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Pesquisa aponta para conexão entre alterações climáticas e surtos de doenças na sociedade romana


No século VI d.C., a Praga de Justiniano assolou o mundo, deixando uma marca na história como uma “peste, pela qual toda a raça humana quase foi aniquilada”, conforme registrado pelo historiador bizantino Procópio. Estudos indicam que até metade da população do Império Romano, juntamente com dezenas de milhões em todo o Mediterrâneo, sucumbiram à pandemia, agora reconhecida como um surto de peste bubônica. Os relatos da época descrevem a doença como começando com febre, seguida de inchaço na virilha e nas axilas, e frequentemente levando à morte após coma ou delírio. Segundo Procópio, “nesta doença não havia nenhuma causa que estivesse dentro do domínio do raciocínio humano”.

Um estudo recente, divulgado nesta sexta (26) na revista Scientific American, lança luz sobre essas pandemias e sua possível ligação com as mudanças climáticas. Os períodos de tempo frio e seco na península italiana coincidiram com os surtos de grandes pragas no império romano, revela a pesquisa, sugerindo que as alterações climáticas desencadearam tensões na sociedade romana que culminaram em pandemias devastadoras. Para os cientistas envolvidos, a correlação foi tão clara que despertou uma reação de surpresa. “Foi um daqueles momentos em que, como cientista, você diz, ‘Uau'”, comenta Karin Zonneveld, micropaleontóloga do Marum – Centro de Ciências Ambientais Marinhas da Universidade de Bremen, na Alemanha, e coautora do estudo.

A pesquisa, resultado de um esforço de uma década, destaca como as mudanças climáticas podem desencadear consequências catastróficas para sociedades despreparadas para lidar com suas consequências. Um aspecto particularmente alarmante é como essas descobertas ecoam nos desafios contemporâneos enfrentados pelo mundo diante do aquecimento global antropogênico.

Diante da escassez de medições diretas de temperaturas antigas, os cientistas recorrem a métodos indiretos, como os “proxies”, para reconstruir a história climática da Terra. No caso do estudo em questão, os pesquisadores utilizaram cistos fossilizados de microrganismos em sedimentos do fundo do mar do Golfo de Taranto, na Itália, para rastrear as mudanças climáticas ao longo de séculos. Essa abordagem revelou períodos de resfriamento que coincidiram com os relatos romanos de grandes pandemias.

É importante ressaltar que, segundo Kyle Harper, historiador da Universidade de Oklahoma e coautor do estudo, as pandemias não foram causadas diretamente pela queda de temperatura, mas sim pelas perturbações sociais que acompanharam as mudanças climáticas. Essas perturbações incluíram declínios na produção de alimentos e o aumento da presença de pragas como ratos e mosquitos.

Embora as causas específicas do resfriamento durante os surtos de pandemia da Antiguidade não sejam totalmente compreendidas, os registros climáticos indicam que o fenômeno era global, possivelmente associado a erupções vulcânicas em larga escala. Esse estudo multidisciplinar, que une história e ciência climática, exemplifica a importância da colaboração entre especialistas na interpretação de evidências históricas.

Para Seth Bernard, estudioso de história antiga da Universidade de Toronto, a pesquisa tem implicações diretas nas respostas contemporâneas às mudanças climáticas e pandemias. No entanto, ele destaca que os romanos viviam em uma condição de produção de alimentos próxima ao limite, o que os tornava especialmente vulneráveis às flutuações climáticas. Pequenas mudanças nas condições ambientais poderiam ter impactos significativos em sua subsistência.


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