Imagem de Alexey Demidov no Unsplash
Enquanto o Banco Global de Sementes de Svalbard, no Ártico, guarda mais de 1 milhão de amostras em câmaras a -18°C , pequenos agricultores preservam suas sementes em garrafas PET, sendo uma parte sem refrigeração. Essa contradição revela um paradoxo da modernidade: nossa dependência de sistemas tecnológicos complexos para conservar o que povos tradicionais mantêm há séculos através de relações vivas com a terra. A crise climática e a ameaça de colapsos energéticos expõem a vulnerabilidade dos bancos de germoplasma — e convidam a repensar uma economia política baseada não no congelamento da vida, mas em sua disseminação cultural.
Os bancos de sementes ex situ (fora de seu habitat natural) são celebrados como “arcas de Noé” contra catástrofes. A Embrapa, por exemplo, mantém 120 mil amostras a -20°C. No entanto, esses sistemas dependem de energia constante: na Venezuela, blecautes já colocaram coleções inteiras em risco. Além disso, 36% das plantas ameaçadas — como castanheiras e mangueiras — não sobrevivem ao armazenamento frio, exigindo cultivo contínuo em campos.
O caso dos Krahô (povo indígena que vivem no nordeste do Tocantins, na Terra Indígena Kraolândia) é emblemático. Na década de 1990, eles recuperaram sementes de milho sagrado da Embrapa, que haviam perdido devido à imposição da monocultura do arroz nos anos 1950. Com apenas seis sementes por cacique, multiplicaram-nas em roças, restaurando não apenas a biodiversidade, mas um sistema de conhecimento.
A erosão genética não é acidental. A Revolução Verde dos anos 1950-60 substituiu variedades tradicionais por sementes “melhoradas”, dependentes de agroquímicos e patentes corporativas. Hoje, testes no semiárido brasileiro mostram que 33% do milho tradicional está contaminado por transgênicos, enquanto 70% dos parentes silvestres de cultivos globais sequer estão representados em bancos.
As sementes são como “commodities” em freezers, uma prática que ignora sua natureza ecológica. A verdadeira inovação está em devolver o controle aos pequenos agricultores — como fazem os bancos comunitários do semiárido, onde famílias depositam e resgatam sementes como em uma poupança viva.
Movimentos indígenas oferecem alternativas radicais. O Cherokee Nation Seed Bank distribuiu 9.500 pacotes de sementes tradicionais em 2023 — esgotados em horas. Já o projeto Sementes do Semiárido estruturou 970 bancos locais, combinando ciência e saberes ancestrais. Essas iniciativas preservam plantas e culturas.
A reconexão com a natureza exige mais que tecnologia; demanda uma virada política agroecológica. Como sugere o ODS 2 da ONU, a segurança alimentar depende de “práticas agrícolas resilientes” e “acesso equitativo à terra”. No Brasil, isso significa apoiar agroflorestas, reforma agrária, sementes crioulas e — sobretudo — os povos que as mantêm vivas.
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