Na Reserva da Biosfera Maia, comunidades indígenas protegem e fazem o manejo sustentável de cerca de 450 mil hectares de ecossistemas florestais
Por René Zamora-Cristales, Maggie Gonzalez, Victoria Rachmaninoff, Will Anderson e Maria Franco Chuaire em WRI Brasil – As densas florestas da Guatemala parecem não ter fim. O nome do país, afinal, significa “lugar de muitas árvores” na língua Nahuatl. As florestas cobrem 33% do território, e a Guatemala é o lar da famosa Reserva da Biosfera Maia, onde comunidades indígenas protegem e fazem o manejo sustentável de cerca de 450 mil hectares de ecossistemas florestais.
Mas, do lado de fora dessas áreas protegidas, a floresta sofre. O solo fértil e os recursos naturais, além da expansão da agricultura, atraíram milhões de pessoas em busca de uma vida melhor, o que contribui para o esgotamento do solo e a derrubada de mais de 18 mil hectares de florestas todos os anos.
Mesmo assim, os produtores veem diminuir cada vez mais o rendimento de culturas básicas, como milho, que cultivam para se alimentar e vender nos mercados – 47% da população atualmente sofre de desnutrição crônica.
Mártir Gabriel Vásquez Us fez da proteção e restauração das árvores da Guatemala sua missão na vida. Como vice-gerente do Instituto Nacional de Florestas (INAB, na sigla em espanhol) do país, ele e seus colegas formuladores de políticas ajudam proprietários de terra locais e comunidades indígenas a melhorar suas fontes de renda e segurança alimentar, proteger espécies raras de plantas e animais e a armazenar carbono.
Como? Pagando as pessoas para plantar e manter milhões de árvores em áreas danificadas ou em risco.
Pagar as pessoas para cultivar árvores parece simples, mas o programa PROBOSQUE, do governo da Guatemala, é um mecanismo sofisticado para recompensar produtores e moradores da floresta por serviços ecossistêmicos – como a qualidade da água e do solo – que sustentam a economia do país e os meios de subsistência nas áreas rurais.
Vásquez e seus colegas sabem que pobreza pode ser um empecilho para que os produtores rurais tomem decisões a respeito do uso da terra que beneficiem o meio ambiente. O PROBOSQUE oferece um incentivo, pagando US$ 2,45 por árvore para reflorestar a terra e US$ 1,92 por árvore cultivada no entorno e dentro de suas fazendas em sistemas agroflorestais. Os produtores também são incentivados a proteger as árvores remanescentes em suas terras; para cada hectare de floresta conservado, o governo paga cerca de US$ 900.
“Os incentivos do PROBOSQUE são mais do que hectares de terra restaurados. Trata-se também de desenvolvimento e recuperação econômica. E podem contribuir diretamente para melhorar a vida das pessoas que vivem nas áreas rurais da Guatemala.” – Mártir Gabriel Vásquez Us, vice-gerente do Instituto Nacional de Florestas da Guatemala
As políticas públicas tiveram um grande impacto em mais de 3% do território do país: desde 1997, o governo relata que os proprietários começaram a restauração de mais de 135 mil hectares. Também já foram conservados 200 mil hectares, enquanto em outros 4 mil foi realizado o manejo sustentável de florestas naturais.
Décadas de experiência em incentivar as pessoas a restaurarem suas terras
A Guatemala não está sozinha na missão de usar recursos públicos na restauração. Um estudo do WRI avaliou as políticas de seis países na América Latina – Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, México e Peru – que ajudam proprietários a proteger e restaurar árvores em suas terras.
Para entender melhor como funcionam essas políticas inovadoras, os autores calcularam o total recebido por um proprietário para cada árvore cultivada (ou a cada hectare de floresta protegida) dentro de cada programa.
Essa análise, pioneira e prática, permite que os formuladores de políticas comparem o custo total de cada programa nos países, que varia de US$ 0,48 a US$ 2,45 por árvore para reflorestamento, de US$ 0,70 a US$ 1,92 por árvore para agrofloresta e de US$ 44 a US$ 906 por hectare para conservação.
Uma vez que os programas fornecem pagamentos consistentes durante cinco a dez anos, são um incentivo para que os proprietários plantem e mantenham as árvores, concentrando os gastos do governo nos anos mais vulneráveis da juventude das árvores. Quando as árvores estão maduras o suficiente para sobreviver sem trabalho extra dos proprietários, os pagamentos são interrompidos e os programas podem redirecionar o financiamento para ajudar outros produtores.
