Você pode não ver, mas os microplásticos estão por toda parte e não se sabe ainda o que podem causar
O plástico está presente nos celulares, roupas, computadores, embalagens de alimentos, potes de cosméticos, seringas médicas, equipamentos de engenharia, embalagens de remédios, sinalizadores de trânsito, enfeites, glitter… Essa lista poderia seguir por linhas e linhas. Mas o que as pessoas não imaginam é que há microplásticos no ar que respiramos, em alimentos como o sal ou a cerveja e até na água que bebemos: cerca de 83% da água de torneira do mundo está contaminada com microplásticos. Um estudo encontrou as pequenas partículas até na água engarrafada.
Da sola do sapato ao ar que respiramos, não há dúvidas, há plástico em todo canto. Ilhas se transformam em depósito de lixo plástico, assim como terrenos e calçadas. Em 2050, o oceano poderá conter mais peso em plásticos do que peixes. A dúvida é saber se estamos no Antropoceno (a Era da Humanidade) ou na Era do Plástico.
Mas também é verdade que os diversos tipos de plástico têm facilitado nossas vidas de muitas formas. Há prós e contras em relação à utilização desse material. Os contras estão relacionados a problemas de saúde gerados na produção, no contato com o plástico no dia a dia e nas perdas para o ambiente, incluindo o caso de descarte incorreto, que é uma das fontes de contaminação por microplástico nos lençóis freáticos, ar, solo, alimentos e água.
Você não vê, mas ele está lá
Imagem editada e redimensionada de Oregon State University, está disponível no Flickr e licenciada sob CC BY-SA 2.0
O perigo é que, quando o plástico se fragmenta em pequenos pedaços, formando os microplásticos, passa a ficar invisível a olho nu. Quando escapa para o ambiente, o microplástico atua como captador de poluentes orgânicos persistentes (POPs) altamente nocivos para a saúde das pessoas e dos animais. Dentre esses poluentes estão os PCBs, os pesticidas organoclorados, o DDE e o nonilfenol.
Esses POPs são tóxicos e estão diretamente ligados a disfunções hormonais, imunológicas, neurológicas e reprodutivas. Eles ficam durante muito tempo no ambiente e, uma vez ingeridos, têm a capacidade de se fixarem na gordura do corpo, no sangue e nos fluidos corporais de animais e humanos.
Cadeia Alimentar
Imagem: “The cycle of petroleum” por Ingrid Taylar, licenciada sob CC BY 2.0
Ingerir microplásticos contaminados não é muito difícil, isso porque desde o final da II Guerra Mundial eles estão contaminando o ambiente, e agora fazem parte da cadeia alimentar. Na Indonésia, trabalhadores da pesca estão consumindo mexilhões contaminados por microplásticos. Mas não é somente na Indonésia, no Reino Unido e na Austrália, os mexilhões também estão contaminados por microplásticos. Quem come frutos do mar regularmente ingere cerca de 11 mil pedaços de microplásticos por ano.
Bisfenóis
Os bisfenóis, utilizados em larga escala pela indústria, estão presentes em tintas, resinas, latas, embalagens e materiais de plástico em geral. Quando escapam para o ambiente, colados nos microplásticos, além da poluição visual (antes de ser tornarem microplásticos) e física que causam, geram poluição química. Uma vez no ambiente e no organismo, o bisfenol se comporta como um disruptor endócrino, podendo causar esterilização, problemas comportamentais e diminuição da população.
Risco para a vida animal
Quando os microplásticos contendo bisfenol vão parar no ambiente, podem causar reduções em populações de golfinhos, baleias, veados e furões. Eles também podem prejudicar o desenvolvimento de ovos de aves e gerar deformidades sexuais em répteis e peixes, além de alterações na metamorfose de anfíbios. Três pesquisas realizadas na Universidade Federal do Pará (UFPA) mostraram que 30% dos peixes amazônicos têm o intestino contaminado por microplásticos.
Os microplásticos representam uma verdadeira ameaça para as criaturas marinhas. Pesquisas revelaram que o plástico fragmentado enfraquece os músculos dos animais marinhos, prejudica a capacidade cognitiva dos caranguejos e altera a reprodução dos peixes.
Prejuízos à saúde humana
Os alimentos embalados por recipientes contendo bisfenol são contaminados por esse composto que está associado ao desenvolvimento de diabetes, Síndrome do Ovário Policístico, câncer, infertilidade, doenças cardíacas, fibromas uterinos, abortos, endometriose e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Uma pesquisa revelou que o intestino humano está repleto de microplásticos.
