Por Nações Unidas Brasil — A emergência climática foi uma das grandes pautas do ano, principalmente com importantes eventos internacionais relacionados à temática, como a Conferência do Clima da ONU (COP26), extremos climáticos devastadores e relatórios científicos sobre clima e biodiversidade com dados alarmantes.
Os crescentes incidentes de condições meteorológicas extremas são um sinal claro de que o mundo natural está reagindo às mudanças climáticas causadas pelo homem, mas trabalhar com a natureza é uma das melhores maneiras de restaurar o equilíbrio. Isso exigirá muito investimento e uma reformulação na forma como interagimos com o mundo natural.
Com isso em mente, o serviço de notícias da ONU analisou os principais pontos desses desenvolvimentos e promessas que afetam a adaptação climática e podem assegurar, ou não, o futuro da humanidade e do planeta.
Este ano testemunhou um fluxo constante de relatórios apoiados pela ONU reforçando uma mensagem alarmante: a mudança climática provocada pelo homem é uma ameaça urgente e até existencial à vida na Terra. Os esforços da comunidade internacional para enfrentar a crise, como visto na Conferência do Clima da ONU (COP26), resultarão em ações significativas? O serviço de notícias da ONU, UN News, publicou uma retrospectiva que reflete sobre os principais assuntos climáticos do ano em busca da resposta.
Território desconhecido – Para evitar mudanças climáticas catastróficas, os aumentos das temperaturas globais precisam ser mantidos a um máximo de 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais, mas as chances de o mundo esquentar além desse número nos próximos cinco anos continuam aumentando.
O relatório do Estado do Clima Global, da Organização Meteorológica Mundial (OMM), alertou em abril que a temperatura média global já havia subido cerca de 1,2 ºC, e um estudo ambiental da ONU divulgado em outubro revelou que, a menos que os compromissos de redução das emissões de gases de efeito estufa sejam melhorados, o mundo está a caminho de aquecer 2,7 ºC ainda neste século.
Vários outros relatórios de agências da ONU mostraram que as concentrações de gases de efeito estufa estão em níveis recordes e que o planeta está a caminho de um superaquecimento perigoso, com repercussões preocupantes para as gerações atuais e futuras.
As consequências das mudanças climáticas incluem eventos climáticos extremos mais frequentes, e houve muitos neste ano, como as inundações catastróficas em vários países da Europa ocidental que causaram várias mortes em julho e incêndios florestais devastadores nos países mediterrâneos e na Rússia, em agosto.
Dados da OMM mostram que, nas últimas décadas, o aumento dos desastres naturais afetou desproporcionalmente os países mais pobres e, no ano passado, contribuiu para aumentar a insegurança alimentar, a pobreza e o deslocamento na África.
Compartilhando o peso – Paradoxalmente, os países que mais sofrem com a crise climática também são os menos responsáveis por criá-la, como reforçam governos e ativistas, que têm ajudado a levar o tema da adaptação para o topo da agenda internacional.
A adaptação é um pilar fundamental do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, de 2015. Tem como objetivo reduzir a vulnerabilidade de diferentes países e comunidades às mudanças climáticas, aumentando a capacidade de absorver os impactos.
No entanto, com o tempo se esgotando para alguns, especialmente para os pequenos estados insulares em desenvolvimento, que correm o risco de serem submersos pela elevação do nível do mar, permanece um abismo no financiamento necessário para protegê-los.
Um importante relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) de novembro apontou que, mesmo se os países fechassem as emissões hoje, os impactos climáticos permaneceriam por décadas.
“Precisamos de uma mudança radical na ambição de adaptação, em financiamento e implementação, para reduzir significativamente os danos e perdas das mudanças climáticas. E precisamos disso agora”, chefe do PNUMA, Inger Andersen.
Combustíveis fósseis continuam a queimar – Também precisamos acelerar a transição mundial para formas mais limpas de energia e acabar com o uso do carvão, se quisermos ter uma chance de limitar os aumentos de temperatura. No entanto, o progresso nessa frente permanece incerto: de acordo com os planos atuais, os governos continuarão a produzir energia a partir de fontes de combustíveis fósseis em quantidades que levarão a mais aquecimento, apesar da melhoria dos compromissos climáticos.
