Por Clea Schumer, Sophie Boehm,, Taryn Fransen, Karl Hausker e Carrie Dellesky em WRI Brasil — A cada fração de grau no aquecimento global, os impactos das mudanças climáticas se tornam mais intensos. No Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), 278 cientistas de 65 países mostram que, para que tenhamos a chance de manter ao alcance o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris, o mundo deve atingir o pico de emissões de gases do efeito estufa (GEE) dentro dos próximos três anos.
Na sequência de dois relatórios anteriores focados na ciência física das mudanças climáticas e seus impactos, o novo relatório do Grupo de Trabalho III tem como foco principal a mitigação – em outras palavras, a redução das emissões de GEE e a remoção do dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Analisando mais de 18 mil estudos publicados desde o lançamento Quinto Relatório de Avaliação, em 2014, os principais nomes da ciência climática do mundo identificaram caminhos para manter o aquecimento global em 1,5°C, entre outros limites de temperatura, além de avaliar a viabilidade, eficácia e os benefícios de diferentes estratégias de mitigação.
A seguir, confira as seis principais conclusões do relatório do IPCC sobre mitigação das mudanças climáticas:
Globalmente, as emissões de GEE aumentaram ao longo da última década, atingindo 59 gigatoneladas de CO2 equivalente (GtCO2e) em 2019 – cerca de 12% a mais do que em 2010 e 54% a mais que em 1990. Porém, nas trajetórias modeladas no estudo, compatíveis com a meta de 1,5°C do Acordo de Paris (com ou sem excedente), as emissões de GEE precisam parar de crescer em 2025 e depois cair 43% até 2030 (em relação aos níveis de 2019).
Embora haja alguns sinais de avanço – a taxa anual de aumento das emissões de GEE caiu de uma média de 2,1% entre 2000 e 2009 para 1,3% entre 2010 e 2019 –, os esforços globais para mitigar as mudanças climáticas continuam longe do necessário. Até o momento, 24 países conseguiram reduzir as emissões por mais de uma década.
Mesmo que os países atinjam as metas de seus compromissos climáticos nacionais mais recentes (NDCs), a diferença entre as emissões globais de GEE e o nível necessário para o limite de 1,5°C seria de seria de 19 a 26 GtCO2e em 2030. Isso é mais do que as emissões de 2018 de Estados Unidos e China somadas. Embora alguns países tenham anunciado NDCs novas ou aprimoradas desde o último prazo do IPCC, as promessas atuais não são ambiciosas o suficiente para preencher essa lacuna.
O IPCC mostra que, nas trajetórias que limitam o aquecimento a 1,5°C (com ou sem excedente), apenas 510 Gt líquidas de CO2 ainda poderiam ser emitidas antes de chegarem ao zero líquido por volta da metade do século (2050-2055). No entanto, as projeções das emissões futuras de CO2 provenientes da infraestrutura baseada em combustíveis fósseis já existente ou já planejada indicam que as emissões chegarão a 850 Gt – 340 Gt acima do limite.
Uma combinação de diferentes estratégias pode ajudar a evitar essas emissões projetadas. Entre elas, desativar infraestruturas existentes, cancelar novos empreendimentos, adaptar as usinas de energia ainda alimentadas por combustíveis fósseis com tecnologias de captura e armazenamento de carbono e fazer a transição para combustíveis de baixo carbono.
Embora Estados Unidos e Europa estejam começando a desativar as usinas a carvão, alguns bancos internacionais de desenvolvimento ainda estão investindo em novos empreendimentos do gênero. Não mudar de rumo resultará em trilhões de dólares em ativos ociosos.
As emissões de GEE aumentaram em todos os principais sistemas desde a última avaliação. O IPCC mostra que reverter essa tendência exige que os tomadores de decisão nos governos, na sociedade civil e no setor privado priorizem as seguintes ações, muitas das quais compensam o investimento ao longo do tempo ou custam menos de US$ 20 por tonelada de CO2e:
Se bem projetadas e implementadas de forma eficaz, muitas dessas estratégias de mitigação podem gerar cobenefícios essenciais para o desenvolvimento sustentável. A conservação de paisagens naturais, por exemplo, pode apoiar os meios de subsistência de famílias próximas, fortalecer a segurança alimentar e hídrica e proteger a biodiversidade. Mas nem todos os esforços de redução de emissões ou remoção de carbono resultarão em ganhos para a ação climática e o desenvolvimento. Se mal gerenciadas ou implementadas de forma inadequada, essas ações podem prejudicar a economia local, aumentar desigualdades já existentes e deslocar comunidades, entre outros efeitos não intencionais. O IPCC considera que a gestão dessas compensações, por meio de processos de tomada de decisão inclusivos, transparentes e participativos, pode cultivar a confiança social e reforçar o apoio da população à ação climática. Fazer isso pode ajudar a garantir que a transição para um futuro de emissões líquidas zero seja justa e equitativa.
Em todo o mundo, as famílias com renda no topo da pirâmide (os 10% mais ricos, o que inclui grande parte das famílias nos países desenvolvidos) são responsáveis por entre 36% e 45% do total de emissões de GEE. Enquanto isso, as famílias cuja renda se posiciona nos degraus inferiores (50%) respondem por apenas 13% a 15% das emissões. Conforme o relatório do IPCC, promover o acesso universal à energia moderna para as populações mais pobres em todo o mundo não teria um impacto significativo nas emissões globais.
