mais baixos do que o necessário para as metas do Acordo de Paris. 

O financiamento para adaptação e para perdas e danos também precisa aumentar muito. Os países em desenvolvimento, por exemplo, precisam de US$ 127 bilhões por ano até 2030 e US$ 295 bilhões por ano até 2050. Embora o último relatório do IPCC não avalie a necessidade de financiamento dos países para evitar, minimizar e solucionar perdas e danos, estimativas recentes indicam que a demanda por esses recursos será substancial nas próximas décadas. Tanto em relação à adaptação quanto a perdas e danos, os fundos atuais ficam muito aquém do necessário, com as estimativas mais altas somando menos de US$ 50 bilhões por ano em financiamento para adaptação.

10. As mudanças climáticas – e nossos esforços de adaptação e mitigação – vão aumentar a desigualdade se não garantirmos uma transição justa.

As famílias entre os 10% mais ricos, incluindo uma parcela relativamente ampla em países desenvolvidos, emitem mais de 45% dos gases de efeito estufa em todo o mundo. Em paralelo, famílias na faixa dos 50% mais de renda mais baixa são responsáveis por no máximo 15% das emissões. Os efeitos das mudanças climáticas, porém, já afetam – e continuarão afetando – de forma mais severa as comunidades mais pobres e marginalizadas.

Hoje, entre 3,3 bilhões e 3,6 bilhões de pessoas vivem em países altamente vulneráveis aos impactos climáticos, com os principais focos no Ártico, América Central e América do Sul, Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, Sul da Ásia e grande parte da África Subsaariana. Em muitos países nessas regiões, os conflitos, desigualdades e desafios de desenvolvimento já existentes (como pobreza e falta de acesso a serviços básicos, como água potável) não apenas aumentam a sensibilidade aos eventos climáticos como prejudicam a capacidade de adaptação dessas comunidades. Entre 2010 e 2020, por exemplo, a taxa de mortalidade de tempestades, inundações e secas foi 15 vezes mais alta nos países mais vulneráveis às mudanças climáticas do que nos menos vulneráveis.

Ao mesmo tempo, esforços para mitigar as mudanças climáticas também podem ser um risco, podendo causar abalos e aumentar a desigualdade. Desativar usinas de carvão, por exemplo, pode deixar trabalhadores sem emprego, prejudicar a economia local e modificar o tecido social das comunidades. De forma semelhante, medidas de combate ao desmatamento implementadas de forma inadequada podem aumentar a pobreza e a falta de segurança alimentar. E algumas políticas climáticas – como impostos sobre o carbono, que aumentam o custo de bens intensivos em emissões, como a gasolina – também podem ter o efeito inverso se não contarem com esforços para transformar a receita arrecadada com esses impostos em programas que beneficiem comunidades de baixa renda.

Felizmente, o IPCC identifica uma série de medidas que podem apoiar uma transição justa e ajudar a garantir que ninguém fique para trás à medida que o mundo avança em direção a um futuro resiliente e de emissões líquidas zero. Reestruturar programas de assistência social (como transferências de renda, programas públicos e redes de segurança social) para que incluam medidas de adaptação pode reduzir a vulnerabilidade das comunidades a uma série de futuros impactos climáticos, além de fortalecer a justiça e a equidade. Esses programas são ainda mais eficientes se acompanhados por esforços para ampliar o acesso a infraestrutura e serviços básicos.

De forma semelhante, formuladores de políticas podem desenvolver estratégias de mitigação que promovam uma melhor distribuição dos custos e benefícios advindos da redução de emissões de GEE. Os governos podem unir esforços para eliminar gradualmente a geração de eletricidade a partir do carvão por meio, por exemplo, de subsídios para programas de capacitação profissional que apoiem os trabalhadores no desenvolvimento das habilidades necessárias para garantir novos empregos de alta qualidade. Ou, para citar outro exemplo, podem combinar políticas focadas em ampliar o acesso ao transporte público com intervenções para oferecer moradias acessíveis no entorno.

Tanto entre as medidas de mitigação quanto de adaptação, processos de tomada de decisão participativos, transparentes e inclusivos são fundamentais para garantir uma transição justa. Mais especificamente, esses espaços podem ajudar a cultivar a confiança da população, reforçar o apoio às medidas climáticas transformadoras que forem tomadas e evitar imprevistos.

Em frente

O Sexto Relatório de Avaliação do IPCC não deixa dúvidas sobre a dimensão dos riscos se não agirmos para combater a crise climática, e o caminho em frente exige mudanças em uma escala nunca vista antes. No entanto, o relatório também serve como um lembrete de que nunca tivemos tanta informação sobre a gravidade da emergência climática e seus impactos – e sobre o que precisa ser feito para reduzir os riscos.

Manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C ainda é possível, mas apenas se agirmos de imediato. Como o IPCC deixa claro, o mundo precisa atingir o pico das emissões de GEE no máximo até 2025, reduzi-las pela metade até 2030 e atingir o zero líquido na metade do século. Em paralelo, também é preciso assegurar uma transição justa e equitativa. Precisamos da colaboração de todos para garantir que as comunidades afetadas pelos impactos cada vez mais severos da crise climática tenham acesso aos recursos de que precisam para se adaptar a essa nova realidade. Governos, setor privado, organizações da sociedade civil e pessoas – todos precisamos agir para manter o futuro que desejamos à vista. Uma janela de oportunidade estreita ainda está aberta, mas não temos mais nem um segundo a perder.


Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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