Nas próximas duas décadas, os governos estão projetando um aumento na produção global de petróleo e gás e apenas uma redução modesta na produção de carvão. Tomados em conjunto, esses planos significam que a produção de combustíveis fósseis aumentará em geral, pelo menos até 2040.
Essas descobertas foram apresentadas no último relatório das Nações Unidas, o Production Gap, que incluiu perfis de 15 grandes países produtores de combustível fóssil, mostrando que a maioria continuará a apoiar o crescimento da produção de combustível fóssil.
Na tentativa de mudar essa trajetória, a ONU realizou um Diálogo de Alto Nível sobre Energia, o primeiro do gênero em 40 anos. Os governos nacionais se comprometeram a fornecer eletricidade a mais de 166 milhões de pessoas em todo o mundo, e as empresas privadas se comprometeram a atingir pouco mais de 200 milhões.
Os governos também se comprometeram a instalar 698 gigawatts adicionais de energia solar, eólica, geotérmica, hidrelétrica e de hidrogênio, baseadas em fontes renováveis, e as empresas, principalmente companhias de energia, se comprometeram a instalar 823 gigawatts adicionais, tudo até 2030.
Paz com a natureza – Os crescentes incidentes de condições meteorológicas extremas são um sinal claro de que o mundo natural está reagindo às mudanças climáticas causadas pelo homem, mas trabalhar com a natureza é uma das melhores maneiras de restaurar o equilíbrio. Isso exigirá muito investimento e uma reformulação na forma como interagimos com o mundo.
A ONU estima que uma área do tamanho da China será restaurada ao seu estado natural se a biodiversidade do planeta e as comunidades que dela dependem forem protegidas. Investimentos anuais em soluções baseadas na natureza terão de triplicar até 2030 e quadruplicar até 2050, se o mundo quiser enfrentar com êxito a ameaça que afeta o clima, a biodiversidade e o solo.
Com mais de um milhão de espécies em risco de extinção, o secretário-geral da ONU, António Guterres, exortou os países a trabalharem juntos para garantir um futuro sustentável para as pessoas e o planeta durante a primeira parte da Conferência da ONU sobre Biodiversidade que aconteceu em outubro (a segunda parte está programada para ocorrer em 2022). A Conferência irá desenvolver um roteiro global para conservação, proteção, restauração e gestão sustentável da biodiversidade e dos ecossistemas para a próxima década.
Financiamento – De energias renováveis a transporte elétrico, reflorestamento e mudanças no estilo de vida, são inúmeras as soluções para enfrentar a crise climática, que muitos acreditam ser a ameaça existencial de nossos tempos. No entanto, ainda não está totalmente claro de onde virá o dinheiro para pagar por tudo isso.
Mais de uma década atrás, os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar conjuntamente 100 bilhões de dólares por ano até 2020 em apoio à ação climática nos países em desenvolvimento. No entanto, a meta nunca foi atingida.
Contudo, o mundo dos negócios parece estar acordando para o fato de que os investimentos climáticos fazem sentido do ponto de vista econômico. Na maioria dos países, por exemplo, adotar a energia solar é agora mais barato do que construir novas usinas de carvão, e os investimentos em energia limpa podem criar 18 milhões de empregos até 2030.
Em outubro, 30 CEOs e líderes empresariais seniores de grandes empresas, no valor coletivo de cerca de 16 trilhões de dólares, participaram de uma reunião da Aliança de Investidores Globais para o Desenvolvimento Sustentável (GISD, sigla em inglês), para desenvolver diretrizes e produtos que alinham o ecossistema financeiro e de investimento existente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Desde a sua criação, a Aliança desenvolveu padrões e ferramentas com o objetivo de movimentar trilhões de dólares para financiar um mundo mais sustentável. Este ano, a instituição publicou uma ferramenta mais recente para medir com precisão o impacto das empresas nas metas de desenvolvimento sustentável e fornecer aos investidores informações importantes. O grupo agora está criando fundos que irão gerar oportunidades reais para financiar os Objetivos.
