Por Timothy J. Killeen e traduzido por Lisete Correa em Mongabay | A Pan-Amazônia abrange aproximadamente 825 milhões de hectares, dos quais aproximadamente noventa milhões de hectares foram perdidos com o desmatamento; isso corresponde a ~13% da cobertura florestal original. À primeira vista, esse valor percentual pode não parecer alarmante, particularmente no contexto da cobertura florestal total existente.
Entretanto, a terra desmatada está embutida em mosaicos paisagísticos que incluem uma área praticamente equivalente de floresta fragmentada, ambas cercadas por extensas áreas de floresta degradada danificada pelo corte ilegal de árvores, incêndios florestais e caça excessiva. Uma estimativa conservadora da área total de todas essas paisagens modificadas pelo homem é de em torno de 250 milhões de hectares, o que representa cerca de 30% da área geográfica da Pan-Amazônia.
Em total, essas paisagens modificadas pelo homem podem ser estratificadas em quatro macrorregiões com base em atributos biofísicos e culturais que determinaram seu desenvolvimento recente. Cada paisagem tem uma trajetória de desenvolvimento única, mas há etapas identificáveis que refletem níveis de investimento em infraestrutura, sistema de produção agrícola, níveis de tecnologia e capital social.
Os terraços de montanha que flanqueiam o curso principal do rio Amazonas são as mais antigas paisagens modificadas pelo homem na Pan-Amazônia. Indivíduos ocupam estas terras há milênios, mas sua composição étnica mudou com o tempo, à medida que imigrantes e escravos fugitivos se miscigenaram com povos indígenas para forjar grupos culturais únicos chamados de caboclo (Brasil) ou ribereños (Peru). O rio conecta as comunidades rurais com cerca de duas dúzias de pequenas cidades e seis grandes centros urbanos: Belém, Macapá, Santarém, Manaus, Tabatinga (Brasil), Leticia (Colômbia) e Iquitos (Peru). O trecho mais densamente povoado do rio está localizado entre a cabeceira do delta e Manaus, mas as comunidades isoladas se estendem rio acima até a confluência dos rios Ucayali e Marañon, no leste do Peru.
A economia rural é baseada na pesca de peixes selvagens e produtos florestais não madeireiros, em especial o superfruto do açaí, uma palmeira que domina os habitats da planície de inundação do baixo Amazonas. A maioria das famílias cultiva uma horta como parte de sua economia de subsistência, enquanto um número limitado de estradas secundárias proporciona acesso aos recursos florestais além dos limites imediatos do corredor do rio. Como hidrovia, o rio funciona como um sistema de transporte a granel para minas de bauxita localizadas em paisagens de planície de inundação, bem como para mercadorias transbordadas em portos que servem à indústria agrícola do sul da Amazônia. O transporte fluvial também serve ao setor de petróleo e gás, ao mesmo tempo em que fornece transporte econômico para madeira extraída de regiões remotas acessadas por dezenas de tributários. Manaus é um destino de viagem comercializado como porta de entrada para a Amazônia, enquanto Letícia e Iquitos (Peru) desenvolveram o turismo de natureza e cultural ligados aos mercados doméstico e internacional.
Os habitats naturais do corredor do Rio Amazonas estão notavelmente bem conservados, particularmente acima de Manaus, onde uma paisagem fluvial selvagem se estende por mais de 2.000 quilômetros. Perto de Manaus, ambos os lados do rio evoluíram para fronteiras florestais, enquanto a paisagem de terras altas entre Oriximiná e Prainha, no norte do Pará, foi desmatada para estabelecer pequenas fazendas e granjas no final dos anos 1960 e 70. Do outro lado do rio, em Santarém, silos de grãos e instalações portuárias no final da BR-163 estão impulsionando a conversão de pastagens em terras de cultivo. Com isso, essa paisagem no coração da Amazônia sofreu uma transição para uma fronteira agrícola dominada pelo cultivo de soja.
As estratégias nacionais de desenvolvimento, resumidas por uma rede de estradas entalhadas em áreas silvestres nas décadas de 1970 e 1980, desencadearam uma trajetória de desenvolvimento que valeu à região a alcunha de Arco do Desmatamento. Mais de setenta milhões de hectares de florestas tropicais foram sacrificados para criar uma economia agrícola que se estende do leste do Pará, Brasil, até Santa Cruz, Bolívia.
