Por Andrew Johnson, em Mongabay | Em uma tarde úmida de julho, quando o sol começava a descer sobre o Rio Xingu, na Amazônia brasileira, uma jovem mãe preparava o café da tarde quando seu telefone tocou. Quando atendeu, uma voz feminina alegou ter informações importantes para compartilhar. “Manda um áudio”, respondeu a mãe, distraída por panelas fervendo e uma criança brincando no chão de concreto. “Não posso”, disse a voz, urgentemente, através de uma conexão fraca. “Eu tenho que falar com você agora.”
A mulher relatou que pistoleiros estavam na área procurando por um membro da comunidade que havia deixado a cidade. Ele era um opositor declarado de um projeto de mineração local e havia recebido ameaças. A mãe ficou muito preocupada: conhece o homem desde criança, e agora ele talvez nunca mais possa voltar para casa e para sua família. Na Vila da Ressaca, todos temem constantemente pela segurança uns dos outros. Segundo um levantamento da Global Witness, o Brasil é o país mais perigoso do mundo para os defensores do meio ambiente.
A Vila da Ressaca, uma comunidade de cerca de 600 moradores próxima a Altamira, no Pará, fica no meio da Volta Grande do Xingu, um ponto onde o rio faz uma grande curva e abriga uma rica sociobiodiversidade. Suas poucas dúzias de barracos de madeira cercados por florestas, pastagens e garimpos artesanais são o marco zero da saga da mineradora canadense Belo Sun e seu plano de construir a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil, às margens do rio. Moradores, especialistas e ONGs vêm alertando há anos sobre os riscos apresentados a um ecossistema que já sofre com os efeitos de uma das maiores hidrelétricas do mundo.
Inaugurada em 2016 diante de intensa oposição, a vizinha usina de Belo Monte desvia até 85% das águas do Xingu para alimentar suas dezoito turbinas — uma sentença de morte para o rio. Como se isso não bastasse, a região continua sofrendo com a violência ligada à grilagem de terras, desmatamento e mineração clandestina que se agravaram desde a conclusão da barragem.
“Estamos morrendo de fome, comendo só banana”, diz Manuel, 71 anos, morador do Galo, comunidade ribeirinha vizinha à hidrelétrica onde centenas de moradores já abandonaram suas casas. “A gente pescava no verão, agora é só lama.”
O projeto Volta Grande da Belo Sun exige que as centenas de famílias que construíram Ressaca do zero abram caminho para duas enormes crateras com 300 metros de profundidade cada e uma barragem de rejeitos com cerca de treze andares de altura. Este último, segundo especialistas, corre um “risco inaceitavelmente alto” de ruptura que inundaria a área circundante com até 9 milhões de metros cúbicos de lodo tóxico em poucos minutos. O cianeto usado no processo de separação de ouro pode contaminar um ecossistema precioso já na beira do colapso.
Mas embora o foco do conflito esteja na Vila da Ressaca, ele não exclui vizinhos como as Terras Indígenas (TIs) dos povos Yudjá/Juruna e Arara, bem como uma meia dúzia de comunidades indígenas tradicionais e não demarcadas a jusante que ainda não foram devidamente consultadas. Com as licenças da Belo Sun atualmente suspensas através de várias contestações legais, o destino do projeto e dos que vivem sob sua sombra estão presos em um limbo tenso.
Mesmo assim, “as comunidades não desistiram de lutar pelo território, continuam fazendo denúncias nos órgãos de direitos humanos dentro e fora do país”, declara Ana Laíde Barbosa, representante do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, que apoia comunidades marginalizadas lutando por seus direitos e pelo meio ambiente. “Estão se articulando entre si através dos núcleos guardiões e com outros povos como os Munduruku do Tapajós, fazendo formação sobre o protocolo de consulta e sobre seus projetos de vida.”
Por quase uma década, as comunidades que lidam com as consequências de Belo Monte sofreram com o processo de consulta defeituoso da Belo Sun, que, argumentam os especialistas, repetidamente ignorou o direito dos moradores à consulta prévia, livre e informada.
A partir de 2012, moradores da Ressaca e comunidades vizinhas reclamaram que a empresa estava restringindo o acesso às áreas públicas, pressionando os moradores a vender suas casas e estimulando a compra ilegal de lotes, alguns dos quais em terras pertencentes ao Estado. A mineradora contratou uma empresa de segurança privada, a Invictus, cujos funcionários realizam patrulhas com revólveres enquanto monitoram, questionam e intimidam os cidadãos em áreas públicas.
Frustrados com a falta de progresso, os apoiadores locais do projeto da Belo Sun culpam os críticos por impedir o desenvolvimento tão necessário em uma região em que faltam empregos e investimentos em educação, saúde e infraestrutura. Mas a verdade é que o projeto oferecerá poucas oportunidades para trabalhadores sem as habilidades técnicas e o treinamento que a mineração moderna em grande escala exige.
“A gente sabe trabalhar manualmente, mas esse empreendimento será totalmente mecanizado e de alta tecnologia”, diz Josué, 46 anos, morador de Ressaca de longa data. “Se você não tem estudo, não tem formação e se muda para a cidade, vai se acabar.”