Como os microplásticos vão parar no ambiente?
Lavagem das roupas
Parte significativa das roupas é composta por fibras têxteis sintéticas de plástico – um exemplo é o poliéster. Durante a lavagem das roupas, por meio do choque mecânico, os microplásticos se desprendem e são enviados para o esgoto, indo parar em corpos hídricos e no ambiente. Se você achou isso um exagero, dê uma olhada neste estudo, que revelou que as lavagens de roupas de tecido sintético liberam microplásticos na água de descarte da máquina.
Cientistas de Hong Kong indicam que as secadoras de roupas são as maiores fontes de poluição de microfibras de plástico na atmosfera – apenas uma secadora é responsável pela liberação de 120 metros de microfibras no ar a cada ano. Nos testes feitos em laboratório, foi observado que tecidos orgânicos como o algodão também soltam microfibras, porém, esse material é biodegradável e pode ser digerido por animais, diferente do plástico.
A descoberta feita na Universidade da Cidade de Hong Kong é um passo para solucionar o problema das microfibras no ar. Porém, filtros de microplásticos já estão sendo produzidos e utilizados em diversas partes do mundo. Na Grã Bretanha, por exemplo, membros do congresso criaram um nova regulamentação para que todas as máquinas de lavar a partir de 2025 tenham um filtro de microplásticos embutido. A Austrália, União Europeia e a Califórnia também estão considerando a criação de uma regulamentação parecida.
Pesca fantasma
A pesca fantasma, também chamada de ghost fishing em inglês, é o que acontece quando os equipamentos desenvolvidos para capturar animais marinhos como redes de pesca, linhas e anzóis são abandonados, descartados ou esquecidos no mar. Esses objetos, na maioria da vezes feitos de plástico, colocam em risco toda a vida marinha, pois uma vez preso nesse tipo de engenhoca, o animal acaba ferido, mutilado e morto de forma lenta e dolorosa.
Sem lucrar nem alimentar ninguém, a pesca fantasma afeta cerca de 69.000 animais marinhos por dia no Brasil (dados de 2019). Para, no fim das contas, ser outra fonte de microplástico. Estima-se que 10% do plástico presente no oceano tem origem na pesca fantasma.
Ar
As fibras têxteis de plástico, como a poliamida, também vão parar no ar. Um estudo realizado em Paris, na França, estimou que a cada ano cerca de três a dez toneladas de fibras plásticas chegam nas superfícies das cidades. Uma das explicações é que o simples atrito de um membro do corpo com o outro, quando a pessoa está vestida com roupas de fibras têxteis sintéticas plásticas, já seria o suficiente para dispersar os microplásticos na atmosfera. Essa poeira de microplásticos pode ser inalada, juntar-se ao vapor e ir parar na sua xícara de café e no seu prato de comida, por exemplo.
Atrito dos pneus
Os pneus de carros, caminhões e outros veículos são feitos de um tipo de plástico chamado estireno butadieno. Ao passarem pelas ruas, o atrito desses pneus com o asfalto gera 20 gramas de resíduos microplásticos a cada 100 quilômetros percorridos. Para se ter uma ideia, na Noruega, é gerado um quilo de resíduos microplásticos de pneu por ano por pessoa.
Tintas látex e acrílicas
Uma reportagem investigativa mostrou que a tinta plástica utilizada em casas, carros e navios desprende-se destes por meio de intempéries e vai parar no oceano, formando uma camada de microplásticos na superfície do mar. A isto, podemos acrescentar as tintas látex e acrílicas utilizadas em artesanatos e os pincéis lavados nas pias.
Microesferas dos cosméticos e produtos de higiene
Imagem editada e redimensionada de Anastasiia Ostapovych, está disponível no Unsplash
Alguns sabonetes, cremes, pastas, géis e máscaras esfoliantes são um perigo para o ambiente. Esses produtos são feitos de microplásticos de polietileno que, após o uso, são despejados diretamente pela torneira na rede de esgoto. Mesmo quando há estações de tratamento, as microesferas de plástico dos cosméticos não são retidas pela filtragem de partículas, pois são muito pequenas, e acabam indo parar no oceano. A boa notícia é que esses produtos já foram banidos em países como a Inglaterra.
