Por Carol Correia em Conexão UFRJ | Um estudo realizado por pesquisadores da Marinha, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e do Instituto de Geociências da UFRJ vem investigando uma lenda popular de Arraial do Cabo, cidade litorânea do Rio de Janeiro. A Nuvem do Farol, presente em registros desde o início do século XIX, aparece sempre no mesmo lugar, inspirando curiosidade em todos que conhecem esse mistério meteorológico.
Fenômeno raro, a nuvem misteriosa é gerada por uma composição natural bastante particular. O relevo é o principal dos fatores para o evento – somado a outros elementos, como a temperatura do mar e a direção do vento, começa a se criar o ambiente perfeito para a formação. Mas o fator necessário e mais curioso é a estabilidade da atmosfera, ou seja, a nuvem só se forma em tempo aberto.
Segundo Fabiana Lima, jornalista e especialista em Clima e Energia pela Uenf e pela UFRJ, a pesquisa busca identificar a matemática por trás do fenômeno, que, se comprovada, poderá considerar a nuvem como um radar natural.
“A descoberta poderá garantir para toda região, apenas com uma olhadinha, qual será o tempo no dia. Isso por si só já torna a nuvem cientificamente muito especial, mas ela diz mais, revela muito sobre o nosso passado”, conta a pesquisadora, ressaltando os fatos históricos que tiveram a nuvem como pano de fundo.
Durante 25 anos o Império brasileiro brigou com o fenômeno, sem dar ouvidos à sabedoria do povo local. No século XIX, as águas ao redor do que hoje se conhece como Arraial do Cabo eram uma importante rota marítima de exportações e importações do Brasil, mas as formações rochosas eram um perigo para a continuidade das viagens, causando acidentes como o naufrágio da fragata Thetis, que culminou na morte de 28 homens e na perda de ouro e prata. Foi daí que surgiu a ideia de se construir um farol para iluminar o caminho e garantir uma travessia mais segura.
A escolha do morro foi criticada pelos habitantes que já sabiam da presença da nuvem. Registros da época mostram que a população advertiu que a “neve”, como era conhecida, atrapalharia o funcionamento do farol. Finalizada em 1836, a construção – que durou três anos à base de trabalho escravo – acabou por se tornar o fiasco previsto pelos moradores. A nuvem atrapalhou o feixe de luz e tornou impossível o funcionamento do farol. Os portugueses ainda teimaram por alguns anos, culpando os vidros e as árvores, mas nada venceu o fenômeno da natureza. Mais de duas décadas depois da inauguração, outro farol foi construído e, enfim, as rotas puderam se tornar mais seguras.
“A história mostra a dificuldade das últimas gerações, que, sem os conhecimentos científicos necessários, poderiam ter poupado tempo, recursos e a vida de muitas pessoas que sucumbiram nas águas da região. Se o Império brasileiro soubesse que a nuvem ficaria sobre o feixe de luz, teria feito a construção em outro lugar ou não teria investido tanto em soluções sem resultado”, conta Lima.
A pesquisa da jornalista começou após uma reportagem que produziu sobre a famosa nuvem. A inquietação sobre o tema chegou até sua orientadora na Uenf, Maria Just, que agregou pesquisadores da Marinha e da UFRJ ao grupo. Wallace Menezes, responsável pelo estudo no Departamento de Meteorologia (Igeo/UFRJ), explica que o fenômeno é chamado de efeito orográfico – nuvens que se formam a partir de uma corrente de ar que passa por uma formação rochosa.
“Quando o ar em movimento, que pode ser um vento forte ou fraco, atinge a montanha, ele é forçado a subir. Assim ele começa a se resfriar e pode atingir o seu ponto de saturação, passando pelo processo de condensação e formando as gotículas de nuvem. Sempre que há uma condição favorável, a montanha faz com que a nuvem se forme.”
Menezes esclarece que, quando as condições não são boas, a nuvem se dissipa, formando-se uma nova no mesmo local quando os fatores, como o clima estável e a temperatura do mar, voltam se tornar favoráveis. “A montanha é o elemento principal: se não tivéssemos essa formação rochosa, a nuvem não existiria.”
De acordo com o professor, a pesquisa teve início com o trabalho de Fabiana Lima, trazendo a tona a história; continuou com a atuação da Marinha, que identificou que a nuvem surgia em condições de tempo bom e ensolarado. Agora, o Departamento de Meteorologia começa a atuar com a análise de dados e modelagem numérica.
Com os softwares e programas computacionais – que trazem modelos meteorológicos e equações avançadas –, os pesquisadores tentarão descobrir informações mais detalhadas, como a direção do vento, quantidade de vapor da água, entre outras questões, para identificar, com mais exatidão, quais os parâmetros que contribuem para a formação da nuvem.
“A pesquisa, principalmente com a modelagem numérica, vai nos ajudar a desvendar esse mistério e, além disso, contribuir para um conhecimento adicional sobre os fenômenos em geral, ajudando a fortalecer as previsões meteorológicas e a ciência”, conclui Menezes.
A história completa pode ser conhecida no trabalho produzido pela jornalista Fabiana Lima.
Este texto foi originalmente publicado pela Conexão UFRJ de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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