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A coleta da castanha inibiu o envolvimento de alguns indígenas com atividades ilícitas na região

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Por Isabel HarariJaqueline Deister em Mongabay “Quem vê a castanha aqui ensacada acha que é fácil, mas lá no mato é sofrimento. Você tem que catar ela, cortar, juntar, trazer na aldeia, lavar, secar, ensacar. Por isso meu povo fala assim: valoriza nosso trabalho”, conta Waratan, liderança Zoró.

Alimento tradicional dos Zoró, a castanha-do-brasil se consolidou nos últimos anos como uma forma de aliar a geração de renda à preservação da floresta em pé — no caso dos Zoró, um território de 356 mil hectares no noroeste de Mato Grosso.

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Quando fala em valorizar o trabalho, Waratan faz também alusão ao comércio justo, que nem sempre ocorre na cadeia produtiva da castanha, tradicionalmente marcada pela figura dos atravessadores, ou seja, intermediários entre produtores e consumidores. A comercialização é um dos maiores desafios para os Zoró e o ponto mais frágil da cadeia produtiva da castanha.

Quebra da castanha-do-brasil na TI Zoró. Foto: Fred Rahal Mauro.

Foi nesse contexto que surgiu a parceria com a Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavam), sediada em um assentamento de reforma agrária no município de Juruena, a 909 quilômetros de Cuiabá. Dispondo de uma Reserva Legal Comunitária de 7.200 hectares de Floresta Amazônica, a Coopavam se tornou referência no modelo de negócio social com base em produtos florestais não madeireiros.

A Coopavam envolve a participação de agricultores familiares, quatro Terras Indígenas e seis etnias da região, entre elas os Zoró, cujo território está 500 quilômetros a oeste do assentamento. Além de pagar um preço adequado pela castanha e apoiar com a logística, a cooperativa garante o escoamento da produção por meio de contratos justos e transparentes, acima do valor pago pelos atravessadores. Mesmo durante a pandemia de covid-19, foi possível manter os preços justos.

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“Ter essas pessoas como parceiros é uma segurança para a gente porque, para atender o mercado, dependemos dos povos da floresta. 90% do produto da Coopavam vem das florestas, dos povos indígenas”, explica Luzirene Lustosa, presidente da cooperativa, que há 11 anos atua no processo de beneficiamento da castanha.

Somando a rede de fornecedores, a Coopavam comercializa, por ano, cerca de 400 toneladas de castanha-do-brasil e tem a expectativa de chegar a 700 toneladas no futuro.

Beneficiamento da castanha na sede da Coopavam em Juruena (MT). Foto: Fred Rahal Mauro.

A parceria entre a Coopavam e os Zoró foi firmada em 2018, mas os indígenas já vinham comercializando a castanha-do-brasil desde 2000 por meio da Associação do Povo Indígena Zoró (Apiz). Nesse período, tornaram-se referência na região por conta da boa qualidade do produto, capacidade de produção e cumprimento contratual.

“A venda da castanha é importantíssima”, conta Fábio Zoró, diretor-secretário da Apiz, entidade que atua desde 2000 no mercado da castanha. “No ano retrasado [2018], o pessoal até teve condições de comprar carro e moto com o dinheiro da castanha.”

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Lígia Neiva, da Coordenação Técnica Local da Funai em Rondolândia, argumenta que o papel da Coopavam não se limita apenas à compra da castanha. “Entra no sentido de motivar a importância deles [indígenas] estarem gerindo esse negócio. Quando você trabalha fora do contexto da organização social do povo você trabalha na contramão”, diz Neiva, que atua junto aos Zoró há 25 anos.

Desde 2018 a Coordenação Técnica Local da Funai em Rondolândia apoia a articulação dos Zoró com a Coopavam, “por entender que a gestão do território é uma das principais formas de protegê-lo, uma vez que a presença indígena em diferentes regiões da Terra Indígena Zoró contribui para inibir as investidas e presença de aliciadores e madeireiros nas aldeias”, dizem em Nota Técnica.