Na esteira das impugnações judiciais que suspenderam a Licença de Instalação (LI) da empresa no início deste ano, as ameaças de violência contra defensores do meio ambiente e dos direitos humanos aumentaram em intensidade e gravidade. Um líder comunitário idoso em Ressaca que tem criticado a Belo Sun foi abordado na rua e ameaçado por um morador local que se diz ser a favor do projeto. Uma mulher relatou ter sua casa invadida por vários homens antes de ser ameaçada a ficar quieta. Depois de receber várias ameaças, um terceiro líder comunitário foi forçado a sair da vila e atualmente está sendo apoiado pela organização internacional de direitos humanos Frontline Defenders.
Outros relatam que têm medo de ir a qualquer lugar sozinhos ou estão sendo monitorados por estranhos. Vários moradores alegaram que vendedores locais e fornecedores de transporte fluvial na cidade estão cobrando preços exagerados em meio a uma crise econômica com inflação alta para forçar os críticos do projeto a deixar a comunidade. A Vila de Ressaca tem acesso à cidade de Altamira tanto pelo rio Xingu quanto pela estrada Transassurini com sua ligação de balsa, mas a voadeira é o meio mais rápido e também o mais seguro, pois os acidentes são frequentes na região que não tem presença policial constante. Todos os entrevistados tiveram suas identidades retidas devido ao risco de represálias.
“[Os apoiadores da Belo Sun] não querem a gente mais aqui”, relatou um morador que recebeu ameaças. “Eles ou alguém de sua família acham que vão se beneficiar deste projeto, então eles levam para o lado pessoal.”
A eleição de 2018 do presidente de ultradireita Jair Bolsonaro viu Belo Sun ganhar aliados no Governo Federal. Uma lei controversa apresentada pelo governo visa abrir as Terras indígenas à extração “irrestrita” de recursos naturais. Juntamente com a Funai (Fundação Nacional do Índio), a Belo Sun pressionou por reuniões privadas com comunidades indígenas contra os protocolos nacionais de saúde durante o auge da pandemia de covid-19, que tirou a vida de mais de mil indígenas no Brasil.
No final do ano passado, uma investigação revelou que a Belo Sun havia fechado um acordo com o Incra, órgão federal responsável pela reforma agrária, abrindo 24 quilômetros quadrados de terra para uso da empresa em troca de caminhões, laptops, GPS e uma porcentagem indeterminada de sua receita de mineração. Várias famílias cujos lotes faziam parte do acordo relataram que nem sabiam do acordo. Embora sua legalidade tenha sido contestada por defensores públicos nos níveis estadual e federal, a decisão do juiz ainda não foi tomada.
No início do ano passado, Bolsonaro assinou um decreto delineando a política Pró-Minerais Estratégicos de seu governo, que visa acelerar o licenciamento ambiental para projetos “estratégicos” como o da Volta Grande. Em abril, a Agência Federal de Mineração (ANM) nomeou um ex-diretor da Belo Sun para o cargo responsável pela região de Volta Grande.
O presidente e seu vice, o general aposentado Hamilton Mourão, realizaram reuniões pessoais separadas com Stan Bharti, fundador da empresa de ativos Forbes & Manhattan (F&M), com sede em Toronto. Bharti atuou anteriormente como diretor da Belo Sun, enquanto a F&M é listada como “consultor” pago nos relatórios de acionistas da mineradora. A F&M também é proprietária de outro projeto de mineração controverso no estado vizinho do Amazonas, acusado de realizar exploração ilegal em território indígena sem consentimento local.
Os últimos quatro anos de Bolsonaro viram um esforço legislativo, executivo e retórico para maximizar a extração de recursos na região amazônica do Brasil, rica em minerais. Isso corresponde a níveis recordes de desmatamento e violência ligados à apropriação ilegal de terras, com setembro marcando o pior mês de desmatamento em mais de uma década. A administração do Bolsonaro também foi criticada por sua ampla negação de reivindicações de Terras Indígenas, algumas das quais estão sob revisão há anos.
“Dizem que não somos indígenas”, diz Iranilde Juruna, 58 anos, que vive em uma comunidade indígena conhecida como Mayaká, que fica dentro de uma área de extensão da TI Paquiçamba. Dona Iranilde afirma que foi expulsa da TI por ser contra a Belo Sun. “Sou neta da matriarca [do Paquiçamba]. [A TI] não existiria sem o meu pai. A gente só quer respeito.”
A líder comunitária representa um das várias comunidades ao longo da Volta Grande do Xingu que afirmam que suas existências estão ameaçadas pela proposta do Belo Sun, mas que estão sendo ignoradas por suas terras não serem reconhecidas. No atual governo de Jair Bolsonaro, nem um centímetro de Terra Indígena foi demarcado.
Raphaela Xipaya, de 33 anos, diz estar frustrada por uma empresa canadense decidir quem é indígena e quem é digno de consulta. “Batem no peito dizendo que os indígenas foram consultados, mas não tem só os Juruna [da TI Paquiçamba] aqui”, declara, citando outros povos indígenas não aldeados, como os Kuruaya, que, assim como sua família, vivem há décadas às margens da Volta Grande. Raphaela também lamentou o afluxo descontrolado de colonos não indígenas na casa ancestral de sua família. “Não há mais terra. Estamos lutando para permanecer e manter o que é nosso.”
Este texto foi originalmente publicado por IPAM de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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