As baixas taxas de desmatamento no âmbito das fronteiras florestais ocorrem em função de seu grande distanciamento e do mau estado de sua infraestrutura de transporte; as paisagens mais próximas dos mercados se transformaram em fronteiras agrícolas ou consolidadas. O rápido desenvolvimento ocorreu em paisagens consideradas geopoliticamente importantes (Rondônia) ou onde os solos eram particularmente aptos para culturas agrícolas (Mato Grosso e Santa Cruz-Bolívia). As terras públicas foram distribuídas para mais de um milhão de famílias pioneiras e vários milhares de empresas privadas, por meio de diversos mecanismos legais e extralegais. O mosaico de posse de terra resultante reflete tanto a diversidade da propriedade da terra (pequena, média e grande), como também a apropriação contínua de terras estatais que continuam a impulsionar o desmatamento nas fronteiras florestais.
Grande parte dos pequenos proprietários dedicam uma parte de suas terras à produção de alimentos básicos, mas a produção de gado de corte é o principal motor do desmatamento tanto nas fronteiras florestais quanto agrícolas. A demanda global por soja nos anos 90 estimulou a expansão do agronegócio e possibilitou modelos de negócios dependentes dos mercados de exportação internacionais. O cultivo de milho em rotação com a soja catalisou o crescimento explosivo dos setores avícola e suíno, enquanto o cultivo da palma diversificou a economia rural no nordeste do Pará. A competição global está impulsionando investimentos em sistemas de transporte a granel que ligam as paisagens de produção do sul da Amazônia aos terminais de grãos no rio Amazonas.
As estratégias de desenvolvimento da década de 1970 incluíram programas para a exploração dos recursos minerais da região. Sua história recente tem sido marcada por corridas caóticas do ouro que oscilam ao ritmo do preço deste mineral. O desenvolvimento mais duradouro resultou da exploração de depósitos de metais industriais de categoria mundial na Serra de Carajás, no Pará, o que estimulou investimentos em ferrovias, usinas industriais e instalações hidrelétricas. O desenvolvimento da infraestrutura representa uma parte significativa da economia regional, em parte porque o governo brasileiro construiu mais de cinquenta instalações hidrelétricas na região, incluindo várias de grande porte (> 1.000 MW) nos rios Madeira, Tocantins e Xingu.
A Amazônia Sul pode ser estratificada em cinco fronteiras florestais, oito fronteiras agrícolas, cinco fronteiras consolidadas e a fronteira ativa da corrida do ouro. Se as tendências atuais continuarem, haverá uma transição das fronteiras florestais para fronteiras agrícolas, e das fronteiras agrícolas para fronteiras consolidadas. Essas paisagens modificadas pelo ser humano, organizadas em torno de uma rede de rodovias tronco, estão separadas por remanescentes florestais cada vez mais isolados uns dos outros e das paisagens florestais contínuas do oeste, centro e norte da Amazônia.
As tradições culturais e as estratégias de desenvolvimento nacional seguidas pelas repúblicas andinas criaram paisagens modificadas pelo homem que são fundamentalmente diferentes das do sul da Amazônia. Cada país construiu uma série de rodovias individuais que ligam um setor específico do altiplano andino com uma região adjacente das terras baixas da Amazônia. Todas as estradas atravessam as encostas andinas, onde dezenas de milhares de colonos estabeleceram propriedades rurais em ladeiras íngremes e inadequadas para a agricultura. A erosão do solo limita a capacidade produtiva das propriedades enquanto ameaça a integridade das estradas construídas em paisagens com níveis extraordinariamente altos de pluviosidade.
A colonização tem sido impulsionada pela migração de comunidades indígenas das terras altas que reivindicaram pequenas propriedades rurais, utilizando sistemas de descanso de produção florestal, para a produção de alimentos básicos destinados aos mercados domésticos. Com o tempo, os colonos diversificaram seus sistemas de produção para incluir óleo de palma, café e cacau, alguns dos quais são destinados a mercados no exterior. As pastagens são abundantes e muitas famílias possuem gado; no entanto, a indústria de carne bovina não é um motor do desmatamento, mas um elemento do sistema de produção de florestas em pousio. Em paisagens selecionadas, os agricultores cultivam folha de coca, às vezes legalmente para consumo doméstico, ou, com mais frequência, como cultura ilícita para o mercado global de cocaína. Um número limitado de corporações tem investido em plantações de palma oleaginosa em larga escala e em instalações industriais associadas, no Peru e no Equador.
