Por Aniruddha Dasgupta em WRI Brasil – A última década foi definida por compromissos para combater a crise climática. Começaram a conta-gotas, mas deslancharam deslancharam com países, cidades e empresas anunciando metas para acabar com o desmatamento, abandonar o uso do carvão e fazer a transição para veículos elétricos, entre outras ações.
Muitos desses compromissos foram estabelecidos em busca de um grande objetivo – atingir emissões líquidas zero (net zero) até a metade do século. Hoje, 83 países, responsáveis por três quartos das emissões globais, possuem compromissos e políticas em vigor para zerar emissões líquidas. Assim como mais de mil cidades e 750 empresas. Isso é fantástico!
Mas todos esses compromissos dependem de um fator: ação – em particular das nações do G20.
As evidências mostram que essa ação não tem acontecido rápido o suficiente. O último relatório do IPCC revelou que temos menos de oito anos para diminuir pela metade as emissões de gases do efeito estufa para manter o aumento da temperatura média do planeta dentro do limite de 1,5°C. Essa é a meta considerada necessária pelos cientistas para prevenir os piores impactos das mudanças climáticas.
Está cada vez mais claro que, se queremos promover mudanças transformadoras em pouquíssimo tempo, a ação climática precisa ser positiva para as pessoas que estão aqui e agora. Essa é uma mudança fundamental de pensamento em relação ao ponto onde estávamos dez anos atrás. Uma mudança de foco – de “partes de CO2 por milhão” para pessoas – é o que vai fazer com que a ação climática seja duradoura.
Não existem soluções milagrosas, mas há três fatores essenciais para que as soluções climáticas sejam duradouras.
As promessas para atingir emissões líquidas zero até a metade do século precisam ter credibilidade. Muitos compromissos climáticos fracos e a falta de transparência levantaram – compreensivelmente – algum ceticismo.
Considere o setor financeiro, por exemplo. Instituições financeiras que controlam US$ 130 milhões em ativos se juntaram à Aliança Financeira de Glasgow pelo Zero Líquido em 2021. Essa foi uma boa notícia e sem precedentes. Só que a credibilidade dessas promessas depende totalmente do abandono dos combustíveis fósseis por esses mesmos atores.
Para que países, cidades e empresas tenham credibilidade em seus compromissos pelo zero líquido, precisam agir nesta década, fazer avanços verificáveis e reportar seu progresso de forma transparente. Sem essas medidas para construir confiança e credibilidade, a fé nas metas de zero líquido continuará enfraquecendo.
A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA propôs recentemente novas mudanças de regulamentação que, se adotadas, exigirão que todas as empresas, tanto domésticas quanto estrangeiras, reportem à Comissão riscos climáticos, emissões de gases de efeito estufa e outras informações relevantes. Passar de um regime de divulgação voluntária para um regulamentado nos Estados Unidos teria um impacto global. Esse é exatamente o tipo de medida necessária para criar condições favoráveis a uma ação climática direta, com avanços verificáveis e transparência radical.
A transição para o zero líquido vai acontecer. Precisamos fazer amplas mudanças sistêmicas agora para assegurar que esse caminho seja tranquilo, confiável e justo.
O caso do carvão é simbólico na transição global para emissões líquidas zero. O embasamento científico para eliminar gradualmente o uso de carvão é consistente e não deixa dúvidas. Trata-se da fonte de energia mais poluente e quase todos os caminhos para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C exigem que esse uso acabe até 2050. As condições econômicas para fazer isso também são favoráveis. Hoje, na maior parte do mundo, fontes de energia renovável são mais baratas do que construir novas usinas a carvão. E mesmo assim o carvão continua sendo responsável por 25% do consumo global de energia, empregando de forma direta mais de sete milhões de pessoas.
Como podemos, então, fazer a transição e manter as luzes acesas e garantir o bem-estar dos trabalhadores do setor de combustíveis fósseis, tudo isso enquanto a demanda por energia aumenta?
