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Área no norte do Mato Grosso em que a floresta se recuperou por meio da regeneração natural assistida

Por Julio AlvesMariana OliveiraFabíola Zerbini e Bruno Calixto em WRI BrasilAuxiliar as florestas e a vegetação nativa a se regenerarem depois de um evento ou período de degradação é uma forma viável e promissora de restauração. Estudos mostram que há um grande potencial para a Regeneração Natural Assistida (RNA) em diversas regiões e ecossistemas, como a Amazônia e a Mata Atlântica. Com intervenções humanas específicas – mostramos sete delas neste infográfico – produtores e produtoras rurais, organizações, empresas e governos têm em mãos uma estratégia, com bom custo-benefício quando comparada às demais, e que gera muitos benefícios.

Um novo estudo mostra quem são as pessoas que estão fazendo a RNA acontecer na prática, no Brasil e no mundo, além de mostrar quais os fatores de sucesso desses projetos e iniciativas, bem como benefícios que eles promovem para quem as conduz e para a sociedade.

Reunindo experiências para inspirar

O estudo “O papel da regeneração natural assistida na aceleração e no ganho de escala da restauração de florestas e paisagens”, publicado por WRI Brasil, ICVImazon e Suzano, apresenta experiências práticas de RNA ao redor do mundo desenvolvidas por diferentes tipos de atores sociais e em arranjos de governança diversos.

O trabalho levantou 24 casos de sucesso – sendo 15 no Brasil e 9 em outros países, como Costa Rica, Índia e Quênia. A partir desses casos, analisou quais as técnicas de RNA são comumente utilizadas e quais são os principais fatores-chave de sucesso para que uma iniciativa ou projeto que apoia a condução da regeneração natural possa prosperar. O objetivo foi levantar informações que possam ser usadas por implementadores de projetos de restauração, tomadores de decisão e investidores, contribuindo para acelerar e dar escala às ações de restauração no Brasil e no mundo.

Juntos, esses casos mostram que com aplicação de técnicas menos complexas, capacitação de produtores e produtoras e envolvimento de todos os atores da cadeia da restauração – dos pequenos aos grandes produtores, passando por empresas e programas de incentivo governamentais – é possível disseminar a regeneração natural assistida como estratégia de restauração com custo relativo menor.

Na prática, quais são as lições, benefícios e aprendizados que o conjunto destes 24 casos nos mostram?

1. Um caminho para a adequação ao Código Florestal

Por exigir menos intervenções diretas no terreno e reduzir os custos de implementação, a regeneração natural assistida é uma ferramenta poderosa para produtores rurais que precisam se adequar às regras do Código Florestal – como por exemplo na recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) ou Reserva Legal (RL) desmatadas para além do limite da legislação.

No norte do Mato Grosso, o ICV utilizou essas técnicas dentro do projeto Cadeias Socioprodutivas junto a agricultores familiares. O objetivo foi apoiar famílias a desenvolver uma agricultura sustentável, orgânica e de baixo carbono em cadeias produtivas na Amazônia – como as do leite, horticultura, cacau e café, entre outras. Para poder acessar recursos e ter selo de orgânico, essas famílias precisavam se adequar ao Código Florestal. A RNA entrou como uma técnica de baixo custo para que os produtores pudessem recuperar APPs e RLs e ter acesso a crédito e a mercados. O projeto já recuperou mais de 100 hectares e beneficiou 600 famílias.

Também para o grande produtor rural há a oportunidade do uso da RNA para adequação legal. Em Paragominas, no Pará, o Imazon trabalhou em duas fazendas para mostrar que a técnica é viável para que grandes propriedades também se adequem ao Código Florestal. No começo dos anos 2000, Paragominas estava entre as cidades que mais desmatavam a Amazônia, e entrou para a lista de municípios prioritários para monitoramento e controle do desmatamento. Com importante liderança política e envolvimento local, Paragominas não só controlou o desmate, saiu da lista, como avançou nas ações de restauração.

Para recuperar APPs e RLs e se adequar à legislação, usando técnicas de RNA como isolamento da área e retirada do gado, as duas fazendas restauraram mais de 1,6 mil hectares, recuperando todo o passivo ambiental em 12 anos. Tudo isso sem ter impacto econômico negativo nas atividades produtivas centrais das fazendas no período.

