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Restaurar ecossistemas exige capacitação técnica e difusão de conhecimento para o aumento expressivo da escala e a garantia da qualidade dos ambientes reconstruídos

Por Sergio Adeodato, da Página 22 | Após duas décadas de avanços significativos na ciência da restauração de florestas e demais ecossistemas no País, o desafio atual da geração de conhecimento repousa em fazê-lo chegar a quem precisa no campo. O cenário requer a difusão de know how para engajamento de produtores rurais, coletivos locais e assistência técnica no domínio de práticas capazes de superar gargalos e aumentar a escala de repor árvores, diante das demandas da regularização ambiental, mudança climática e uso das áreas recuperadas como fonte de emprego e renda.

Dos melhores métodos para viabilizar custos da atividade à busca por indicadores sobre o funcionamento ecológico das novas florestas, os caminhos da ciência marcaram o debate no webinar “Como Dar Escala à Restauração de Ecossistemas – o Papel da Capacitação Técnica”, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), The Nature Conservancy (TNC) e Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (Sobre), em parceria com a Página22.

“Devemos quebrar barreiras que isolam o conhecimento; se não tivermos a capacidade de entender as expectativas e prioridades do usuário da terra, será difícil avançar na escala”, aponta Luiz Moraes, pesquisador da Embrapa Agrobiologia, durante o webinário. Foi o último de uma série de três encontros virtuais que debateram os pilares da Década da Restauração de Ecossistemas, lançada pelas Nações Unidas com o propósito de prevenir, interromper e reverter a degradação dos ambientes naturais em todos os continentes até 2030.

Além dos eixos de políticas públicas e participação social, na vertente da capacitação busca-se identificar oportunidades de investimento em ciência e tecnologia, assegurar o acesso regional ao conhecimento e formar profissionais – objetivos que têm mobilizado cientistas em novas linhas de pesquisa.

Como membro da Society for Ecological Restoration (SER), Moraes contribui com a força-tarefa de boas práticas, liderada pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), como suporte técnico à Década da Restauração. A iniciativa global trabalha um documento definindo padrões para a restauração ecológica, um processo colaborativo para o desenvolvimento de capacidades que reúne cerca de 200 pesquisadores de 95 organizações.

“A questão básica é definir, a partir das experiências próprias de cada um, quais as prioridades de geração de conhecimento e habilidades para se alcançar as metas globais da restauração de ecossistemas”, afirma Moraes. “Não podemos levar pacotes pré-concebidos de cima para baixo, mas sim considerar as realidades e objetivos locais.”

Com base em 1,3 mil respostas a um questionário em sete idiomas, o grupo identificou lacunas na evolução técnica, com destaque para a necessidade de indicadores de referência e disseminação de ações baseadas na ciência.

Clima puxa a agenda

A academia avançou muito em modelos voltados à identificação de espécies importantes para acelerar a recuperação das áreas e garantir o êxito da estrutura de vegetação, mas há novas lacunas que chamam a atenção dos pesquisadores. Uma delas está no entendimento sobre as interações do solo envolvendo a decomposição orgânica da floresta, com reflexos para o sucesso na captura de carbono, em cenário de mitigação climática. Moraes adverte: “Qualquer falha ou instabilidade nesse processo de ciclagem de nutrientes pode implicar em emissão e não na captura de gases-estufa”.

Na visão do engenheiro agrônomo, é necessário compreender de que forma o crescimento de vegetação se traduz na redução de emissões, com potencial de ganhos no mercado de carbono. Por outro lado, diante dos impactos já em curso da mudança climática, “há o desafio de conferir resiliência aos ecossistemas que estamos reconstruindo”, diz o pesquisador, à frente de pesquisas sobre a dinâmica de carbono no solo em plantios antigos de árvores, com mais de 20 anos.

