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Perda causada pelos animais sobre a pesca no Rio Grande do Sul é menor do que costuma ser relatado, concluem pesquisadores

Por Carlos Fioravanti em Revista Fapesp – Leões-marinhos que vivem no litoral do Rio Grande do Sul estão em lado oposto ao dos pescadores locais, disputando o mesmo alimento. Os animais ocupam a ilha dos Lobos, um refúgio da vida silvestre (Revis) com 16,9 mil metros quadrados a 1,8 quilômetro do município de Torres, de 40 mil habitantes. Os homens alegam que eles comem grande parte dos peixes e rasgam as redes de superfície ou de fundo usadas para pesca. No entanto, com base em levantamentos de pesquisadores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars), os leões-marinhos sul-americanos (Otaria flavescens) comem bem menos peixes das redes do que o alegado.

Em 16 de março, em uma reunião entre biólogos, pescadores e demais participantes do Conselho Consultivo do Revis, a bióloga Larissa de Oliveira e a aluna de doutorado Natália Procksch pretendem apresentar o censo da população dos mamíferos marinhos e um modelo tridimensional da ilha, ambos de grande interesse para os gestores da unidade de conservação. Com base em levantamentos aéreos realizados entre 2010 e 2020, em colaboração com o Projeto Baleia Franca do Instituto Australis de Pesquisa e Monitoramento Ambiental, esse grupo do Rio Grande do Sul verificou que a população dos animais na ilha atingiu um máximo de 304 em setembro de 2018. A maioria é de machos de leão-marinho e filhotes de lobos-marinhos sul-americanos (Arctocephalus australis), além de ocasionais elefantes-marinhos-do-sul (Mirounga leonina).

Como detalhado em um artigo do grupo da Unisinos publicado em novembro de 2020 na revista Scientific Reports, eles vêm em busca de alimento do Uruguai, cujo litoral abriga uma população estimada em 150 mil lobos-marinhos e 20 mil leões-marinhos. Os animais das duas espécies têm a pelagem marrom e são grandes: os leões-marinhos, que no passado foram intensamente caçados para uso da gordura e do couro, podem atingir 2,7 metros (m) de comprimento e pesar 300 quilogramas (kg); os lobos-marinhos-sul-americanos chegam a 1,7 m e 70 kg.

“O trabalho da Scientific Reports apresenta uma base de dados de longo prazo que permite avaliar os efeitos das mudanças climáticas e de atividades antrópicas [resultantes da ação humana] no oceano e na sua biodiversidade”, comenta a bióloga Camila Domit, coordenadora do Laboratório de Ecologia e Conservação do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que não participou do estudo.

Disputa de décadas

Os pesquisadores verificaram, com base em entrevistas realizadas em 2011 e 2012, que os pescadores estimavam que os leões-marinhos consumiam 88% dos peixes de suas redes, mas as observações de campo indicaram que a perda não passaria de 3%. As conclusões constam em um estudo publicado em novembro de 2020 pelo grupo da Unisinos e do Gemars na Marine Policy, que deverá ser debatido na reunião de 16 de junho do Conselho Consultivo do Revis.

O biólogo Rodrigo Machado, da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e do Gemars, em Criciúma, um dos autores do estudo, chegou a esse valor após acompanhar 58 viagens de pescadores, cobrindo 161 operações de pesca. Ele registrou 68 vezes em que os leões, em grupos de um a oito animais, de fato acompanharam os barcos e levaram peixes que os pescadores gostariam de capturar.

“Os 3% são a perda para o setor, mas ainda não temos nenhuma indicação sobre o que essa redução no volume de pesca representaria na vida de cada pescador”, comenta Machado. “O prejuízo para o pescador artesanal pode ser maior que o do pescador de barcos grandes”, reconhece a veterinária Aline Kellermann, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e gestora do Revis Ilha dos Lobos, que não participou do estudo.

