A importância de manter vivas as culturas dos povos originários

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Por Vanessa Silva, da Conexão UFRJ | Nove de agosto foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Após articulação de representantes do movimento indígena de todo o mundo, a ONU publicou, em 23/12/1994, a Resolução 49/214. Nos países americanos existe ainda o dia 19 de abril, Dia do “Índio”. Esse termo não é considerado o mais adequado para se referir aos povos indígenas, seja pela reprodução do estereótipo que a palavra ainda carrega ou por ele não ser capaz de dar conta de toda a diversidade existente nas comunidades em questão, compostas por povos e características diferentes.

No Brasil, que tem em sua formação ainda a base do colonialismo, a história em relação aos indígenas é marcada por um processo de apagamento e extermínio. A invasão portuguesa (e não descobrimento, como muitos ainda insistem em dizer) no país foi a primeira ação planejada para isso. Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), a população indígena era de aproximadamente 3 milhões de habitantes em 1500. No último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, o Brasil tinha 896,9 mil indígenas. Essa população foi – e ainda é – submetida a um processo de  genocídio e, além disso, de etnocídio. Segundo a ONU, “Genocídio é um crime cometido com o intuito de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, ético, racial ou religioso”. Já no etnocídio, existe a intenção de exterminar não só os corpos, mas também as culturas dos povos ou etnias. Exterminar a cultura de uma etnia é acabar com sua pretensão de futuro, de continuidade enquanto comunidade.

 Desse modo, pensar e manter a cultura dos povos indígenas é uma forma de continuidade dos povos originários. Emerson Chaves de Oliveira é integrante do povo Baré, do Alto Rio Negro – Amazonas. Cursando Mestrado Profissional em Linguística e Línguas Indígenas (Profllind) no Museu Nacional/UFRJ, o estudante pretende iniciar um estudo sobre o contexto sociolinguístico em escolas indígenas em São Gabriel da Cachoeira – município onde mora –, analisando os espaços de uso do português e do nheengatu. Para Oliveira, o Brasil é um território indígena, portanto, pertence aos povos indígenas – os nativos e os verdadeiros donos desta terra. Apesar disso, o pesquisador reflete que, desde a invasão dos colonizadores brancos, essa população vem sofrendo retrocesso com perda de cultura, de língua e de povos. Por isso, ele acredita que é muito importante manter viva sua cultura e respeitá-la.

São Gabriel da Cachoeira apresenta a maior concentração de população indígena no país, abrangendo aproximadamente 98% dos habitantes, com 23 povos e 750 comunidades. Para o pesquisador, são eles os verdadeiros responsáveis pela existência da Amazônia:

“Se não houvesse luta, eu acho que a Amazônia não existiria mais. As comunidades indígenas que estão na base são as que mantêm o meio ambiente de pé”, diz Emerson.

E completa: “Aqui os povos indígenas têm suas terras demarcadas e são responsáveis por manter o meio ambiente, a cultura, seus rituais. Temos uma conexão muito forte com a natureza. Ela é o nosso sustento, nossa família. Respeitamos muito a natureza, e a importância de nossa cultura estar viva é isso.”

Marci Fileti Martins, professora e pesquisadora do Profllind, destaca a importância do conhecimento indígena para questões como a crise ambiental.

Ela salienta ainda a importância do conhecimento milenar sobre a biodiversidade do território em que vivem – ou um dia viveram, visto que muitos tiveram suas terras usurpadas –,  além de práticas de cura relacionadas ao uso de plantas medicinais, tradicionalmente conhecidas pela cultura popular no Brasil e cada vez mais reconhecidas pela comunidade científica.

“O que os especialistas sobre esse assunto têm constatado é que o modo como os povos indígenas se relacionam com a natureza também garante a preservação da biodiversidade, ou seja, esses povos têm muito a nos dizer sobre o uso sustentável dos recursos naturais.”

A oralidade é a principal forma de transmissão da cultura dos povos indígenas.  Sendo assim, as línguas indígenas são importantes meios para a manutenção de suas tradições.

“O Censo do IBGE de 2010 identificou 274 línguas que são faladas por 305 etnias. Muito poucas se comparadas à estimativa de 800 línguas faladas no território quando da chegada dos invasores europeus, a partir do século XV. Uma questão importante que o Censo de 2010 não foi capaz de mostrar é que a grande maioria das línguas indígenas está seriamente ameaçada, pois tem um número de falantes muito reduzido. Algumas têm menos de 50 falantes e não são mais transmitidas para as crianças. Mesmo o ticuna (AM), com 34 mil falantes, o guarani kaiowá (MS), com 26,5 mil, e o kaingang, (RS, SC, PR, SP) com 22 mil, são consideradas línguas ameaçadas, se levarmos em consideração o alcance e o domínio que o português exerce como língua majoritária.”, afirma Marci.

Assim, a professora destaca o papel da Linguística nesse cenário, que, dentre outros objetivos, fornece subsídios para enfrentarmos a situação. Segundo ela, alguns pesquisadores têm traçado trabalhos em uma perspectiva diferente da comunidadelinguística como um todo, que tradicionalmente estudou as línguas indígenas apenas de uma perspectiva teórica. Esses profissionais estão comprometidos com um trabalho que busca levar em consideração as demandas que as próprias comunidades indígenas têm para suas línguas. Nesse sentido, a Linguística, assim como outras áreas de conhecimento, está investindo na formação de indígenas tanto no nível da graduação quanto de pós-graduação. Por meio dessa política, falantes das diferentes línguas indígenas passam a ocupar espaço nas universidades. A UFRJ, por meio do Profllind, pode ser citada como uma das instituições de ensino superior que trabalha no sentido de garantir o devido protagonismo dos indígenas também em ambientes acadêmicos. O Programa é pioneiro no país por oferecer 70% do seu total de vagas (14 do total de 20) a candidatos autodeclarados indígenas.

Para Emerson, o espaço universitário é de extrema importância, pois existe uma troca de saberes. Os alunos que não conhecem a cultura de um povo têm a oportunidade de conhecê-la, lhe dar valor, entender a luta. Ele destaca que a partir de rodas de conversas e congressos existe a possibilidade de transmissão de conhecimento.

A Constituição de 1988, em seu artigo 231, assegura: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Existem também leis que, em teoria, tornam obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, sejam eles públicos ou particulares. Essa obrigatoriedade não se dá, no entanto, em relação aos estabelecimentos de ensino superior ou para cursos de formação de professores (licenciaturas). Dessa forma, sobra uma grande lacuna. Se os professores não têm nenhum tipo de formação étnico-racial nas graduações, como eles vão oferecer esse conteúdo nas salas de aulas quando estiverem lecionando? Na prática, o que ainda se vê em relação à cultura indígena nas escolas são os alunos saindo fantasiados do que as pessoas consideram ser a figura do indígena, de forma extremamente estereotipada.

Este texto foi originalmente publicado por Conexão UFRJ de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Vitor Barreiros

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