Entender como essas novas condições de clima afetam os modelos de restauração florestal já consolidados e exitosos, inclusive para a oferta de água, é fronteira da ciência neste campo do conhecimento. “Queremos avaliar como algumas espécies com determinadas características funcionais na floresta ajudam as demais na resposta a restrições ambientais, como as condições adversas de clima”, explica Moraes, com estudos em 15 plantios de estágio inicial no Rio de Janeiro para a caracterização das espécies vegetais de melhor desempenho nesta tarefa.

“É preciso investir em estudos e ações de longo prazo”, completa o pesquisador, ao reforçar a importância do monitoramento das áreas restauradas: “O que vai contribuir com o avanço do conhecimento é o tempo”.

No entanto, é crescente o senso de urgência para a restauração de ecossistemas, em especial no Brasil, diante da degradação e desmatamento em todos os biomas, atingindo inclusive áreas em processo de regeneração. Segundo dados do MapBiomas, um terço da floresta que retorna está sendo cortada.

Na visão de Matheus Couto, oficial de programas do Centro de Monitoramento da Conservação Mundial do Pnuma, os avanços dos compromissos nas agendas globais da biodiversidade e do clima, com as expectativas pós-COP 27 do Egito, devem ampliar oportunidades no sentido de uma maior quantidade e qualidade da restauração de ecossistemas.

“Se o mundo restaurar 1 bilhão de hectares já terá atingido um terço da mitigação de gases de efeito estufa necessária para o aumento da temperatura ficar no limite de 1,5 grau”, explica Couto. O engenheiro florestal conclui: “A alfabetização ecológica é chave para preparar mais pessoas à tomada de decisão. Sem colaboração e aprendizados nas diferentes paisagens, não chegaremos às metas da Década da Restauração”.

Novo programa de capacitação

É grande demanda por capacitação nesta temática, conforme demonstrou um recente curso online realizado pela ONU com audiência de 16 mil pessoas em 180 países. No Brasil, uma das principais iniciativas consiste no Programa Nacional de Formação Inicial e Continuada em Restauração de Ecossistemas, anunciado no webinar. “Só assim conseguiremos popularizar a atividade e restaurar também políticas públicas com as oportunidades do cenário brasileiro pós-eleitoral”, observa Alessandra Caiafa, secretária adjunta da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (Sobre).

Após diagnóstico já realizado junto a profissionais e instituições do setor, o programa pretende disseminar princípios e boas práticas da restauração de ecossistemas e articular os diversos atores e iniciativas no território nacional, entre outros pontos. O plano é realizar um curso piloto em 2023, em parceria com a TNC, visando reunir subsídios para dar seguimento ao projeto de certificação de qualidade das iniciativas de formação no setor.

Segundo Caiafa, além da dimensão ecológica, é necessário considerar os fatores sociais e econômicos, muitas vezes negligenciados. O desafio inclui a expansão de técnicas de menor custo, como a regeneração natural de florestas, sem o uso de mudas ou sementes, nas áreas propícias a esse método.

“O produtor rural ainda pensa na restauração como custo e não oportunidade, e para mudar essa visão é preciso associar o tema à produção de alimentos”, recomenda Caiafa, pesquisadora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano.

Como parte do esforço de formação profissional no setor, a Sobre realizará a IV Conferência Brasileira de Restauração Ecológica, entre 28 de novembro e 2 de dezembro, em Vitória (ES). No centro das atenções do encontro, que terá mais de 700 participantes e 40 simpósios, estará o conceito de “restauração multifuncional” no cenário da mudança climática.

“Além do combate à mudança climática, as áreas restauradas fornecem madeira, fibra, energia, segurança alimentar e água, junto à manutenção da biodiversidade e geração de empregos”, destaca Julio Tymus, coordenador da estratégia de florestas e restauração da TNC, com trabalhos em diferentes biomas na articulação de coletivos multissetorais e produtores rurais, a exemplo do programa Conservador da Mantiqueira, na Mata Atlântica.

