A economia circular propõe uma mudança em toda a maneira de consumir, do design dos produtos até nossa relação com as matérias-primas e resíduos
Você sabe o que é economia circular? Ou você já parou para pensar em como funciona a inteligência do planeta? Esse grande organismo vivo se gere e autorregula em um processo cíclico.
A energia é provida pelo Sol em abundância e todo o ”lixo” de uma espécie é alimento de outra. Tudo nasce para depois morrer e se transformar em energia para o ambiente novamente.
O ciclo funciona em harmonia – ou deveria. O ser humano cada vez mais desequilibra essa balança e torna difícil para os serviços ecossistêmicos suportarem ou se recuperarem. No entanto, certos estudiosos apontam que a economia circular pode ser uma solução para minimizar o impacto humano no meio ambiente.
O modelo circular de sistema econômico agregou diversos conceitos criados no último século, como:
- Design regenerativo
- Economia de performance
- Capital natural
- Cradle to cradle – do berço ao berço
- Ecologia industrial
- Biomimética
- Blue economy
- Biologia sintética
Tudo isso para desenvolver um modelo estrutural para a regeneração da sociedade e da população mundial.
O que é economia circular?
A economia circular é um conceito baseado na inteligência da natureza e que se opõe ao processo produtivo da economia linear. Nela, os resíduos são insumos para a produção de novos produtos. No meio ambiente, restos de frutas consumidas por animais se decompõem e viram adubo para plantas. Esse conceito também é chamado de “cradle to cradle” (do berço ao berço). Ou seja, não existe a ideia de resíduo, e tudo serve continuamente de nutriente para um novo ciclo.
Na indústria de produtos, a cadeia produtiva seria repensada para que peças de eletrodomésticos usadas, por exemplo, pudessem ser reprocessadas e reintegradas à cadeia de produção como componentes ou materiais para a fabricação de outros produtos eletrônicos.
A economia circular é a ciência que repensa as práticas econômicas a longo prazo. Desse modo, indo além daqueles famosos três “R”s – reduzir, reutilizar e reciclar. Isso porque ela une o modelo sustentável com o ritmo tecnológico e comercial do mundo moderno, que não pode ser ignorado.
Atualmente, nosso sistema produtivo funciona de forma linear. Porém, issonão é sustentável devido à exploração excessiva de recursos naturais e ao grande acúmulo de resíduos.
Nós exploramos a matéria-prima, produzimos bens e depois os descartamos. A obsolescência programada, técnica que consiste em produzir itens já estabelecendo o término da vida útil deles, gera resíduos que não recebem novos usos e se acumulam exponencialmente. Comparando com os países da América Latina, o Brasil é o campeão de geração de lixo, produzindo cerca de 541 mil toneladas por dia, segundo dados da Organização das Nações Unidas.
Além dos resíduos gerados, o esgotamento de matérias-primas também é uma grande preocupação. De acordo com o relatório da Ellen MacArthur Foundation – organização que estuda e estimula a adoção da economia circular -, cerca de 82 bilhões de toneladas de matéria-prima são inseridas no sistema produtivo mundial a cada ano.
Como seria possível mudar esse paradigma?
E se, em vez do modelo em que se descartam os materiais não biodegradáveis, existisse outro em que esses materiais retornassem ao ciclo produtivo? Se eles fossem levados de volta a suas respectivas fábricas, desmontados, otimizados e trazidos de volta para nós? Na economia circular, esse movimento é conhecido como a logística reversa.
A economia lucra com a ausência de desperdício – e o planeta também! Em vez de uma reta final para os produtos, um novo ciclo: transformando resíduos em insumos, em nova matéria-prima. São novos “R”s que entram: de economia restaurativa e regenerativa. O que era fim é só um novo começo.
Para o desenvolvimento sustentável, deve-se controlar estoques finitos e equilibrar os recursos renováveis. Um primeiro passo é desmaterializar produtos e serviços (sistema que valoriza a função, a utilidade e nem tanto o produto em si). Além disso, há a necessidade de aumentar a eficiência da criação de produtos e o reaproveitamento de resíduos sólidos.
Já na concepção, os produtos devem ser feitos com materiais facilmente recicláveis e não perigosos (substâncias puras, não tóxicas e segregáveis). É fundamental reduzir a contaminação para maximizar a circulação dos materiais. Os objetos devem ser concebidos para a remanufatura, a reforma e a reciclagem.
