A rota do lixo até o mar

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Por Carlos Fioravanti em Pesquisa Fapesp | Pode ser produtivo examinar os municípios do interior do país e as redes de rios para saber de onde vêm as garrafas plásticas, embalagens de xampus, cotonetes, sacolas, copos e talheres descartáveis, partes de caixas de isopor e outros materiais plásticos que chegam à costa brasileira e poluem o mar. Em um diagnóstico divulgado em outubro, elaborado pela Blue Keepers, projeto da Plataforma de Ação pela Água e Oceano do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, sete cidades sem praias marinhas – Manaus (AM), Teresina (PI), Brasília (DF), Goiânia (GO), Campo Grande (MS), Belo Horizonte e Contagem (MG) – despontaram como as cidades com maiores quantidades de lixo plástico descartado que chegam ao mar principalmente por meio dos rios Amazonas, Tocantins, São Francisco, Tietê e Paraná e seus afluentes. A elas se somam as cidades costeiras, desde Belém (PA) até Porto Alegre (RS), e duas capitais próximas ao litoral, São Paulo e Curitiba (PR).

Elaborado com base na renda per capita da população, no índice de saneamento e outros indicadores detalhados em um artigo publicado em outubro na Journal of Environmental Management, o diagnóstico aponta a região Norte como uma das principais fontes de materiais plásticos descartados no ambiente. Isso ocorre por falta de centrais de reciclagem e da vasta rede hidrográfica. A área com maior lançamento de lixo, por causa da grande densidade populacional, é a região Sudeste, além de partes da Centro-Oeste e Sul, cujos rios desaguam no rio Paraná.

A foz do rio Amazonas, a cidade de Belém, a foz do rio São Francisco, a baía de Guanabara, a lagoa dos Patos e a foz do rio da Prata, continuação do Paraná, foram indicadas como os locais com maior risco de vazamento de lixo plástico para o oceano, segundo o trabalho da Blue Keepers. Pesquisadores dos institutos Oceanográfico (IO) e de Estudos Avançados (IEA), da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), todos da Universidade de São Paulo (USP), e do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) participaram de sua elaboração, com apoio da Braskem e da Ocean Pact (ver mapa).

“O movimento dos plásticos rumo aos rios e ao mar depende muito da chuva, da inclinação do terreno e do vento”, disse Alexander Turra, do IO e da cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano do IEA, ao apresentar os resultados preliminares do levantamento no congresso Diálogos da Cultura Oceânica, realizado em Santos (SP) em outubro. Segundo ele, o vento pode transportar resíduos de aterros sanitários que estejam à beira de rios.

“O problema não é só das populações costeiras, mas também do interior do país; precisamos levar essas informações para dentro da casa de cada brasileiro, para evitar o escape de resíduos plásticos”, comentou Gabriela Otero, coordenadora da Blue Keepers. As duas principais metas desse projeto da ONU até 2030 são reduzir 30% da quantidade de plástico que chega à costa do Brasil e fortalecer a gestão de resíduos sólidos em 100 municípios brasileiros.

Cidades prioritárias

A primeira cidade a ser monitorada é o Rio de Janeiro. Outros municípios prioritários são Manaus, Belém, São Luís (MA), Fortaleza (CE), Natal (RN), João Pessoa (PB), Recife (PE), Maceió (AL), Aracaju (SE), Salvador (BA), Vitória (ES), São Paulo, Baixada Santista (SP) e Porto Alegre (RS). As medidas para reduzir a quantidade de lixo plástico fazem parte dos objetivos da Década do Oceano, criada pela ONU em 2020. Estima-se que, globalmente, 150 milhões de toneladas de plástico circulem nas águas marinhas atualmente.

De acordo com o estudo da Blue Keepers, cada brasileiro descarta em média 16 quilogramas de materiais plásticos por ano, dos quais boa parte apresenta alto risco de chegar ao mar. Valores mais altos foram registrados em municípios do litoral das regiões Sudeste e Sul que registram um grande aumento populacional durante o verão e feriados. Ainda de acordo com esse levantamento, chegam ao mar 3,4 milhões de toneladas de materiais plásticos descartados pelos brasileiros por ano, o equivalente a 47,8% dos 7,1 milhões de toneladas de plástico processado em 2021 no país, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast).

O estudo indicou que a coleta de resíduos plásticos deveria ser pensada regionalmente e não apenas em cada município, que pode não ser necessariamente a fonte, mas o destino dos materiais indesejados. Marcos Libório, secretário de Meio Ambiente da prefeitura de Santos, concordou: “Nossa praia é limpa diariamente, mas não é o suficiente. Precisamos trabalhar com os nove municípios da Baixada Santista”.

Por ser uma cidade turística, a população de Santos pode passar dos atuais 433 mil moradores para cerca de 1,5 milhão nas temporadas de verão com sol, aumentando o risco de produtos plásticos chegarem ao mar. Em campanhas realizadas entre o outono de 2019 e o verão de 2020, uma equipe formada por pesquisadores das universidades federais de São Paulo (Unifesp) e de Pernambuco (UFPE) e do Instituto Mar Azul (IMA) coletou 62.638 itens de lixo marinho nas praias da cidade. Desse volume, a proporção de materiais plásticos, incluindo espuma de poliestireno, usada em embalagens, variou de 64,8% a 72,5%, como descrito em um estudo publicado em fevereiro de 2021 na Marine Pollution Bulletin.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, prevê a definição de metas de redução, reutilização, reciclagem e a destinação ambientalmente adequada de materiais descartados para os próximos 20 anos. Em 2020, 74,4% dos municípios brasileiros haviam implantado, ainda que parcialmente, a coleta seletiva, uma das formas de atingir esses objetivos, mas 25,6% continuavam descartando os resíduos sem nenhum tratamento prévio, contrariando as normas vigentes, de acordo com o Panorama de Resíduos Sólidos 2021 da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Karen de Oliveira Silverwood-Cope, coordenadora-geral de Oceano, Antártica e Geociências do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), lembrou que ainda não há regulação para a gestão do plástico já despejado no ambiente.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

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