A iniciativa abrange 425 municípios em região fornecedora de água para as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, com criação de políticas e capacitação técnica que envolveu cerca de 2,4 mil pessoas até o momento. 

Para Tymus, é indispensável aumentar o engajamento do produtor rural e fomentar a qualidade da restauração, aproximando a academia de quem a executa no campo. Segundo ele, a estratégia deve estar na cooperação, envolvendo comunidade científica – base para o conhecimento técnico e arcabouço teórico – e redes regionais como a Araticum, no Cerrado, e o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. Com mais de 300 membros e meta de restaurar 15 milhões de hectares neste bioma até 2050, essa iniciativa canalizou ao longo de 13 anos um expressivo acervo de conhecimento científico sobre as melhores práticas de repor árvores.

São referências que influenciaram protocolos e políticas públicas, como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg). Atualmente, a ciência tem o desafio de subsidiar o cumprimento da legislação ambiental, o monitoramento dos números e da qualidade da restauração em escala nacional e a criação de mecanismos de financiamento de longo prazo. “Precisamos também monitorar o aprendizado no processo de qualificação profissional, medindo resultados para replicar as experiências”, afirma Tymus, cujo trabalho de conclusão da graduação em Engenharia Florestal foi inspirado no protocolo de monitoramento do Pacto, na Mata Atlântica.

Caatinga pede atenção

Levar capacitação técnica à agricultura familiar, com inclusão socioprodutiva das comunidades, é a estratégia do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), com trabalhos em cinco territórios da Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. De acordo com Joaquim Freitas, coordenador-geral da instituição, “o desenvolvimento de capacidades em nível regional é fator chave para o ganho de escala, com estruturação da cadeia da restauração ecológica de modo a gerar benefícios socioeconômicos”.

Até o momento, foram restaurados 391 hectares com plantio de 1,3 milhão de árvores – trabalho impulsionado, em 2012, pela criação de um núcleo de formação destinado a cursos e outras atividades que capacitaram mais de 200 atores locais para atuar na restauração florestal, entre os quais coletores de sementes de comunidades quilombolas e indígenas. “O trabalho permite ir além no empoderamento local e formação de lideranças multiplicadoras, bem como avançar na assistência técnica para continuidade das ações”, explica Freitas, ao destacar a importância desse movimento na realidade da Caatinga.

Foto: Cepan/ Divulgação
Foto: Cepan/ Divulgação

O único bioma exclusivamente brasileiro, com 12% da população do País, a Caatinga reúne desafios socioecológicos peculiares, no tripé da sustentabilidade alimentar, hídrica e energética. Na Chapada do Araripe, Sul do Ceará, o Cepan desenvolve atividades de capacitação que resultaram na restauração de 100 hectares, com implantação de sistemas agroflorestais (SAF). “A região vive um momento de transição para modos de produção sustentável, com a mobilização de agentes multiplicadores das práticas”, conta o coordenador.

A melhoria de oportunidades socioeconômicas se dá pela comercialização de produtos florestais, turismo rural e pesquisa científica, além dos impactos positivos após a formação do primeiro grupo de coletores de sementes na região. “A capacitação é uma ação primordial para a inclusão de comunidades nos benefícios socioeconômicos da restauração como agentes ativos”, reforça Freitas.

Ao contrário de outros biomas como a Mata Atlântica, região brasileira mais rica e populosa, a Caatinga só agora está iniciando testes e desenvolvendo indicadores de referência para a restauração ecológica, principalmente na técnica da muvuca, baseada na dispersão de um mix de sementes nativas. “Precisamos avançar nesse campo científico, inclusive com o objetivo de reduzir custos, aproveitando o conhecimento tradicional e estratégias que levam em conta o aspecto social e econômico”, sugere Freitas. “Dessa maneira, com maior massa crítica pela inclusão de comunidades locais, a restauração dos ecossistemas tem o papel de mudar vidas”.

Leia as reportagens anteriores da série aqui e aqui.

Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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