Nurdles
Nurdles são pequenas bolinhas plásticas utilizadas na manufatura de vários itens plásticos. Diferente dos resíduos plásticos que se degradam até se tornarem microplásticos, os nurdles já são feitos com um tamanho reduzido (cerca de 5 mm de diâmetro). Eles são a maneira mais econômica de transferir grandes quantidades de plástico para fabricantes de uso final do material em todo o mundo. O problema é que navios e trens despejam acidentalmente essas bolinhas em estradas ou no mar.
Às vezes, parte que sobra da produção não é tratada adequadamente. Se alguns milhares de nurdles caem no mar ou em uma rodovia, é praticamente impossível fazer a limpeza. Em uma pesquisa realizada no início de 2017, foram encontrados nurdles em 75% das praias do Reino Unido. Material semelhante aos nurdles são os pellets, feitos da mesma maneira mas em formato cilíndrico. Os pellets também vão parar no ambiente devido às perdas no transporte e contaminam corpos hídricos, solo e animais.
Descarte incorreto
Durante o ano, pelo menos oito milhões de toneladas de lixo de resíduos de plástico que foram descartados incorretamente (ou que escapam pelo vento) vão parar nos oceanos, lagos e rios do mundo todo. Esses descartes, se fossem encaminhados corretamente para a reciclagem, poderiam voltar para a cadeia energética. Mas, uma vez no oceano, se fragmentam em microplásticos e entram na cadeia alimentar, inclusive na dieta humana. Cada canudo, sacola, tampa, rótulo e embalagem descartados incorretamente se degradam e formam microplásticos. O plástico não desaparece, só fica menor.
Canudinhos
Diariamente, são descartados um bilhão de canudinhos. Só no Estados Unidos, são jogados fora meio milhão de canudinhos por dia (dados de 2018). Se utilizarmos de exemplo canudos de seis milímetros de diâmetro, o volume ocupado pelo total usado pelos brasileiros em um ano equivaleria a um cubo de 165 metros de aresta, 50 metros mais alto que o edifício Copan, em São Paulo. Estima-se que eles compõem cerca de 4% de todo o plástico encontrado no oceano. Quando vão parar no ambiente (mesmo quando descartados em aterros, podem ser levados pelo vento), antes de virarem microplásticos, acabam indo parar no organismo de animais, inclusive em narinas de tartarugas.
O que fazer?
- O primeiro passo é diminuir o consumo de plástico na medida do possível;
- Não consuma animais marinhos e contribua com iniciativas que retirem redes de pesca e outros plásticos do mar;
- Evite consumir alimentos armazenados em recipientes de plástico;
- Troque sua escova de dentes de plástico por uma de bambu;
- Tente usar absorventes de pano ou coletor menstrual no lugar do absorvente descartável;
- Se você é pai ou mãe, tente consumir fraldas biodegradáveis ou de pano;
- No lugar de tecidos de fibra sintética, procure utilizar algodão orgânico;
- Quando comprar alimentos, cosméticos e produtos em geral, prefira aqueles que venham em embalagens de vidro, papel ou sem embalagens, como xampus e sabonetes em barra;
- Reutilize! Pratique o upcycling, uma maneira de reinventar objetos;
- Seja um praticante de plogging, a corrida sustentável;
- Tome cuidado com a reutilização de garrafinhas d’água, veja o porquê na matéria: “Garrafa de água de plástico: perigos da reutilização” – utilize garrafas não descartáveis para transportar sua água;
- Zere o consumo de itens de plástico supérfluos, como canudinhos, glitter, copos descartáveis e sacolas;
- Pegue e dê carona. Cada carro a mais é sinônimo de mais microplásticos no ar e na água;
- Zere o consumo de cosméticos com esfoliantes sintéticos, substitua-os por receitas naturais, como a borra de café. Confira 6 receitas de esfoliantes caseiros;
- Repense seu consumo e o que você pode fazer para reduzir o plástico presente na sua vida;
- Dê prioridade aos plásticos biodegradáveis;
- Descarte corretamente e encaminhe para reciclagem;
- Conheça a New Plastics Economy, uma iniciativa que, aplicando os princípios da Economia Circular, reúne setores importantes do ramo do plástico para repensar e reformular o futuro, começando pelas embalagens;
- Pressione empresas e governos para que diminuam o uso do plástico, utilizem embalagens retornáveis e com design menos nocivo (como embalagens com tampa acoplada) e garantam o retorno do plástico utilizado à cadeia de produção. Afinal de contas, nem todo plástico reciclável destinado corretamente é reciclado.