Por Whitney Light, Scott Francisco e Sadof Alexander, da WRI Brasil | O espaço ocupado pelas construções nas cidades tem crescido rapidamente. Em todo o mundo, a área ocupada pelo piso de edifícios pode dobrar até 2060. Construir e manter a infraestrutura urbana exige quantidades significativas de energia e recursos materiais. Dessa forma, a maneira como as cidades constroem – e com quais materiais – exerce um impacto sobre até que ponto as metas de sustentabilidade são atingíveis ou mesmo realistas. As cidades precisam se certificar de que estão usando materiais de baixo impacto para o planeta e que possam ser renovados. Esse cenário aponta uma oportunidade para a madeira.
Se colhida de maneira adequada, a madeira pode apoiar economias, comunidades, políticas e tecnologias que ajudam a manter as florestas intactas e reduzir a pressão para converter as áreas florestais em outros usos de terra. Essas práticas podem até mesmo ajudar a proteger as florestas mais valiosas e biodiversas do planeta. No entanto, para usufruir os benefícios de construir com madeira, sua produção, distribuição, compra e uso precisam ser ecologicamente corretos.
Algumas cidades adotaram a madeira de produção local, regional e recuperada para reduzir resíduos, aumentar a transparência e promover uma economia circular. Embora esses esforços sejam um bom começo, não são suficientes. Iniciativas locais de pequena escala dificilmente fazem diferença nas enormes quantidades de madeira nova e de origens não locais que as cidades consomem em todo o mundo. A União Europeia e o Reino Unido, por exemplo, importaram mais de 1 milhão de toneladas de produtos de madeira tropical primária em 2020. Os ipês amazônicos acabam nos bancos de parques em Montreal; a cicuta canadense torna-se molduras de madeira em Pequim.
É essencial que as cidades entendam os impactos que as diferentes fontes de fornecimento de madeira podem ter na vida das pessoas, no meio ambiente e no clima. Para isso, é necessário um sistema qualitativo holístico e integrado capaz de garantir que a madeira seja usada para apoiar a prosperidade ambiental.
Uma nova plataforma digital, o Guia de Madeira Sustentável para Cidades, do Cities4Forests, é um passo importante nessa direção. O guia é resultado de anos de colaboração entre especialistas de compras públicas, planejadores urbanos, silvicultores, gerentes de projetos, ecologistas e conservacionistas. O material apresenta uma série de estratégias específicas de fornecimento que podem ajudar a proteger e conservar florestas, apoiar o manejo sustentável de áreas florestais, promover a produção local e o reúso e construir resiliência nos espaços urbanos. Juntas, essas possibilidades podem criar uma base comum para comparar os impactos de diferentes estratégias e, assim, promover a aquisição de madeira de uma forma positiva tanto para as cidades quanto para as florestas ao redor do mundo.
1. Certificação florestal
Florestas certificadas são florestas que foram auditadas por uma terceira parte em relação ao cumprimento de padrões de manejo sustentável reconhecidos internacionalmente. Seus produtos são rastreáveis ao longo da cadeia de abastecimento por meio de uma cadeia de responsabilidade. A madeira certificada pelo Conselho de Gestão Florestal (FSC, na sigla em inglês) ou pelo Programa de Fiscalização da Certificação Florestal (PEFC, também na sigla em inglês), por exemplo, busca dar aos compradores a garantia de que o produto é legal e sustentável, de uma forma que possa ser comunicada publicamente.
2. Silvicultura social
Na silvicultura social, a aquisição de madeira e outros produtos sustentam empreendimentos comunitários de manejo florestal e meios de subsistência locais que dependem do manejo florestal de longo prazo. Em muitos casos, a silvicultura social apoia comunidades indígenas em seu trabalho como principais defensores das florestas do mundo. As florestas administradas de forma comunitária que fornecem madeira de alto valor para as cidades por meio do programa Partner Forest, do Cities4Forests, são um exemplo de silvicultura social.
