Por Silvia Vilas Boas em Página 22 | Diante dos atuais desafios globais, como a crise climática e o aumento da desigualdade social, duas práticas empresariais tornam-se urgentes: liderança e prestação de contas. Para alcançar isso, um dos caminhos é estabelecer novas formas de contabilizar valor. Isso porque nosso impacto no mundo e na sociedade precisa ser contabilizado em todas suas dimensões, e essa medida deverá constituir a base de um plano de transição para uma economia regenerativa.
Essa mudança não será possível se seguirmos utilizando as velhas práticas de negócios porque nosso sistema de contabilidade, focado em valores financeiros, perde uma parte enorme de nosso valor gerado para o sistema econômico, sua dependência de pessoas e recursos naturais, por exemplo, e seu impacto em nossa sociedade. Reformar a maneira em que contabilizamos o valor gerado são as bases para uma transição sustentável e prosperarmos no novo normal.
Sabemos que todas as empresas geram externalidades a partir de suas operações. Por isso, alcançar um modelo de negócios que promova o maior impacto positivo socioambiental possível não é apenas uma obrigação moral, mas um imperativo econômico, visto que as empresas, se quiserem prosperar, precisam trabalhar para criar valor social e ambiental como parte de sua diretriz estratégica e de seus negócios. E um dos elementos-chave para o avanço de práticas mais sustentáveis por parte das empresas é ter métricas que permitam comparar os resultados de cada uma, como hoje fazemos com receita, lucro e outros indicadores financeiros.
Há um crescente reconhecimento de que o valor criado pelas empresas vai muito além das receitas e lucros registrados em uma demonstração de resultados. A contabilidade tradicional não considera, por exemplo, algumas frentes significativas de atuação que as companhias exercem, incluindo o impacto positivo de projetos de desenvolvimento das comunidades ou iniciativas de conservação e regeneração de biomas, bem como os impactos negativos dos negócios, decorrentes de resíduos e emissões de gases de efeito estufa.
Por isso, é necessário buscar abordagens e metodologias que ajudem a mensurar, com os mesmos parâmetros dos cálculos financeiros, tudo o que possui valor ético e socioambiental, pois a transição para um modelo realmente sustentável deve ser feita de forma sistêmica.
Essa é a proposta do Integrated Profit and Loss (IP&L), uma ferramenta de gestão lançada pela Natura este ano que mensura e integra ganhos e perdas para medir e reportar os efeitos socioambientais da operação. Além dos resultados financeiros, o IP&L contabiliza o impacto da atuação empresarial nas dimensões ambiental, social e humana. Realizada em parceria com a consultoria Valuing Impact, a metodologia de ganhos e perdas integrados também contou com a contribuição de especialistas e organizações internacionais, como o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD).
Um de seus diferenciais em relação a outras categorias de reportes de ESG é permitir que os impactos gerados pela empresa sejam traduzidos em valores monetários, falando a língua de investidores e analistas. Internamente, torna-se uma poderosa aliada nas estratégias da companhia ao fornecer dados que embasam a tomada de decisão para destinação de capital em atividades que potencializem os benefícios gerados pelo negócio.
Para calcular o IP&L, considera-se todas as atividades da empresa. O escopo avaliado abrange desde a cadeia de fornecedores e comunidades extrativistas na região amazônica, as operações diretas, as Consultoras de Beleza Natura, até os produtos utilizados e o fim de vida dos produtos. Depois, são analisados os resultados de tais atividades nas dimensões social, ambiental e humana. Por fim, são medidos os benefícios, como aumento na expectativa ou na qualidade de vida e melhoria nas condições de saúde. Com isso, chega-se ao impacto gerado, expresso em valores monetários.
Aplicando o IP&L, foi possível descobrir que em 2021, toda a operação da marca Natura gerou R$ 1,5 em benefícios para a sociedade para cada R$ 1 de receita (os valores são em dólares). Ou seja, foram R$ 12 bilhões de faturamento no ano para R$ 18 bilhões em impactos positivos líquidos (já descontados os impactos negativos).
A compra de créditos de carbono para neutralizar as emissões de gases de efeito-estufa da empresa está entre as atividades que se destacam por trazer um retorno socioambiental acima da média. No total, para cada R$ 1 investido em compra de crédito de carbono, o retorno social foi de R$ 40.
Da perspectiva humana e social, o IP&L constatou também que o modelo de negócios da Natura impacta positivamente na qualidade e na expectativa de vida das pessoas de sua rede – como colaboradores, fornecedores e consultoras de maior relacionamento com a marca.
Já o valor gerado para a sociedade pela atuação da empresa na Amazônia é de R$ 327 milhões. O número se refere aos benefícios de geração de renda para as famílias locais, desenvolvimento de comunidades, melhorias de infraestrutura e capacidade produtiva, além do desmatamento evitado. Pelo seu modelo de negócios, em 2021, para cada R$ 1 aportado na região, a Natura gerou o equivalente R$ 8,6 em valor social.
Por outro lado, o maior impacto negativo dos negócios foi no relacionamento com as consultoras em estágios mais iniciais de envolvimento com a empresa e o uso e descarte dos produtos da Natura – considerando o uso de água e energia pelos consumidores. Aqui também entra mais um diferencial do IP&L: dar a visibilidade às frentes de mitigação de impacto negativo que devemos perseguir.
Com o aumento da avaliação de investimentos que considera os princípios ESG, há cada vez mais interesse por parte das organizações em trabalhar mecânicas de monetização de aspectos socioambientais. O próximo passo da Natura é capitalizar sua trajetória na área e dividir esse modelo com outras companhias interessadas, para que seja examinado, criticado, debatido, e, assim, promovermos a construção conjunta de estruturas de medição de impacto cada vez mais avançadas.
Quanto mais empresas passarem a atribuir valor a seus impactos e ampliarem a transparência dos seus resultados, utilizando o IP&L como uma ferramenta de gestão, mais rápido conseguiremos trilhar juntos esse grande movimento de capitalismo de stakeholders e aprimorar o papel da iniciativa privada no enfrentamento dos desafios globais mais urgentes. Afinal de contas, reduzir o impacto negativo já não é suficiente. A geração de valor para a sociedade é o novo lucro.
*Silvia Vilas Boas é CFO de Natura &Co América Latina
Este texto foi originalmente publicado por Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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