“O prejuízo não é só da perda de peixe, mas também dos buracos nas redes causados pelos leões-marinhos”, afirma o comandante Adriano Joaquim, ex-pescador, sócio de uma empresa de aluguel de lancha e presidente da Colônia de Pescadores Z-18 de Passo de Torres, cidade catarinense vizinha a Torres. “O conflito amenizou bastante, mas os pescadores ainda vão para o mar e, se percebem que há poucos peixes e muitos leões-marinhos, desistem de abrir a rede e voltam sem nada.”

No estômago dos leões

A intensa eliminação de animais pelos pescadores, quando a fiscalização era menor, motivou a criação da Revis em 1983. Por ser uma unidade de proteção integral, visitantes e pescadores não podem se aproximar mais do que 500 metros da ilha.

Machado, após examinar o conteúdo estomacal de 50 leões-marinhos encontrados mortos desde 1993, verificou que a espécie responsável por 52% da dieta era a maria-luísa (Paralonchurus brasilienses), descartada pelos pescadores. Outras seis espécies de valor comercial, como pescadas-amarelas (Cynoscion acoupa), corvinas (Migropomoni furnieri) e anchovas (Pomatomos saltatrix), responderam por 42% da dieta.

“O fato de os leões-marinhos se alimentarem de espécies de interesse comercial não quer dizer que as estejam tirando unicamente das redes dos pescadores”, ressalta Machado. “Os leões também começaram a comer peixes e moluscos que não comiam antes, ainda que com menor frequência, provavelmente em consequência da sobrepesca de algumas espécies ou de seu consumo por outros predadores marinhos”, acrescenta. Em um artigo anterior, publicado em abril de 2018 na revista Hydrobiologia, ele observou que os animais haviam comido 15 espécies de presas (peixes e moluscos) de 1993 a 2003, e 26 de 2004 a 2014.

“Os pescadores reconhecem outros problemas, mas apontam os leões como os grandes culpados, porque estão vendo e convivendo com eles”, concluiu a bióloga Ana Carolina Pont, da Unisinos. Ela complementou o trabalho de Machado ao entrevistar 100 dos 350 pescadores de Torres.

“A percepção negativa dos leões-marinhos está arraigada na comunidade, mesmo entre os pescadores mais novos, e só poderá ser desfeita com campanhas de educação e comunicação ambiental”, comenta Pont.

Os pescadores relataram outras causas da pesca aquém do volume desejado: os dias não trabalhados por causa do mau tempo ou da tripulação incompleta – em um ano, foram 60 dias –, a sobrepesca e a competição com barcos maiores de outros estados.

Alternativas

Desde 2015, ao assumir a gestão da ilha dos Lobos, Kellermann trabalha com os pescadores artesanais locais. Eles já ajudaram no censo de peixes da região, identificando 68 espécies, como relatado em um artigo de março de 2020 na revista Biodiversidade Brasileira.

Em elaboração, o chamado plano de manejo deverá examinar possibilidades de uso público da ilha, determinando a que distância os turistas e os guias poderiam chegar sem estressar os bichos. “Na Argentina, os turistas chegam a 100 m dos locais onde os leões-marinhos vivem, exceto na época de reprodução, sem nenhum dano para eles”, diz Oliveira. “O planejamento para o uso sustentável de áreas marinhas e a observação da fauna são excelentes mecanismos de aproximação da sociedade à natureza e de integração entre a geração de renda e a conservação marinha”, concorda Domit.

Mas nem sempre é fácil conciliar interesses. Na costa do Uruguai, a ilha de Cabo Polonio, ocupada por cerca de mil leões-marinhos e 100 pessoas, recebe por volta de 30 mil turistas no início de cada ano. Como não há fiscalização contínua nem guias, uma cerca de 160 m de extensão por 1 m de altura isola uma das colônias. Em um artigo publicado em abril de 2018 na Applied Animal Behavior Science, pesquisadores da Universidade de Barcelona, na Espanha, e da Universidade da República, no Uruguai, concluíram que a cerca aumentou em vez de reduzir a agitação dos animais, provocada pelos turistas, que se tornaram menos cuidadosos ao se aproximarem.


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