Por outro lado, mudar os padrões de consumo, particularmente entre os mais ricos, poderia reduzir as emissões de GEE de 40% a 70% até 2050 em comparação às políticas climáticas atuais. Caminhar ou andar de bicicleta, evitar voos de longa distância, mudar para dietas baseadas em vegetais, evitar o desperdício de alimentos e usar energia de forma mais eficiente nas construções estão entre as medidas de mitigação mais eficazes no que diz respeito à demanda.
Políticas que tornem essas mudanças de comportamento e estilo de vida menos disruptivas podem facilitá-las e encorajá-las. Subsidiar tecnologias de baixa emissão e taxar as de alta (por exemplo, carros movidos a combustíveis fósseis) e estabelecer padrões que exijam maior eficiência energética, por exemplo. Mudanças de desenho nas infraestruturas – como realocar o espaço viário para outros usos, como calçadas ou ciclovias – pode ajudar as pessoas a fazerem escolhas de estilos de vida mais sustentáveis.
Da mesma forma, a maneira como as alternativas sustentáveis são apresentadas aos consumidores (um conceito conhecido como “arquitetura de escolha”) pode ajudar a direcionar as pessoas para bens e serviços de baixa emissão. Por exemplo, incluir pratos vegetarianos ao lado das opções de carne nos menus, em vez de criar seções vegetarianas separadas, pode contribuir para aumentar o consumo de refeições à base de plantas.
Considerando a quantidade de carbono que precisa ser removido em algumas das trajetórias compatíveis com o limite de 1,5°C, bem como a preocupação em relação à impermanência dos sumidouros naturais, o mundo provavelmente também precisará de tecnologias de remoção de carbono. Atualmente, essas inovações ainda são relativamente incipientes, o que implica uma série de riscos e desafios. Aumentar a produção de biomassa para a implantação de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês), por exemplo, pode deslocar áreas de cultivo e, com isso, ameaçar a segurança alimentar e estimular o desmatamento.
Desenvolver e implementar tecnologias de remoção de carbono de forma responsável, junto com abordagens naturais, requer uma melhor compreensão dos benefícios, custos e riscos específicos de cada tipo de inovação. A necessidade de mais financiamento para pesquisa, desenvolvimento e implementação é urgente.
[CDR GRAPHIC – se aprovado]
Segundo estimativas, o financiamento público e privado anual para mitigação e adaptação às mudanças climáticas passou de US$ 392 bilhões em 2014 para US$ 640 bilhões em 2020. Esses ganhos, no entanto, desaceleraram ao longo dos últimos anos e, para piorar a situação, o IPCC descobriu que o financiamento para combustíveis fósseis ainda supera o financiamento para ações climáticas.
Esse desalinhamento do capital global resultou em um déficit substancial entre os níveis atuais de financiamento climático e o que é necessário para mitigar as mudanças climáticas – que continuam afetando todas as regiões e setores. Essa lacuna é ainda maior nos países em desenvolvimento, em particular naqueles que já enfrentam dívidas, classificações de crédito baixas e os encargos econômicos impostos pela pandemia de Covid-19. A tendência dos investidores de direcionar parcelas maiores de capital para seus próprios países, bem como a subvalorização sistêmica dos riscos climáticos, são ainda outros desafios para a expansão do financiamento privado nessas nações.
Os investimentos em mitigação precisam aumentar pelo menos cinco vezes no sudeste asiático e nos países em desenvolvimento do Pacífico, sete vezes na África e 12 vezes no Oriente Médio até 2030 para manter o aquecimento global abaixo de 2°C. Entre todos os setores, esse déficit é mais acentuado na agricultura, florestas e outros usos do solo, nos quais os fluxos financeiros recentes estão de 10 a 29 vezes abaixo do necessário para atingir as metas do Acordo de Paris.
Sinais políticos claros por parte da comunidade internacional e dos governos – como aumentar os subsídios para mitigação, precificar as emissões de carbono, eliminar gradualmente o financiamento público para combustíveis fósseis e adotar regulamentações robustas que tornem obrigatória a transição para modelos de baixo carbono — podem contribuir para criar o ambiente seguro de que o setor privado precisa para ampliar os investimentos em mitigação. Mecanismos de financiamento inovadores que permitem que empresas e governos compartilhem os riscos também podem ajudar a mobilizar mais financiamento privado. E expandir o financiamento climático público, em particular nos países de baixa renda, pode gerar retornos significativos a custos relativamente baixos.
Como deixa claro este último relatório do IPCC, manter o aumento da temperatura global em 1,5°C ainda é possível, mas apenas se agirmos imediatamente. O mundo precisa atingir o pico das emissões de GEE até 2025, reduzir essas emissões quase pela metade até 2030, atingir o zero líquido até meados do século e, ao mesmo tempo, assegurar uma transição justa e equitativa. Com riscos crescentes de secas, inundações, incêndios florestais e outros efeitos catastróficos das mudanças climáticas, esses são prazos que não podemos deixar passar.
*Publicado com base no Sumário Técnico e nos capítulos básicos.
Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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