Gentrificação climática é uma forma de injustiça causada por grupos sociais de alta renda
Gentrificação climática é o processo de expulsão de pessoas de média e baixa renda de seu local de moradia causada pelo processo de transformação adaptativo às mudanças climáticas usufruídas por pessoas pertencentes à classe média ou alta.
O que é o processo de gentrificação?
Imagine que bom seria um bairro pobre ser completamente reformado, reestruturado, passar a ter esgoto encanado e água tratada; cada vez mais opções de lazer e entretenimento e proximidade a serviços e produtos? Certamente os moradores locais passariam a usufruir desses benefícios, certo? Bem, na verdade, na prática, não é bem assim que funciona.
Você já reparou que em bairros mais estruturados – mais bonitos, arborizados, que possuem maior disponibilidade de produtos e serviços – o aluguel, os produtos e os serviços costumam ser mais caros do que em bairros sem infraestrutura, pouco organizados e com baixa oferta de produtos e serviços? Pois bem, isso tudo tem a ver com o processo de gentrificação.
Cunhado pela socióloga alemã Ruth Glass, o termo gentrificação, de forma geral, é definido como o processo de reconfiguração urbana, de maneira que esta acarrete na elitização socioespacial. Isso significa que a gentrificação ocorre como uma consequência de mudanças que são feitas nos aspectos de um determinado espaço, como composição, distribuição da força de trabalho, produção e consumo realizados ali.
A melhoria das cidades – tanto por parte do Estado quanto da iniciativa privada – faz com que as populações de baixa renda, que habitam a região, sejam expulsas de maneira direta ou indireta, para localidades mais degradadas do que a habitação original antes da reconfiguração. Essas regiões, muitas vezes, não têm serviços de água e esgoto, e são densamente povoadas. Assim, contam com poucas opções de serviços e produtos, apresentam condições de entretenimento precárias, são mal iluminadas e mal pavimentadas.
Alguns exemplos de melhorias incluem:
- demolição de locais mal construídos;
- reforma de prédios antigos;
- revitalização de patrimônios;
- arborização de praças;
- melhoria das ruas e do transporte;
- melhoria dos serviços e da oferta de mercadorias.
Qual é o objetivo da gentrificação?
As formas de expulsão são diversas e muitas vezes acontecem simultaneamente em centros urbanos. De maneira direta, as populações mais pobres são deslocadas por meio de demolições forçadas, incêndio em malocas, negociações ou por meio da justiça para que bairros sejam melhorados para a especulação imobiliária. Esta, por sua vez, é responsável por elevar o preço do aluguel e da compra de imóveis na região, sejam residenciais ou comerciais. Por exemplo: se um bar de esquina é vendido e dá lugar a uma rede de fast food, que começa a ser um negócio lucrativo para o novo dono, a tendência é que outros imóveis da região tenham o mesmo fim.
Há negociação e remuneração para os antigos moradores e comerciantes dos espaços urbanos. Mas se todas as pessoas que moravam ali acabam sendo obrigadas pela conjuntura a se mudarem, as melhorias pelas quais o bairro passa não são para elas, e sim para os que têm melhores condições financeiras. De maneira indireta, essas populações são erradicadas das áreas revitalizadas por não terem condições materiais para se manterem ali.
Gentrificação climática
Gentrificação climática, por sua vez, é a gentrificação (expulsão dos grupos de média e baixa renda) causada por melhorias que pautam o contexto das mudanças climáticas. A adaptação climática, que é algo imprescindível para a sobrevivência da humanidade, muitas vezes acaba não incluindo alguns aspectos sociais em suas considerações.
Cidades que passaram por reformas com o intuito de se adaptarem às mudanças climáticas acabam fazendo desta melhoria um instrumento de expulsão dos mais pobres – esse processo caracteriza a gentrificação climática. Cidades inteligentes que passam a incluir mais espaços verdes bem cuidados, certificação LEED, espaços para inclusão de bicicletas, tecnologias de energia renovável e, portanto, soluções “sustentáveis”, abrem espaço para especulação imobiliária, que, por sua vez, acaba expulsando indiretamente os mais pobres – pelo elevado custo de vida – ou diretamente, por meio de remoções e negociações.
Exemplos
Às vezes, nem são necessárias mudanças espaciais de origem antropocêntrica para ocorrer a gentrificação climática. Um exemplo neste sentido é o de Little Haiti, um bairro habitado por minorias, localizado no sul da Flórida, nos Estados Unidos. Por ocupar um terreno mais alto, o Little Haiti teve os preços de suas casas elevados de US$ 100 mil para US$ 229 mil depois dos anúncios de aumento do nível do mar. O que dificultou muito a vida da classe de baixa renda que não pôde se manter no local.
Projetos destinados a expandir estruturas verdes, que melhorem eficiência na utilização da energia, que reduzam o uso do transporte a combustível e que promovam jardins comunitários em bairros historicamente marginalizados, também acabam promovendo a gentrificação climática ao expulsar moradores de baixa renda – diretamente ou indiretamente.
Outro exemplo aconteceu em Nova Iorque, também nos Estados Unidos, onde uma linha férrea suspensa abandonada passou por revitalização e deu origem ao parque verde High Line, o que fez aumentar especulação imobiliária, causando a expulsão dos antigos moradores mais pobres.
Gentrificação na cidade de São Paulo
Na cidade de São Paulo, no Brasil, também há um exemplo que pauta o conceito de gentrificação climática: trata-se da transformação do elevado Presidente João Goulart (popularmente conhecido como “Minhocão”) em parque. Com menor circulação de carros, maior disponibilidade de áreas verdes (devido aos jardins verticais em empenas cegas de prédios) e espaços compartilhados, houve melhora na qualidade de vida para quem morava no local (idealmente).
O problema é que essa melhoria trouxe consigo o aumento da especulação imobiliária e dos preços de produtos e serviços, o que torna mais alto o custo de vida ali e, portanto, obriga os moradores com menor poder financeiro a se mudarem para locais de custo de vida mais baratos.
Nesse contexto, caberia o questionamento: como as cidades podem se adaptar à mudança climática sem excluir a dimensão socioambiental? Em outras palavras: como as cidades podem se adaptar à mudança climática incluindo os mais pobres? Como evitar a gentrificação climática?