3. Seleção de espécies e tipos de madeira
A dependência excessiva de algumas espécies de madeira de alta demanda, como o ipê ou o cedro vermelho ocidental, gera resíduos desnecessários e degradação florestal. Isso faz com que florestas diversificadas e bem manejadas sejam desvalorizadas, além de negligenciar espécies úteis enquanto outras são extraídas rápido demais. A escolha de espécies e tipos de madeira de forma intencional pode reduzir muito a pressão sobre as florestas e atender a uma demanda crescente. A Tri-Lox, fabricante de produtos de madeira com sede no Brooklyn (Estados Unidos), trabalha com espécies menos conhecidas de florestas regionais e com árvores urbanas removidas que, de outra forma, acabariam em trituradores ou aterros sanitários.
4. Localização estratégica
“Localização estratégica” implica buscar o fornecimento de madeira em jurisdições que atuem por resultados de sustentabilidade específicos, como a fiscalização das leis contra extração ilegal de madeira ou a proteção de ecossistemas e espécies ameaçados. Organizações e iniciativas como Preferred by Nature, Forest Legality Initiative e Forest Trends oferecem informações atualizadas para ajudar a avaliar o mérito e os riscos associados a cada jurisdição. A aquisição de madeira em locais estratégicos pode recompensar as boas práticas de manejo florestal adotadas na região.
Claro, mesmo as jurisdições consideradas de alto risco podem incluir atores que agem de forma positiva para as florestas, seguindo boas práticas, e que podem ser identificados por outras vias, como a silvicultura social e a certificação florestal.
5. Madeira local e urbana
As cidades cortam e plantam árvores de forma rotineira ao longo de todo o ano. Usar essas árvores como fonte de madeira pode evitar que sejam enviadas para aterros ou trituradores. Como resultado, essas cidades podem armazenar carbono, gerar novos empregos e retornar à economia produtos úteis e valorizados pela comunidade. A Urban Wood Network reúne diversas organizações que trabalham em parceria com as cidades para salvar e valorizar a madeira das árvores removidas.
6. Reúso e vida útil mais longa
A madeira armazena carbono durante todo o tempo que permanecer intacta e, depois de um uso inicial, pode ser reaproveitada de outras formas, amenizando a necessidade por materiais virgens e abrindo oportunidades para uma economia local e circular. É possível aproveitar e ampliar esses benefícios por meio de projetos que utilizem madeira recuperada para eventuais desmontagens ou reúso, em vez de enviar madeira de boa qualidade para os aterros. Brick & Board (Baltimore, Estados Unidos), Unbuilders (Vancouver, Canadá), Good Wood e Cambium Carbon (Portland, Estados Unidos), entre muitas outras empresas, demonstram as diversas possibilidades criativas dessa abordagem.
7. Produção de alta eficiência
As ferramentas e processos disponíveis para transformar as árvores em componentes de construções variam em termos de custo, velocidade, conveniência, eficiência, desperdício de madeira e emissões de carbono. A produção de alta eficiência reduz as emissões associadas ao desperdício de madeira e energia em todas as etapas dos processos de colheita e fabricação. Um forno solar, por exemplo, pode reduzir drasticamente a quantidade de energia necessária para secar a madeira verde, enquanto os novos processos de laminação, ao recuperar a fibra de toda a árvore, diminuem o desperdício de madeira e a pressão sobre as florestas.
8. Contabilidade de carbono líquido e análise do ciclo de vida
Realizar uma Avaliação de Ciclo de Vida implica utilizar uma abordagem abrangente para calcular o perfil de carbono líquido de um pacote de madeira, contabilizando as práticas florestais adotadas e todos os processos de produção, transporte e fabricação. Essa análise pode ser essencial para descobrir impactos não previstos ou não intuitivos. Para que possamos progredir globalmente no combate às mudanças climáticas, as cidades precisam investir de forma contínua nesses processos e refinar sua precisão e relevância sistêmica. Existem diversas ferramentas que podem ajudar no começo desse trabalho, como a Calculadora de Carbono Incorporado na Construção.
Muitas cidades já estão colocando algumas dessas soluções em prática, mas três delas se destacam por adotar uma abordagem abrangente no manejo da madeira que pode ter impactos positivos duradouros e de longo alcance.