2. Envolvimento do setor privado como protagonista

O papel da governança da restauração em uma paisagem vem sendo cada vez mais estudado, e ela mostra que todos os atores podem contribuir. Empresas podem apoiar comunidades, direcionar recursos e garantir a recuperação de grandes áreas de florestas como parte do seu negócio.

Nos municípios de Mogi das Cruzes e Bertioga, no estado de São Paulo, por exemplo, a Suzano mantém o Parque das Neblinas, uma reserva ambiental da empresa, gerida pelo Instituto Ecofuturo. A área foi desmatada nas décadas de 1940 e 1950 pela indústria siderúrgica para a produção de carvão e, por meio da regeneração natural, foi possível recuperar 7 mil hectares de Mata Atlântica. Atualmente, são protegidas 1.265 espécies da biodiversidade já identificadas no local, como a palmeira-juçara, espécie ameaçada de extinção, e outras quatro novas para a ciência. A reserva desempenha importante papel para proteção do maior remanescente contínuo de Mata Atlântica do País, o Parque Estadual da Serra do Mar de São Paulo (PESM), e dos recursos hídricos da região – o Parque abriga 530 nascentes das bacias do Itatinga e Alto Tietê.

Em outro projeto, dessa vez no sul da Bahia e norte do ES, a Suzano fez uma parceria com a TNC Brasil para restaurar e monitorar a recuperação em 35 mil hectares, utilizando também a regeneração natural assistida. Esse trabalho ajudou a criar o primeiro protocolo de monitoramento de áreas de restauração via sensoriamento remoto na Mata Atlântica e Amazônia, desenvolvido pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.

3. Priorizando benefícios ambientais

Outro caso interessante de envolvimento do setor privado aconteceu em um projeto de recuperação da Mata Atlântica na Paraíba. Uma parceria entre o Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan) e uma usina de cana-de-açúcar no interior da Paraíba permitiu recuperar áreas de APP em dois rios que conectam duas Reserva Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs). Foram mais de 100 hectares recuperados por meio da regeneração natural assistida criando um corredor ecológico para o macaco prego galego, uma espécie criticamente em perigo de extinção.

Na região da Serra da Mantiqueira, entre São Paulo e Minas Gerais, a Associação Ambientalista Copaíba trabalha com produtores rurais usando a condução da regeneração natural. Em uma das propriedades, o ganho para fauna foi verificado com a volta de espécies icônicas, como o lobo-guará e o cachorro-do-mato. A principal motivação dos produtores na região, entretanto, é pela melhoria da qualidade da água. A partir de recursos do Fundo de Recursos Hídricos do Governo do Estado de São Paulo e do apoio do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Mogi Guaçu, foi possível regenerar áreas de nascentes e margens do rio do Peixe. Em umas das propriedades, a nascente foi recuperada em pouco mais de quatro anos do início da regeneração natural.

Além das nascentes nas propriedades, a RNA é ferramenta poderosa para proteger e recuperar os mananciais que abastecem as grandes cidades. Um caso interessante é o do projeto Produtor de Água do Rio Camboriú, em Santa Catarina. Lá, uma iniciativa da Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú e diversos parceiros permitiu destinar recursos da tarifa de água para viabilizar o projeto de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) que incentiva proprietários rurais a conservarem e restaurarem florestas próximas de mananciais, adotando práticas de RNA como isolamento de áreas e controle de gramíneas. São nessas áreas protegidas que ficam zonas de recargas de aquífero e nascentes da água que será posteriormente consumida em Camboriú e em Balneário Camboriú.

4. Uma forma de gerar renda no campo

Assim como o Produtor de Água de Camboriú, a regeneração natural assistida pode ser ferramenta importante para outros programas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). Um dos casos mais conhecidos de PSA do Brasil, o programa Reflorestar, do governo do Espírito Santo, já destinou recursos para a regeneração natural assistida de mais de 4 mil hectares, espalhados em áreas de produtores rurais.