A riqueza mineral da região está concentrada na Cordilheira dos Andes, onde corporações globais operam minas industriais de minério polimetálicos que têm sido explorados por séculos. O ouro originário dessas formações geológicas tem sido transportado para os sedimentos aluviais do piemonte, que são explorados por mineiros de pequena escala em paisagens selecionadas que vivem uma corrida do ouro. A Amazônia Ocidental possui significativas reservas de petróleo e gás localizadas sob as paisagens aluviais à leste dos Andes, e as receitas derivadas de sua exploração têm sido um pilar das economias nacionais e dos orçamentos estatais desde os anos 60.
O investimento em infraestrutura acelerou-se nas últimas duas décadas graças a um esforço internacional para coordenar estratégias nacionais de desenvolvimento e promover a integração econômica entre os países, por meio da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA). Entre as maiores prioridades da IIRSA estão os corredores de transporte que atravessam áreas selvagens, ligando a costa do Pacífico com o rio Amazonas e as paisagens agrícolas do sul da Amazônia. A queda acentuada da elevação dos rios originários nos Andes tem favorecido o desenvolvimento de dezenas de instalações hidrelétricas de média e grande escala. Com uma notável exceção, os esforços para promover as megabarragens não foram bem-sucedidos, porque os investimentos propostos não resistiram à uma avaliação financeira cuidadosa.
As paisagens modificadas por ações humanas na Amazônia andina incluem quatro fronteiras florestais e seis fronteiras agrícolas, sete fronteiras de coca e duas fronteiras de ouro. A migração e a perda de florestas ocorrem de forma altitudinal, à medida que as fronteiras agrícolas se expandem em declive, e lateralmente, à medida que os pioneiros se estabelecem nos vales adjacentes ou emergem em paisagens de terras baixas próximas. Ao contrário da Amazônia Sul, onde as fronteiras florestais estão associadas a estradas, nos Andes as fronteiras florestais mais dinâmicas ocorrem ao longo dos corredores dos rios. As paisagens individuais de planície permaneceram isoladas umas das outras por décadas; apenas o Equador construiu uma rodovia tronco integrada que liga todas as zonas de planície. A decisão (ou o atraso na decisão) de integrar as zonas de assentamento ao longo do piemonte manteve um número limitado de corredores biológicos que ligam as florestas de planície da Amazônia Ocidental e as florestas montanhosas dos contrafortes andinos.
As paisagens transformadas pelo homem no Escudo da Guiana evitaram os fenômenos de assentamento e colonização que causaram o desmatamento generalizado na Amazônia Sul e na Amazônia Andina. Os assentamentos históricos estão agrupados ao longo da costa da Guiana, Suriname e Guiana Francesa, enquanto a Venezuela tem seguido uma estratégia nacional de desenvolvimento baseada no aproveitamento do petróleo e urbanização (Capítulo 6). Somente o estado brasileiro de Roraima foi alvo de projetos de reassentamento nos anos 70, quando uma rodovia pavimentada foi construída para conectar Manaus com Boa Vista e, por fim, com as redes viárias nacionais da Venezuela e da Guiana. Atualmente, o Brasil está construindo uma moderna rodovia no Amapá para conectar a cidade portuária amazônica de Macapá com o corredor de desenvolvimento da Costa da Guiana.
Suriname e Guiana já foram grandes produtores de bauxita, mas essas minas fecharam depois de esgotar os depósitos facilmente exploráveis, deixando para trás paisagens degradadas e lagoas de rejeitos tóxicos. O norte do Pará e o Amapá têm reservas significativas de minerais ferrosos, cobre e ouro, mas a maioria está localizada dentro de uma reserva mineral estratégica que está fechada temporariamente à exploração. A Venezuela possui depósitos de bauxita economicamente atraentes e reservas de minério de ferro de alta qualidade; entretanto, suas minas industriais e instalações de processamento estão operando em níveis mínimos devido à má administração econômica.
