Por Paula Manoela dos Santos, Andressa Ribeiro e Adriana Jakovcevic em WRI Brasil | Readequar os limites de velocidade veicular nas vias urbanas é uma das iniciativas destacadas pela ONU e a OMS para que países cumpram a meta de reduzir à metade as mortes e lesões graves no trânsito até 2030.
Porém, está difícil garantir que chegaremos a tempo nesse compromisso. Em parte, porque o caminho até lá está congestionado: habituados a altas velocidades, gestores, tomadores de decisão e população resistem em dar passagem às melhores práticas para salvar vidas no trânsito. Algumas dessas práticas geram críticas há anos, como a fiscalização. Poucas, no entanto, gozam da impopularidade da gestão e redução de velocidades.
Brincadeiras e trocadilhos à parte, é crucial que cidades abram caminho para a redução de velocidades – ou gestão de velocidades, mais correto, pois se trata de adequar a velocidade ao uso da via. A gestão de velocidade é pré-requisito para um sistema seguro de mobilidade, porque a velocidade é um fator de risco transversal, com influência na frequência e gravidade de sinistros e na efetividade de outras ações em prol da segurança viária. Mesmo quando um sinistro ocorre, ele tende a ser menos grave quanto menor a velocidade das partes envolvidas.
Mas a população, em especial condutores, costuma rechaçar iniciativas que reduzam a velocidade – talvez por não perceber os benefícios dessas práticas –, o que faz do tema um tabu, também, entre governantes e outros atores que deveriam zelar pela vida de toda a população.
A seguir, conheça cinco crenças comuns sobre a gestão de velocidades – e os motivos pelos quais essas crenças são, na verdade, mitos.
Não há comprovação sobre limites de velocidades mais baixos resultarem em maior quantidade de assaltos. Ao trafegar por qualquer via, há uma série de momentos de muito mais vulnerabilidade à ação de assaltantes. Uma situação bastante conhecida – e temida – por residentes de grandes cidades são os congestionamentos, especialmente em horários noturnos.
Se a redução de velocidades reduz o risco de colisões, é lógico que também reduza os congestionamentos decorrentes dos sinistros de trânsito. Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, por exemplo, mostraram que em 2015, após a redução dos limites de velocidade nas marginais, os índices de lentidão caíram 3% no período de pico da manhã, e de 21% no período da tarde. Uma empresa internacional de monitoramento de tráfego constatou que São Paulo teve uma melhora significativa entre as cidades com maiores atrasos nos tempos de viagem, saindo do 7º lugar em 2013 para o 58º em 2015.
A alteração de velocidade máxima tem pouco ou nenhum impacto no tempo de viagem das pessoas dentro da cidade. Durante os horários de pico de tráfego, a velocidade mais baixa pode inclusive contribuir para reduzir o tempo de viagem, já que o trânsito flui de forma mais homogênea, com menor risco de interrupções de fluxo por conta de sinistros de trânsito. Além disso, o tempo de viagem é influenciado por interrupções como semáforos, entradas e saídas de garagem, estacionamento na via e não somente pelo limite de velocidade.
O gráfico abaixo compara os impactos da redução de velocidades nos tempos de deslocamento e na redução potencial de sinistros.
Mesmo o melhor dos motoristas não pode mudar as leis da física. Quanto mais rápido uma pessoa dirige, maior a probabilidade de perder o controle do veículo e maiores são o tempo e a distância necessários para parar o carro em caso de necessidade – por exemplo, caso uma criança atravesse a rua inesperadamente. É mais difícil evitar um sinistro também, porque você tem menos tempo para responder ao imprevisto – e quanto mais rápido você for, mais severo ele será, o que pode levar a lesões mais graves e à morte.
A velocidade é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos principais fatores de risco de sinistros de trânsito. Contribui tanto para ocorrência do sinistro quanto para a gravidade, caso ele ocorra. Por conta disso, a OMS recomenda que a velocidade máxima de vias urbanas seja de 50 km/h. Mais de 100 países já́ adotaram essa recomendação e obtiveram melhorias significativas em segurança viária. No Brasil, no entanto, o Código de Trânsito ainda não está alinhado com essa boa prática.
A OMS recomenda ainda que a velocidade máxima não deve ser superior a 30 km/h em áreas residenciais ou com concentração de pessoas caminhando. Portanto, o problema da velocidade elevada nas cidades não é apenas uma questão de respeito às leis ou de bom comportamento dos condutores, está relacionado também com limites de velocidades adequados ao contexto da via. Obviamente, educação para o trânsito é muito importante. Mas mesmo nações com índices elevados de educação reconhecem a necessidade de uma abordagem integral e holística.
Na verdade, os radares de trânsito têm uma boa relação custo-benefício e são uma ferramenta eficaz para o gerenciamento de velocidade. Eles podem funcionar como uma fiscalização consistente, ajudando a dissuadir os infratores. Além disso, os recursos podem ser reinvestidos para tornar as vias do país mais seguras.
Um estudo recente do Banco Mundial (ver gráfico acima) mostra que câmeras de fiscalização eletrônica estão entre as medidas mais eficazes para reduzir mortos e feridos graves no trânsito, atrás apenas do estreitamento de faixas de tráfego – o que revela como medidas de desenho urbano podem ser tão ou mais poderosas do que medidas de fiscalização.
É um clichê muito verdadeiro sobre a mobilidade urbana dizer que “você não está preso no trânsito, você é o trânsito”. A responsabilidade por promover a mobilidade segura é de todos: de quem planeja, fiscaliza e utiliza o espaço viário e as leis de trânsito. A gestão de velocidades é, reconhecidamente, uma medida efetiva e econômica, que promove cidades mais humanas e seguras.
Este texto foi originalmente publicado pela WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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