Artigos com componentes e materiais no mais alto nível de utilidade, tanto no ciclo técnico quanto no biológico, otimizam a produção de recursos. Desse modo, componentes e materiais continuam circulando e contribuindo para a economia.
A economia circular segue uma utilização racional dos recursos. Com o uso em cascata dos materiais, eles permanecem o maior tempo possível na economia. Após um produto chegar ao fim de seu ciclo para o primeiro consumidor, ele pode ser compartilhado e ter sua utilização ampliada.
Posteriormente ao esgotamento de reúso do artefato, ele pode ser material de upcycling (reaproveitamento), reformado, remanufaturado e, como última etapa, reciclado. As alternativas de reciclagem atuais operam sobre bens de consumo que não foram projetados com este cuidado.
A economia circular parte da proposta de desconstruir o conceito de resíduo. Isso é feito com a evolução de projetos e sistemas que privilegiam materiais naturais que possam ser totalmente recuperados.
Fundação Ellen MacArthur
A Fundação Ellen MacArthur é especializada em difundir e apoiar a mudança das empresas para esse novo modelo. Modelo que é capaz de gerar mais de um trilhão de dólares de lucro para a economia global.
Ela foi criada uma rede de parceria entre empresas (líderes e emergentes) para colaborarem no salto coletivo para essa nova estrutura. Essa união foi chamada “CE100” (Circular Economy Hundred) e nomes como Coca-Cola, Unilever, Philips e Renault estão na lista.
Além da vantagem comercial, a parceria também possui outros benefícios, incluindo:
- Criação de uma rede coletiva para a solução de problemas;
- Proporcionando a construção de uma biblioteca com guias práticos para os respectivos negócios alcançarem sucesso com rapidez;
- Viabilização de mecanismos para integrar a economia circular dentro de cada empresa.
Para a indústria da moda, por exemplo, há a iniciativa Make Fashion Circular, que estipula alguns princípios para uma economia circular, tais como:
- Produtos e materiais projetados para serem reutilizados e reciclados;
- Embalagens feitas de materiais reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis;
- Produtos e materiais isentos de substâncias perigosas para o meio ambiente;
- Fabricação, distribuição e reciclagem alimentadas por energia renovável.
Parece utopia para você? Pois saiba que diversas empresas já adotam essa abordagem. Em parceria com a fundação, o Google quer incorporar o conceito de economia circular na infraestrutura, na operação e na cultura da empresa.
Como funciona a implantação?
No entanto, o seu funcionamento não depende apenas das empresas. Ele inclui todos os envolvidos no ciclo de vida de um produto, que precisam entender seu papel nesse novo modelo. O consumo deve ser desacelerado e consciente. Vivemos em um mundo com relações de produção e comércio globalizadas, por isso há necessidade de disseminar o conceito de economia circular mundialmente.
Diversos países sabem da importância e estão progressivamente implantando os conceitos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), por exemplo, foi a lei implantada no Brasil em 2010.
Ela visa garantir a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a operação reversa e o acordo setorial. Assim, todos os agentes do ciclo produtivo, os consumidores e os serviços públicos devem minimizar o volume de resíduos sólidos gerados. Promovendo práticas que assegurem que os produtos sejam reintegrados ao ciclo produtivo.
Na China, a economia circular faz parte da Lei de Promoção da Produção Limpa, promulgada em 2002. Medidas são importantes para familiarizar a sociedade com a economia circular, como:
- Rotulagem ecológica de produtos;
- Difusão de informações sobre questões ambientais na mídia;
- Cursos oferecidos pelas instituições de ensino.
Neste cenário, para que a economia circular seja implantada, o surgimento de um “consumidor circular” é fundamental.
Economia circular ganha força com classificação europeia
No resto do mundo há sinais importantes de que a ideia de transição para a economia circular e suas práticas regenerativas está avançando.
O Parlamento Europeu aprovou uma classificação baseada em seis objetivos, que visa orientar investimentos públicos nos países do bloco que precisam atingir metas já estabelecidas nos acordos do clima, nas diretrizes contra a poluição de rios, mares e nos compromissos internacionais em relação aos resíduos.
