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Joel Henrique Ellwanger, Marina Ziliotto e José Artur Bogo Chies, pesquisadores nas áreas de genética e ecologia de doenças, defendem que a proteção do bioma pode prevenir doenças emergentes e promover a saúde física e mental

Por Joel Henrique Ellwanger, Marina Ziliotto e José Artur Bogo Chies em Jornal da Universidade UFRGS | O Brasil é internacionalmente conhecido pela imensa riqueza natural, sendo a imagem do país, no imaginário popular, fortemente associada à vastidão e diversidade de suas florestas. De fato a biodiversidade dos biomas florestais, Amazônia e Mata Atlântica, é facilmente detectada em decorrência da exuberância da vegetação. Nossos biomas não florestais (Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampa), porém, também contêm grande biodiversidade, apenas expressa de forma mais sutil do que nas florestas. Por exemplo, um estudo publicado em 2018 por pesquisadores da UFRGS registrou 56 espécies vegetais em uma área de apenas 1m2 do Pampa.

Apesar da identificação dos gaúchos com as tradições e os costumes popularmente associados ao Pampa, pouca atenção está voltada à preservação de sua biodiversidade.

Apenas 1% do Pampa está sob proteção estrita, e dados recentes divulgados pelo MapBiomas confirmam que esse importante bioma está extremamente ameaçado, com um aumento de 92% na perda de sua vegetação no período entre 2020 e 2021. Essa perda está vinculada principalmente à conversão da vegetação natural em pastagens plantadas e em áreas destinadas ao cultivo de monoculturas, como arroz e soja. Mesmo a criação de gado, atividade compatível com o Pampa, pode se tornar prejudicial ao bioma no caso de excesso de animais. Outros fatores também contribuem para a degradação do Pampa, incluindo a ocupação do bioma de forma desordenada, a poluição e a mineração.

A perda do Pampa é preocupante porque prejudica serviços ecossistêmicos fundamentais para a vida de humanos e de espécies selvagens, como a polinização, a captura de dióxido de carbono (CO2) e a regulação do clima e dos ciclos da água. Em carta recentemente publicada na revista Science, destacamos a importância da biodiversidade do Pampa para a manutenção da saúde humana e ambiental. Destacamos a seguir três pontos mencionados na publicação: prevenção de zoonoses e doenças emergentes; sistema imune saudável e saúde mental; e redução da poluição.

Em ecologia, existe um conceito conhecido como “efeito diluição”, significando que em áreas com grande biodiversidade há uma diminuição da “concentração” de animais hospedeiros e de vetores de patógenos devido à quantidade aumentada de espécies. De forma simplificada, a biodiversidade reduz os riscos de transmissão de doenças que podem afetar humanos e animais, as zoonoses. Já ambientes com pouca biodiversidade estão associados a um maior risco de ocorrência de doenças. Além da redução do efeito diluição, a perda da biodiversidade aumenta as chances de surgimento (emergência) de novas doenças através de outros mecanismos. Atividades como remoção da vegetação e caça de animais silvestres facilitam o contato de humanos com outros animais, favorecendo a transmissão de patógenos entre diferentes espécies.

Ou seja, a preservação do Pampa é fundamental para a prevenção de zoonoses e doenças transmitidas por vetores.

A perda da vegetação do Pampa, em associação com a pecuária excessiva, contribui para a liberação de CO2 e metano na atmosfera, promovendo mudanças climáticas, outro fator fortemente associado ao risco aumentado de emergência e à disseminação de doenças infecciosas. Ondas de calor e frio extremo também causam importantes prejuízos à saúde humana, afetando especialmente os idosos. Secas e problemas na produção de alimentos decorrentes das mudanças climáticas impactam a saúde da população pelo empobrecimento econômico e pela redução da segurança alimentar. Essas informações evidenciam que a preservação do Pampa é essencial para o controle das mudanças climáticas e a redução dos riscos de saúde associados a elas.

O Pampa “clássico” é popularmente associado aos campos de gramíneas observados nas regiões de fronteira com a Argentina e o Uruguai. Isso está correto, porém o bioma também está presente em áreas mais urbanizadas do Rio Grande do Sul, mesmo que de forma mais fragmentada. Porto Alegre, por exemplo, encontra-se geograficamente na transição entre Pampa e Mata Atlântica. Nesses locais mais urbanizados, mas que ainda preservam parte da vegetação natural, interações entre a população gaúcha e o Pampa também ocorrem com alta frequência. Tais interações trazem importantes benefícios para a saúde. Por exemplo, o contato com a natureza contribui para que o sistema imunológico de crianças se desenvolva de forma saudável.

A interação com um ambiente biodiverso, através do consumo de alimentos variados e do contato com microrganismos naturalmente presentes no ambiente, é importante para a manutenção de uma microbiota saudável, permitindo a incorporação de uma ampla gama de microrganismos benéficos à saúde humana. 

É difícil mensurar exatamente os efeitos do contato com a natureza sobre a redução de estresse e ansiedade. No entanto, é inegável um sentimento de bem-estar e relaxamento após um passeio no campo ou um piquenique. A boa notícia é que não é necessário viajar para entrar em contato com o Pampa. A vegetação do bioma também pode ser apreciada em áreas urbanas, como no Jardim Botânico de Porto Alegre. O contato com a biodiversidade do Pampa promove a saúde mental e o bem-estar da população gaúcha.

O uso inadequado e excessivo de pesticidas, no entanto, causa uma série de problemas à saúde humana, além de contaminar o ambiente e prejudicar espécies nativas, preocupações importantes no Pampa. Incentivar práticas agrícolas sustentáveis, como a agricultura familiar e a agroecologia, é alternativa que contribui para preservar a biodiversidade do bioma e reduzir as áreas de monocultura, altamente dependentes de pesticidas.

A vegetação do Pampa também favorece a remoção de poluentes atmosféricos e reduz a poluição sonora, funções importantes, principalmente em regiões urbanizadas.

Proteger o Pampa significa mais do que preservar a identidade cultural dos gaúchos; é uma estratégia crítica para a preservação tanto da saúde humana quanto da ambiental, ambas intimamente ligadas pela perspectiva One Health (ou Saúde Única). A “Carta aberta à sociedade gaúcha pela proteção do Pampa”, publicada recentemente pela Coalizão pelo Pampa, traz diretrizes e estratégias práticas para o uso sustentável do bioma. A valorização do bioma Pampa não é apenas uma questão de preservação, mas um assunto essencial ao nosso bem-estar.

Este texto foi originalmente publicado por Jornal da Universidade UFRGS de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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