Rumo a incentivos de restauração mais fortes
A equipe do INAB sabia que o programa estava ajudando as pessoas, mas também sabia que poderia levantar recursos governamentais com mais eficiência. Quando o WRI e a aliança regional de restauração da Iniciativa 20×20 convidaram a Guatemala para se juntar ao Restoration Policy Accelerator (Acelerador de Políticas da Restauração) – um programa de aprendizagem entre pares para formuladores de políticas que buscam criar incentivos públicos robustos e equitativos para a restauração – eles aproveitaram a oportunidade.
Desde 2020, o INAB tem aprendido a partir de experiências de outros formuladores de políticas do Brasil, Chile, Costa Rica, México e Peru, além de poder compartilhar suas próprias conquistas e desafios. Ao mesmo tempo, consultores técnicos apresentaram os conhecimentos e informações mais recentes da comunidade global envolvida com a restauração, desde maneiras de construir programas mais justos e inclusivos para mulheres e povos indígenas até como entender melhor o complicado e crescente mercado global de carbono.
Como os governos podem recompensar produtores por esforços de conservação de terras e florestas
Depois de estudar o funcionamento interno de dezenas de políticas e conhecer os responsáveis por sua criação e implementação, o WRI identificou sete recomendações que podem ajudar líderes de governos em todo o mundo a criar incentivos públicos mais fortes e justos para a restauração.
1. Priorizar as áreas que podem ser mais beneficiadas pela restauração
Para maximizar o impacto, os formuladores de políticas devem priorizar técnicas de restauração que gerem os maiores benefícios para o desenvolvimento rural, a biodiversidade, o clima e diversos serviços ecossistêmicos. Por exemplo, incentivos que estimulam os proprietários de terra a cultivar árvores nativas junto a suas culturas comerciais podem melhorar a biodiversidade, sequestrar carbono e aumentar a renda dos produtores – garantindo que as árvores permaneçam de pé em longo prazo.
É importante observar que cada decisão sobre o uso da terra prioriza determinados benefícios em detrimento de outros. Embora a agrofloresta possa ser uma boa decisão para um produtor de cacau que deseja aumentar seus rendimentos, podem não ajudar um produtor de milho ou feijão cujas plantações não sejam capazes de sobreviver na sombra.
2. Melhorar o monitoramento e a transparência
Atualmente, a única informação divulgada pela maioria dos governos é o número de hectares registrados em cada programa, mas esse número diz pouco a respeito de impactos econômicos e ecológicos. Sistemas de monitoramento independentes e precisos – que combinem dados de satélite de alta qualidade, dados de satélite de baixo custo e informações coletadas em campo – podem mostrar aos tomadores de decisão de alto nível do setor público que investir em restauração compensa os custos iniciais. Os formuladores de políticas podem usar esses dados para identificar áreas que precisam de melhorias e também aumentar sua proeminência no cenário internacional.
3. Criar valor econômico para a sustentabilidade de longo prazo
A restauração não vai funcionar a menos que continue beneficiando os proprietários mesmo depois que o último pagamento sair do banco. Criar cadeias de valor sustentáveis e lucrativas para produtos cultivados em terras recém-restauradas, como cacau e frutas nativas, pode fornecer uma nova fonte de renda para os produtores. À medida que mais países começarem a entrar no mercado de carbono global, os governos podem oferecer receitas adicionais aos produtores, em especial quando as árvores são jovens e ainda não estão aptas a gerar frutos ou outros produtos.
Cadeias de valor sustentáveis podem proteger os ecossistemas naturais que os incentivos públicos estão ajudando a reconstruir, mesmo se os programas expirarem ou encerrarem. Esse também é um aspecto importante para investidores privados: se seus projetos puderem aproveitar incentivos públicos para cobrir parte dos custos iniciais, a restauração se torna menos um investimento de risco e passa a ser uma oportunidade econômica mais atrativa.
4. Facilitar para que todos os proprietários recebam pagamentos
Os proprietários precisam de fácil acesso a programas de incentivo. Ao eliminar a burocracia e requisitos de elegibilidade onerosos, os governos podem alcançar mais pessoas e ajudá-las a restaurarem mais áreas. Os programas precisam de esforços de comunicação abrangentes e consistentes, com ênfase em atender principalmente mulheres e comunidades indígenas que outros programas já negligenciaram no passado.