Com isso, se espera que seja possível indicar as iniciativas que convergem para a proteção e regeneração do meio ambiente. Bem como desincentivar negócios que são empacotados com greenwashing e marketing ecológico, mas que não são comprometidos de fato com um futuro sustentável. Serão considerados sustentáveis empresas e projetos que contribuam com ao menos um dos seis objetivos ambientais contidos na classificação:
- A mitigação das alterações climáticas;
- A adaptação às alterações climáticas;
- A utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos;
- A transição para uma economia circular;
- A prevenção e o controle da poluição;
- A proteção e o restauro da biodiversidade e dos ecossistemas.
Classificação da economia circular
No detalhamento do item referente à economia circular, o regulamento considera que uma atividade econômica contribui para a transição ao novo modelo, se:
- Utilizar mais eficientemente os recursos naturais na produção, incluindo matérias-primas obtidas de forma sustentável;
- Aumentar a durabilidade, a reparabilidade, a atualização ou a reutilização dos produtos, em especial no âmbito da concepção da fabricação;
- Aumentar a reciclabilidade dos produtos, incluindo a reciclabilidade dos seus diferentes componentes materiais. Isso através da substituição ou da redução da utilização de produtos e materiais não recicláveis, em especial no âmbito da concepção e da fabricação;
- Reduzir substancialmente o teor de substâncias perigosas e substituir as substâncias que suscitam elevada preocupação nos materiais e produtos ao longo de todo o seu ciclo de vida, em conformidade com os objetivos estabelecidos no direito da União, substituindo essas substâncias por alternativas mais seguras e garantindo a rastreabilidade;
- Prolongar a utilização de produtos, através da sua reutilização, tendo em vista a longevidade, aproveitamento para outros fins, desmontagem, refabricação, atualização e reparação, e partilha de produtos;
- Intensificar a utilização de matérias-primas secundárias e melhorar a sua qualidade, através de uma reciclagem de elevada qualidade dos resíduos;
- Prevenir ou reduzir a produção de resíduos, notadamente a produção de resíduos no âmbito da extração de minerais e resíduos da construção e demolição de edifícios;
- Melhorar a preparação para a reutilização e reciclagem de resíduos;
- Aumentar o desenvolvimento das infraestruturas de gestão de resíduos necessárias para a prevenção, a preparação para reutilização e a reciclagem, assegurando simultaneamente que os materiais recuperados daí resultantes sejam reciclados como matérias-primas secundárias de elevada qualidade destinadas à produção, evitando assim a conversão em produtos de qualidade inferior (downcycling);
- Minimizar a incineração de resíduos e evitar a eliminação de resíduos, incluindo a sua deposição em aterro, de acordo com os princípios da hierarquia dos resíduos;
- Evitar e reduzir a quantidade de lixo produzido;
- Potencializar qualquer uma das atividades enumeradas nos itens anteriores.
Como as cadeias produtivas podem se adaptar?
Além dessa taxonomia dos investimentos sustentáveis, um anúncio publicado no Financial Times foi assinado por CEOs de algumas das maiores empresas do mundo e administradores públicos reafirmando compromisso com a transição para a economia circular. Os signatários afirmaram que estão empenhados em acelerar a transição para uma economia circular com soluções para plásticos, moda, alimentos e finanças. O compromisso das empresas aponta diretrizes para cada cadeia produtiva:
- Plásticos: eliminar aqueles que não sejam necessários, promover inovação em materiais e modelos de negócio e circular todos os plásticos mantendo-os na economia e fora do meio ambiente.;
- Moda: garantir que as roupas sejam usadas mais vezes, possam ser transformadas em novas peças e sejam feitas a partir de materiais seguros e renováveis;
- Alimentos: redesenhar produtos e cadeias de suprimento a fim de regenerar a natureza, eliminar o conceito de resíduo e conectar a produção ao consumo local onde fizer sentido;
- Finanças: apoiar empresas em sua transição para modelos de negócio circulares e mobilizar capital para avançar no desenvolvimento de soluções de economia circular.
Coca-cola, Pepsico, Unilever, Nestlé, Veolia, Danone, Renault, H&M, L’Óreal e Amcor são algumas das empresas que assinaram o acordo. Representantes da França, Holanda e das cidades de Londres e São Paulo também assinaram a peça, junto com a Fundação Ellen Macarthur.
Confira o vídeo da Ellen MacArthur Foundation que ilustra de maneira simples o que é economia circular: