Com apoio da FIOCRUZ e da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), listamos quatro pontos fundamentais que fazem do movimento agroecológico um aliado fortíssimo da saúde da população brasileira
Lembrete: SAÚDE e ALIMENTAÇÃO são direitos nossos, protegidos pela Constituição. O Estado brasileiro tem o dever de garanti-los a todas as pessoas.
Caminhando de mãos dadas, nossos direitos à saúde e à alimentação têm sido atropelados pelos governos que deveriam promovê-los. Principalmente por meio dos intermináveis incentivos públicos a um sistema alimentar que comprovadamente envenena nossas terras e águas, gera desmatamento e promove injustiças sociais. Tudo isso enquanto joga nas prateleiras dos supermercados alimentos ultraprocessados e banhados de agrotóxicos.
Não é por acaso que os cientistas vêm alertando sobre o risco de surgirem novas pandemias como a da COVID-19, por conta dos desequilíbrios ecológicos gerados com grande contribuição de um modelo de agricultura baseada no lucro. E não é coincidência que as principais causas de morte hoje, no Brasil e no mundo, são doenças ligadas à alimentação: problemas cardíacos, câncer, diabetes e AVC geram gastos à saúde pública que chegam à casa dos trilhões de dólares globalmente.
Ancorado em um agronegócio que mira nos lucros altos e nas exportações de commodities (dá uma olhada neste vídeo com a atriz Alice Braga!), o atual modelo brasileiro de produção de alimentos adoece e mata. Seja pela boca, ou pela devastação que provoca ao meio ambiente e à nossa diversidade cultural.
A saída tem nome: agroecologia
Já faz algumas décadas e crescem cada vez mais as evidências e recomendações científicas confirmando o que povos tradicionais já defendem e praticam há milênios: para garantir a saúde e o bem viver de todas as pessoas, precisamos fortalecer os caminhos de transição para sistemas de produção, distribuição e consumo de alimentos que sejam aliados da natureza, não inimigos. Que sejam diversos, não homogêneos. Que sejam justos, não desiguais. E que sejam saudáveis, não tóxicos.
A boa notícia é que esse modelo já existe, e é colocado em prática em todos os cantos do Brasil, pelas mãos da agricultura familiar, camponesa, e dos povos tradicionais e originários. Com a bênção da ciência e dos saberes populares, esse modelo tem nome: AGROECOLOGIA.
Segue o fio que a gente te apresenta abaixo 4 contribuições fundamentais da agroecologia para fortalecer a saúde da população brasileira – e, quem sabe, do mundo todo.
Agroecologia produz comida de verdade, e sem agrotóxicos
O Brasil está encharcado de agrotóxicos: a cada ano, cerca de 500 mil toneladas de veneno são despejados em território nacional. Desde o início do governo Bolsonaro, mais de 1.228 novos produtos químicos foram autorizados no país. Estamos reféns de um modelo de produção agrícola quimicamente dependente.
Inúmeros trabalhos científicos associam o uso de agrotóxicos a problemas gastrointestinais, respiratórios, malformação congênita de fetos, câncer e inúmeras outras doenças. No Brasil, pelo menos 8 pessoas são intoxicadas a cada dia. Em 2017, o Ministério da Saúde fez um levantamento em 2.600 municípios brasileiros para detectar a presença de agrotóxicos na água distribuída à população: foram encontrados resíduos de veneno em 92% das cidades monitoradas.
Vivemos uma verdadeira ‘epidemia’ do veneno. E ela é insustentável no longo prazo. Não é por acaso que entre 2000 e 2014 o uso de agrotóxicos no Brasil deu um salto de 134%: quanto maior a devastação dos ambientes naturais, mais aditivos químicos são necessários para compensar esse desequilíbrio. E neste ciclo sem fim, os solos ficam cada vez mais pobres, assim como os alimentos que nascem ali.
Mas a agroecologia vem justamente romper com esse sistema que acaba com as terras e com a saúde da população. Afinal, ela tem como princípio a produção de alimentos em solo rico, vivo, saudável. Busca incansavelmente o equilíbrio ambiental, a justiça e a harmonia entre todos os seres visíveis e invisíveis. E é justamente esse equilíbrio fino da natureza que garante uma produção livre de agrotóxicos e aditivos químicos.
Agroecologia protege o meio ambiente
“Não existe ser humano sadio se o solo não for sadio”. A dica da agrônoma Ana Primavesi é o ponto de partida da prática agroecológica. Enquanto o modelo atual de produção de alimentos precisa desmatar para produzir, a agroecologia depende de uma relação harmônica com a natureza para existir – não é à toa que ela carrega ECOLOGIA em seu nome, né?!
É por isso que os sistemas agroecológicos não esgotam os solos, não desperdiçam água e não contaminam o ambiente com venenos. Ninguém força a barra pro arroz e o feijão crescerem mais rápido, ou para mandioca ganhar mais peso: nesse grande organismo vivo, os ciclos naturais são respeitados, e é da cooperação mútua entre as plantas e demais seres vivos que nasce a proteção natural contra doenças e infestações de insetos, por exemplo. Ou seja: é da diversidade que nasce o equilíbrio.
Ali, quem comanda o expediente não é o lucro: é a natureza e a saúde das pessoas. Colocada em prática por milhões de agricultoras e agricultores familiares e povos tradicionais no país todo, a agroecologia tem um imenso potencial de transformar os sistemas agroalimentares e fortalecer os territórios, promovendo a saúde e melhorando as condições de vida de todo mundo.
Agroecologia preserva nossas culturas alimentares
Na história da humanidade, aprendemos a comer guiados pela cultura. E atravessamos gerações acumulando conhecimentos sobre o que devemos plantar e ingerir para estar com a saúde em dia. Mulheres, em especial, até hoje guardam saberes profundos sobre práticas de cuidado e saúde por meio da agricultura, da alimentação e do uso de plantas medicinais – que atire as primeiras rodelas de gengibre e limão quem nunca tomou aquele xarope ou aquela sopinha revitalizante da avó.
Mas de algumas décadas para cá, as corporações das indústrias farmacêutica e de alimentos nos afastaram desse conhecimento milenar do que é comida, do que nos alimenta e do que nos mantém saudáveis. O agronegócio padroniza e empobrece nossa dieta alimentar porque produz com os olhos voltados para o mercado, não para a saúde e as necessidades da população. A cada campo de monocultura semeado, os tratores vão apagando a diversidade de memórias, gostos, histórias, nutrientes e saberes que teimam em permaencer vivos em todas as regiões do Brasil.
Enquanto isso, a agroecologia vai reacendendo essas lamparinas de conhecimento e saúde por onde passa. Com as mulheres na linha de frente, o movimento agroecológico vem resgatando e tornando visível em todos os cantos do país os saberes e sabores tradicionais que costuram inovação, agricultura, comida, saúde e cuidados que vão além da alimentação. Seja rebrotando sementes esquecidas, espalhando as maravilhas das plantas medicinais ou fincando na terra alimentos que fazem parte da identidade brasileira.
Agroecologia combate a fome
A agroecologia existe para que as pessoas se alimentem bem e vivam com saúde (alô segurança e soberania alimentar e nutricional!). Já o agronegócio está no mundo com outros objetivos. Como o próprio nome já entrega, ele existe para fazer negócios e gerar lucro com as mercadorias agrícolas que produz.
Partindo daí fica mais fácil de entender porque metade da população brasileira adoece com os sintomas da fome enquanto o agronegócio comemora suas cifras bilionárias e seus novos recordes de produção e exportação. Fica mais evidente ainda quando a gente olha para os dados do IBGE e nota que as áreas plantadas de arroz e feijão no Brasil encolheram 53% e 37%, respectivamente, enquanto a soja – a rainha das exportações – expandiu 162% entre os anos 2000 e 2019.
A fome é uma escolha política. E para acabar com ela, precisamos de um modelo de produção que exista para alimentar pessoas, não empresas. Um modelo operado não por corporações, mas por milhões de famílias que valorizam a sociobiodiversidade local e fortalecem a economia solidária para produzir alimentos. Alimentos que vão alimentar outras famílias e a si mesmas.