Os consideráveis recursos de ouro da Amazônia Guianense estão associados a uma formação geológica conhecida como cinturão de pedras verdes, que tem sustentado uma corrida do ouro de décadas por mineiros de pequena escala, incluindo os nativos da região e migrantes temporários do Brasil. A maior parte do desmatamento na Amazônia Guianense é causada por esses mineiros; por conseguinte, está dispersa por paisagens como pequenas manchas que são difíceis de detectar usando imagens de satélite comumente disponíveis. Corridas periódicas do ouro ocorreram no estado de Bolívar, na Venezuela, e ao longo da fronteira com o estado brasileiro de Roraima. Minas de ouro corporativas de grande escala estão operando, ou em desenvolvimento, na Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Amapá.
As paisagens resultantes da ação humana no Escudo da Guiana incluem duas fronteiras da corrida do ouro, duas fronteiras florestais e duas fronteiras consolidadas. A recente descoberta de grandes reservas de petróleo e gás no litoral da Guiana e do Suriname transformará suas economias em curto prazo.
O sistema do rio Amazonas é o maior ecossistema de água doce do mundo, com quase vinte por cento da descarga de água doce da Terra. É um bioma aquático megadiverso e um ecossistema enormemente produtivo que proporciona meios de subsistência e recursos proteicos essenciais para suas populações residentes. É também um bem econômico estratégico devido a sua capacidade hidrelétrica e como hidrovia em uma região com carência de estradas. O enorme volume de água que flui através do sistema do rio Amazonas proporciona um nível inerente de resiliência, que é aumentado pelos habitats intactos das planícies de inundação que protegem as flutuações sazonais do caudal hídrico e absorvem os efluentes da sociedade humana. Porém, fenômenos de desenvolvimento têm repercutido nos rios e riachos dentro de paisagens modificadas pela ação humana.
A mineração ilegal de ouro impactou a biogeoquímica dos rios que drenam as áreas da corrida do ouro onde os mineradores artesanais em pequena escala estão ativos. O impacto espacial das operações individuais de mineração é [relativamente] pequeno, mas o impacto ambiental é ampliado pela tendência dos mineiros de operar dentro das planícies de inundação. O uso generalizado do mercúrio – metal pesado com efeitos prejudiciais à saúde humana bem documentados – está criando um legado ambiental que irá atormentar a região por décadas. Praticamente todos os mineiros de pequena escala violam as leis ambientais e sonegam os impostos; muitos são culpados de violar os direitos humanos. É provável que a mineração ilegal de ouro aumente no curto prazo devido à volatilidade dos mercados financeiros, o que motiva os investidores globais a comprar ouro como uma garantia contra as incertezas.
Barragens e reservatórios causam impactos permanentes e de longo prazo, modificando regimes hidráulicos, capturando sedimentos e interrompendo a migração de peixes. Agências financeiras multilaterais têm fornecido financiamento essencial para entidades públicas e privadas; empresas da China adquiriram ativos hidrelétricos em crise no Peru e no Brasil enquanto fornecem soluções “chave na mão” (turn-key solutions) para serem usadas na Bolívia e no Equador. Todas as nações da Pan-Amazônia buscaram o desenvolvimento hidrelétrico como parte de suas estratégias energéticas nacionais, e o Brasil está incentivando a construção de projetos hidrelétricos para desenvolver vias navegáveis como sistemas de transporte a granel.
A mudança do uso do solo e o escoamento da produção agrícola tiveram impacto na geoquímica da maioria das cabeceiras dos rios do sul da Amazônia, onde a conversão de ~50% da cobertura florestal original aumentou as cargas de sedimentos e alterou o estado dos nutrientes dos rios “de águas claras” típicos da região. Esses impactos deveriam ser mitigados por regulamentos ambientais que obrigam os proprietários de terras a conservar a floresta nos corredores ribeirinhos; contudo, o não cumprimento é generalizado, e os esforços para motivar os proprietários de terras a reflorestar os corredores ribeirinhos são limitados pelo custo e a apatia.
O desmatamento tem provocado impactos nos regimes de precipitação, o que diminuirá os volumes de escoamento, um fenômeno que aumentará ao longo do tempo à medida que os agricultores adotarem tecnologia de irrigação para mitigar a ameaça de seca sazonal.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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