5. Enfatizar a importância de árvores nativas na restauração
Os programas de incentivos governamentais devem recompensar proprietários que usarem um conjunto diversificado de espécies de árvores nativas na restauração a fim de potencializar a biodiversidade, o armazenamento de carbono e a resiliência climática em longo prazo. Devem aliar as ferramentas e pesquisas mais recentes ao conhecimento local para ajudar os proprietários a cultivarem as espécies certas nas áreas certas. E devem usar esforços internos de pesquisa e desenvolvimento para ajudar as árvores nativas a crescerem melhor e mais rápido, tornando-as mais competitivas em relação às espécies exóticas de alto valor e crescimento rápido que muitos agricultores preferem.
6. Atrelar programas e leis e instituições robustas
Muitos programas nacionais, como o Sembrando Vida, do México, são originalmente criados por meio de ordens executivas do gabinete do chefe de Estado. Isso significa que, se o defensor de um programa deixar o cargo, não há garantia de que o programa será mantido para além da administração atual. Formuladores de políticas e legisladores devem trabalhar em conjunto para transformar programas impactantes em leis nacionais ou locais, a fim de garantir sua sustentabilidade.
7. Alinhar os setores agrícola, florestal e financeiro
Os governos com frequência possuem dezenas de incentivos públicos que apoiam a agricultura, as florestas e a biodiversidade. Quando as políticas entram em conflito, esses programas podem anular uns os outros.
Por exemplo, um programa que paga aos produtores pela expansão da produção de cacau, sem nenhuma garantia, pode estimular os proprietários a derrubar florestas naturais a fim de ampliar a área de terra para o cultivo. Essa meta pode ir diretamente contra um compromisso do governo de interromper o desmatamento e restaurar as florestas naturais.
Ministérios da Fazenda, Agricultura, Planejamento, Desenvolvimento Econômico e do Meio Ambiente precisam trabalhar em conjunto para alinhar suas políticas públicas e criar programas que produzam alimentos e commodities de forma sustentável.
Pequenos ajustes nas políticas de restauração trazem grandes recompensas
Destacamos essas recomendações gerais para os formuladores de políticas, mas como funciona, na prática, o complexo processo de implementação dessas reformas?
Em 2020, o INAB tinha o objetivo aumentar o número de proprietários de terras no país com acesso aos pagamentos do PROBOSQUE, mas não sabia como fazer isso. Trabalhando em parceria com o WRI, Vásquez e a equipe identificaram que o sistema de monitoramento utilizado pelo programa era um obstáculo.
Para verificar se os incentivos públicos estavam de fato aumentando a cobertura arbórea, a equipe do INAB precisava visitar comunidades remotas e avaliar pessoalmente os avanços de cada proprietário. Como as visitas de campo levam tempo, a equipe só conseguia atingir 10 mil novos beneficiários por ano.
Ao adotar as técnicas de monitoramento via satélite mais recentes, que mostram, em alta resolução, a localização das árvores tanto dentro quanto fora das florestas densas, o INAB conseguiu diminuir o número de visitas de campo necessárias anualmente. A mudança deixou a equipe com mais tempo para convidar novos proprietários a se juntarem ao programa – e ajudou a somar 10 mil novos hectares por ano às áreas em restauração, de acordo com nossas estimativas.
Casos como o da Guatemala e de outras partes da América Latina têm muito a ensinar ao mundo à medida que avançamos na Década da ONU da Restauração de Ecossistemas: subsídios públicos podem ajudar a preencher a profunda lacuna na restauração e a recompensar os proprietários por seu papel de guardiões de ecossistemas.
Ao demonstrar que pagar pela restauração de terras pode trazer resultados ambientais positivos, os governos podem convencer investidores privados de que cada dólar gasto pode ter um impacto enorme nas pessoas e no planeta.
Mais do que isso, esses exemplos mostram que o complexo processo das reformas políticas não é impossível – e que mais pessoas podem ser beneficiadas pela restauração de paisagens quando os formuladores de políticas trabalham de forma colaborativa para encontrar soluções.
O Restoration Policy Accelerator (Acelerador de Políticas de Restauração) está se espalhando pela África e pela Índia. Receba as últimas atualizações diretamente na sua caixa de entrada cadastrando-se aqui.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.