Além de programas de financiamento e políticas públicas, os casos levantados pelo estudo mostram que a própria RNA pode ser uma forma de complemento de renda do produtor rural. No Paraná, por exemplo, o Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, com o apoio financeiro do BNDES, desenvolveu um projeto junto com produtores rurais de um assentamento da reforma agrária para estimular a regeneração natural de espécies nativas da Floresta com Araucárias. Uma das técnicas usadas foi o enriquecimento com o plantio de erva-mate, que cresce bem na sombra das árvores e já tem um mercado consolidado, ajudando a gerar renda aos produtores.

Outra forma de incluir atividades econômicas no próprio processo de regeneração foi testada, de maneira experimental, pelo Parque Sesc Serra Azul, unidade do Polo Socioambiental Sesc Pantanal, no Cerrado mato-grossense. O Sesc Pantanal adquiriu há mais 10 anos a área, até então uma fazenda de gado, para realizar práticas socioambientais, como turismo sustentável e educação ambiental. Entre as estratégias para regenerar a área, anteriormente usada como pasto, a instituição aplicou o manejo do gado de forma inteligente: os animais se alimentaram das gramíneas, que precisavam ser controladas, contribuindo para o desenvolvimento das espécies nativas e reduzindo as possibilidades de incêndios. O estudo também mostrou que a presença descontrolada de gado na região traz prejuízos, como erosão do solo.

5. Uma forma eficiente de enfrentar queimadas e as mudanças do clima

Essa não é a única experiência do Sesc Pantanal com a regeneração natural assistida. Também no Pantanal, a organização, em parceria com as ONGs Wetlands International, Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan) e mais nove instituições, está executando uma série de ações de restauração para recuperar a área que foi queimada pelos graves incêndios em 2020. Entre elas está o projeto “Redes de Mudas e Sementes Pantaneiras – Aquarela Pantanal”, desenvolvido nos municípios de Poconé e Barão de Melgaço, em Mato Grosso, para a recuperação de matas ciliares na RPPN Sesc Pantanal e de áreas às margens do rio Cuiabá.

O fogo e as queimadas estão se tornando mais comuns por conta das mudanças climáticas, e a RNA pode ser uma técnica utilizada para mitigar emissões. Exemplo disso é o caso da ONF Brasil, no projeto Poço de Carbono Peugeot ONF – desde 1999 a organização executa um projeto de restauração no norte do Mato Grosso para restaurar áreas, tirar carbono da atmosfera e comercializar créditos de carbono. Em 22 anos, foram mais de 2 mil hectares restaurados.

Uma técnica que pode ser usada globalmente

Apesar do estudo ter levantado muitos casos no Brasil, a Regeneração Natural Assistida não deve ser entendida apenas como uma estratégia nacional. Pelo contrário – já há muitos exemplos de sucesso no mundo. Alguns desses casos foram destacados no estudo, como por exemplo:

  • Na Costa Rica, a RNA ajudou a recuperar 60% da cobertura florestal de uma área de manancial que abastece mais de 1,2 mil famílias;
  • No Quênia, a RNA foi utilizada para recuperar pastagens degradadas, reduzindo a insegurança alimentar de uma comunidade;
  • Na Índia, uma fundação está usando um misto de plantio direto com técnicas de RNA para restaurar 22 mil hectares em uma área que sofreu desmatamento por décadas.

Próximos passos

O que esses casos têm em comum? Todos eles contam com alguns fatores-chave que apontam para o sucesso do projeto.

Partindo da metodologia proposta na ROAM, que divide as condições para que um projeto de restauração tenha sucesso em três frentes – motivação, facilitações e implementações – o estudo identificou quais são as principais condições que garantem a implementação das técnicas de regeneração natural assistida. Entre elas, estão:

  • O envolvimento da comunidade local;
  • O potencial para regeneração natural de cada paisagem;
  • O contexto fundiário onde está inserida;
  • A coordenação entre proprietários de terras e agentes públicos e privados.
  • O estabelecimento de um incentivo para o estabelecimento da intencionalidade em manter as áreas de regeneração natural;
  • A presença de ferramentas estabelecidas para proteção e monitoramento.

A partir desse levantamento e conhecimento dos fatores de sucesso, os próximos passos estão focados em criar formas e mobilizar recursos para que organizações locais e agências governamentais possam fazer o melhor planejamento do território, removendo barreiras e identificando áreas prioritárias para a regeneração natural assistida.

Assista ao evento de lançamento do estudo

Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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