COP26 – O evento de mudança climática mais importante de 2021, pelo menos em termos de seu perfil na mídia e entre o público em geral, foi a Conferência do Clima da ONU, realizada em Glasgow em novembro.
O encontro intensivo de duas semanas foi convocado para avançar definitivamente das promessas feitas no Acordo de Paris adotado na Conferência de 2015, e realmente trabalhar os detalhes para transformar esses compromissos em ações concretas.
Houve muitos avisos antes da COP26 de que a Conferência não produziria os resultados desejados, e houve enormes manifestações em Glasgow e em todo o mundo, de pessoas de todas as idades exigindo mais ação de governos.
Alguns veteranos da COP, no entanto, sentiram uma atmosfera diferente dos encontros anteriores, com mais positividade e uma sensação de que algo tangível poderia ser alcançado, e os primeiros dias do evento viram uma grande promessa de restaurar as florestas do mundo, junto com uma lista de compromissos de atores dos setores público e privado para combater a mudança climática, conter a destruição da biodiversidade, a fome e proteger os direitos dos povos indígenas.
Uma resposta potencial para a questão do financiamento do clima parecia vir no “dia destinado às finanças” da Conferência, com o anúncio de que quase 500 empresas de serviços financeiros globais concordaram em alinhar 130 trilhões de dólares – cerca de 40% dos ativos financeiros mundiais – com as metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris, incluindo a limitação do aquecimento global a 1,5 ºC.
No entanto, muitos líderes ficaram desapontados com as negociações financeiras realizadas em Glasgow. O Butão, representando o grupo dos Países Menos Desenvolvidos (PMDs), lamentou que as declarações públicas feitas pelos países muitas vezes diferem do que é ouvido nas negociações.
“Viemos para Glasgow com grandes expectativas. Precisamos de fortes compromissos para garantir a sobrevivência de um bilhão de pessoas que vivem nos PMDs no futuro ”, disse o representante do país no “dia da adaptação”.
No “dia da energia”, foi anunciada a Declaração de Transição de Energia Limpa Global, um compromisso para acabar com os investimentos em carvão, ampliar a energia limpa, fazer uma transição justa e eliminar o carvão até 2030 nas principais economias e até 2040 nas demais nações. Muitos países assumiram pela primeira vez o compromisso de acabar com o carvão, No entanto, os maiores financiadores de carvão (China, Japão e República da Coréia) não aderiram.
Avançar – O acordo final da COP26 não aconteceu sem desgosto e drama. Na última sessão plenária, muito atrasada, o presidente Alok Sharma foi às lágrimas, comovido pelas tensas negociações quando uma intervenção aparentemente de última hora da Índia ajustou o texto relacionado aos combustíveis fósseis, para fúria de alguns países.
No entanto, o acordo foi reconhecido pela inclusão, pela primeira vez em uma COP, daquelas duas palavras – combustíveis fósseis – que as nações do mundo concordaram em “reduzir gradualmente” (ao invés da “eliminação gradual” originalmente proposta, para desgosto de Sharma e de muitos delegados).
Enquanto alguns comentaristas acreditam que o acordo não foi longe o suficiente para salvar o mundo de uma catástrofe relacionada ao clima, outros viram esperança no espírito em que as negociações ocorreram e na possibilidade de que cada COP subsequente verá etapas tangíveis e valiosas rumo a um futuro sustentável para as pessoas e o planeta.
“Eu sei que vocês estão desapontados. Mas o caminho do progresso nem sempre é em linha reta”, disse o secretário-geral da ONU, em resposta ao acordo. “Às vezes há desvios. Às vezes existem quedas. Mas eu sei que podemos chegar lá. Estamos na luta de nossas vidas e essa luta deve ser vencida. Nunca desistam. Nunca recuem. Continuem avançando”, finalizou Guterres.