Os maiores consumidores de carvão do mundo precisam implementar planos de eliminação gradual agora, enquanto os investimentos globais em energia renovável triplicam. Não vai ser fácil. Cerca de 60% da eletricidade na China e 70% na Índia ainda vem do carvão. Em países como a Índia, que focaram nas fontes solar e eólica, os custos com o armazenamento de energia são assustadores. Cortar o uso do carvão exigirá um suporte considerável de capital privado, catalisado por instituições financeiras bilaterais e multilaterais. Além disso, será preciso garantir que os meios de subsistência dos funcionários do setor de combustíveis fósseis sejam protegidos.
Precisamos eliminar o uso do carvão do jeito certo – e precisamos nos preparar para isso agora – se quisermos manter a chance de sucesso na transição de toda a economia para emissões líquidas zero.
Precisamos encarar a verdade – desconfortável e fundamental – da crise climática: as pessoas menos responsáveis por esse problema são as mais afetadas por ele.
Isso vale entre os países – 12% da população mundial, que vive nas 23 nações mais ricas, é responsável por metade do histórico global de emissões de CO2 – e vale também dentro dos países: as comunidades econômica ou socialmente marginalizadas, incluindo as pessoas não brancas, são geralmente as mais expostas à poluição e aos impactos das mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que têm menos recursos para lidar com a situação.
Não só a responsabilidade e os impactos das mudanças climáticas estão distribuídos de forma desigual, como também os recursos e o poder de fazer algo a respeito. A partir de qualquer ângulo que olhemos para a situação, vemos injustiça. Encarar essa verdade exige que pensemos nas mudanças climáticas não apenas em termos de carbono, mas de justiça e direitos civis. Para isso, precisamos transferir poder e financiamento para as comunidades que vivem na linha de frente dos impactos climáticos.
Considere, primeiro, o poder de ação. Pesquisas mostram que a ação climática liderada em escala local é ao mesmo tempo eficaz e equitativa. Isso não é uma surpresa. Os povos indígenas têm sido guardiões de suas terras por milhares de anos. Hoje, possuem ou cuidam de pelo menos metade dos territórios do mundo, mas apenas 10% dessa área é reconhecida por lei como terra indígena. Transferir o poder – e recursos – para as comunidades na linha de frente é a coisa certa a fazer, e também a mais inteligente.
Em segundo lugar, pense no financiamento. Em 2019, os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar US$ 100 bilhões por ano até 2020 para apoiar a ação climática nas nações em desenvolvimento. No entanto, no final de 2021 ficou claro que os países não foram capazes de cumprir essa meta. E, além disso, apenas uma pequena fração dos recursos oferecidos foram direcionados a ações lideradas localmente.
As nações desenvolvidas precisam não apenas honrar e fortalecer seus compromissos de financiamento climático, como transferir esses recursos para as comunidades na linha de frente, que são as que mais precisam. Além disso, também é necessário acelerar os esforços globais para alinhar os fluxos de financiamento às metas do Acordo de Paris.
Nós sabemos o que precisa ser feito para reduzir as emissões e manter o aumento da temperatura global dentro de limites seguros. E sabemos também o que precisamos fazer para nos adaptarmos e construirmos resiliência aos impactos climáticos que já nos afetam.
A pergunta é: os líderes dos países do G20 – responsáveis por 75% das emissões globais – estão prontos para fazer o que é preciso?
Lideranças climáticas visionárias e movimentos recentes nos últimos anos – como Vanessa Nakate, Greta Thunberg, Alexandria Villaseñor, Fridays for Future (Sextas-feiras pelo Futuro), Movimento Sunrise – abriram as portas para um mundo livre dos piores impactos das mudanças climáticas. Cabe àqueles ocupando hoje posições de liderança passarem por essas portas.
A hora de transformar compromissos em ações duradouras é agora.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.
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