Sem território não tem castanha

Para os Zoró, parcerias como a da Coopavam têm sido o diferencial nas aldeias em um contexto marcado por pressões e ameaças ao território por parte de pecuaristas, madeireiros e garimpeiros.

A Terra Indígena Zoró faz parte do Corredor Etnoambiental Tupi-Mondé, um complexo de 3,5 milhões de hectares formado por sete Terras Indígenas contíguas entre Mato Grosso e Rondônia, povoadas por cinco povos: Suruí, Cinta Larga, Gavião, Arara e Zoró.

Em apenas dez anos, o desmatamento praticamente dobrou dentro do corredor, passando de 512 hectares em 2010 para pouco mais de mil hectares em 2020, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Apenas neste ano, entre janeiro e agosto, 344,7 hectares foram desmatados.

A pressão do entorno é ainda maior: a taxa de desmatamento fora das áreas protegidas é quatro vezes maior do que a detectada no interior do corredor: 4,4 mil hectares de floresta foram derrubados em 2020, considerando uma faixa de 10 quilômetros a partir do limite das reservas.

Também foram identificados três requerimentos minerários para exploração de diamantes dentro da TI Zoró e relatos recentes indicam a presença de garimpo ilegal dentro do território, com suspeitas de instalação de balsas para viabilizar a atividade.

Divisa da TI Zoró (à direita) com área desmatada. Foto: Fred Rahal Mauro.

Há também a retirada ilícita de madeira: entre 2018 e 2019, 16,6 mil hectares foram explorados ilegalmente nas Terras Indígenas mato-grossenses, um aumento de 139% em relação ao biênio anterior. Na TI Zoró, mais de 3,8 mil hectares foram explorados para fins madeireiros entre 2016 e 2020. Os dados são do Instituto Centro e Vida (ICV).

Os Zoró alertam que o desmatamento pode ainda impactar povos que vivem em isolamento voluntário na região. No início de agosto, eles relataram a presença de indígenas isolados na aldeia Duabyrej. Acredita-se que sejam Piripkura, povo com apenas dois indivíduos que vivem na TI de mesmo nome no Mato Grosso, alguns quilômetros ao norte. Os Zoró já haviam comunicado um episódio parecido em novembro do ano passado.

“A sensação de impunidade é muito grande. Quem está interessado no desmatamento ilegal, na exploração de madeira ilegal e no garimpo ilegal não faz quarentena”, comenta o engenheiro florestal Vinícius Silgueiro, coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV, em referência ao surto de covid-19.

Com o avanço da pandemia, o enfraquecimento de ações de fiscalização e a repercussão de discursos contrários à manutenção das Terras Indígenas, o roubo de madeira voltou a crescer em meados de 2020 no território dos Zoró. Uma fonte que não quer ser identificada conta que em maio deste ano foram vistos caminhões carregados de toras vindos das regiões centrais da TI.

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A pandemia acabou revertendo uma conquista importante do negócio da castanha, que foi oferecer aos Zoró uma alternativa sustentável à renda que anteriormente se obtinha com a extração ilegal de madeira.

Antes da parceria com a Coopavam, todas as 23 aldeias mais populosas da TI Zoró estavam, direta ou indiretamente, ligadas às madeireiras. Poucos meses após o início da parceria, apenas cinco aldeias continuavam envolvidas. Em outubro de 2019, “mesmo sob fortes ameaças e intimidação”, as lideranças Zoró determinaram a retirada de todos os madeireiros ilegais. Em dezembro, apenas uma aldeia localizada em uma região isolada permanecia trabalhando para eles.

Com os impactos decorrentes da covid-19, a estimativa é que agora cerca de 15 aldeias Zoró estejam novamente envolvidas com a retirada ilícita de madeira.

É por isso que Luzirene Lustosa, presidente da Coopavam reforça a necessidade de fortalecer a cadeia produtiva da castanha-do-brasil: “Sabemos que a castanha tem um papel importante em ajudar na proteção do territórios dos Zoró e da Amazônia. Esperamos que agora cada vez mais aldeias desistam das atividades ilícitas e vejam que a castanha é um bom negócio que mantém a floresta em pé”.

Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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