O programa de recuperação de árvores urbanas de Montreal, no Canadá, talvez seja o maior do mundo. Em 2019, a cidade cortou 18 mil de um milhão de freixos que possuía devido a infestações de caruncho, uma espécie de inseto invasora. Embora muitas dessas árvores tenham sido trituradas ou enviadas para aterros para decomposição, cerca de 2 mil toneladas foram transformadas em madeira, polpa e papel. O empreendimento social “Centro de valorização da madeira urbana” (CVBU, na sigla em francês) enviou cerca de 100 caminhões para recolher os troncos e entregá-los a usinas, projetistas e fabricantes. Em torno de 200 mil pés de tábuas (unidade de medida) – o dobro da quantidade que cobre o Brooklyn Bridge Promenade – tornaram-se cadeiras, mesas, pisos, tobogãs e pranchas de patinação, evitando que madeira de boa qualidade acabasse triturada, apoiando a indústria local e conscientizando a população sobre o valor da arborização urbana.
A Prefeitura de Portland (Oregon, Estados Unidos) deu início a um projeto piloto que incorpora a madeira aos objetivos econômicos e sociais da cidade. Trabalhando em parceria com a Sustainable Northwest, uma consultora ambiental local, a prefeitura tem usado a plataforma Madeira Sustentável para Cidades para testar análises. Com isso, é possível embasar os contratos de compra de madeira para obras urbanas, como a construção de novas infraestruturas em parques e empreendimentos de habitação social. Ao mesmo tempo, o projeto explora como a narrativa em torno da madeira pode ajudar na busca dos objetivos almejados pela cidade.
“Perguntamos às equipes envolvidas que valores e histórias desejam transmitir por meio das decisões associadas à madeira”, relata Stacy Foreman, gerente do Programa de Compras Sustentáveis. “Por exemplo, você gostaria de contar uma história sobre o uso da madeira urbana? Porque talvez algumas árvores tenham sido cortadas no local do projeto e poderiam ser reutilizadas”. De forma semelhante, outras equipes podem querer que seus projetos utilizem madeira de origem local ou regional, o que poderia alavancar o trabalho de silvicultura realizado por comunidades indígenas e os empreendimentos de recuperação de madeira administrados por outras minorias. Portland já possui políticas para garantir a diversidade nos contratos de construção do município, e essa abordagem pode estender esses esforços aos suprimentos de construção.
A cidade de Vancouver (British Columbia, Canadá) tem usado as soluções de madeira certificada, contabilidade de carbono líquido e localização estratégica para atender sua necessidade de crescimento. A cidade enfrenta uma crise habitacional, mas também se comprometeu a reduzir o carbono incorporado nas construções em 40% até 2030. De acordo com o engenheiro de construção verde da cidade, Patrick Enright, trata-se de uma oportunidade para construir com baixo carbono. Os próximos estatutos, moldados pela iniciativa Madeira Sustentável para Cidades, incluirão gradualmente requisitos para o fornecimento de madeira a partir de fontes certificadas ou de florestas administradas por comunidades indígenas. É importante ressaltar que a maioria das florestas comerciais da província estará qualificada para uso, o que permitirá que Vancouver se torne um mercado regional importante para a madeira de alto valor.
Um traço comum emerge desses exemplos: as cidades dependem de prioridades, valores e atores locais para adotar práticas de compras sustentáveis para a madeira. Mas os impactos positivos podem ser muito maiores se tais práticas forem adotadas em larga escala. O mundo, em rápido processo de urbanização, enfrenta desafios ambientais sem precedentes, e as indústrias de construção das quais o crescimento depende precisam de materiais comercializados globalmente. Nesse cenário, é difícil superestimar a importância de fazer um uso mais sustentável das florestas, independentemente de sua proximidade com as áreas urbanas. As cidades têm nas mãos a oportunidade de conquistar uma vitória tripla – para o clima, para o ambiente urbano e para as florestas em todo o mundo. Precisam, agora, usar as soluções ao seu alcance para aproveitar essa oportunidade.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais