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Maior mobilização indígena do país chega a Brasília para continuar a luta contra os retrocessos na agenda socioambiental

Por Ayla Tapajós e Clarissa Tavares, do WWF-BrasilA cena se repete na capital federal há 18 anos. Durante o mês de abril, Brasília é ocupada pelo vermelho do urucum, o preto do jenipapo, o colorido dos cocares e missangas, o soar dos cantos e das danças que unem expressões culturais de todas as regiões durante a maior mobilização indígena do Brasil, o Acampamento Terra Livre (ATL). Ao longo de quase duas décadas, a mobilização cresceu e algumas edições tiveram variações, como no auge da pandemia, quando foi realizada virtualmente. Seu objetivo principal, no entanto, atravessa gerações. 

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“O Executivo se nega a cumprir com a demarcação das terras indígenas (TIs), um direito que é constitucional. Estamos buscando destravar os processos e mostrar que o Executivo colabora com essa paralisação porque (demarcar) é uma decisão política”, diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Em 2022, o ATL tem como tema Retomando o Brasil: demarcar territórios e aldear a política, e acontece de 4 a 14 de abril. A retomada, para os povos indígenas, é um termo que traduz uma estratégia de luta e resistência com o objetivo de garantir a vida e a permanência em seus territórios tradicionais, que estão cada vez mais ameaçadas. “Estamos vivenciando um dos piores cenários políticos já vistos no Brasil, com diversas violações, diversos retrocessos de direitos dos povos indígenas”, complementa Dinamam.

Os povos indígenas têm muitos motivos para se mobilizar. Em fevereiro deste ano, o governo federal publicou uma portaria no Diário Oficial indicando os projetos de lei considerados prioritários para o Executivo, incluindo propostas que afrontam diretamente os direitos indígenas e com impactos socioambientais fortíssimos.

É o caso do PL do Marco Temporal (PL 490/2007), que transfere a responsabilidade da demarcação de terras indígenas para o Legislativo e permite a abertura dessas áreas para a exploração hídrica, energética, da mineração e do garimpo. Assim como dos PLs da Grilagem (PL 2.633/20 e PL 510/21), que buscam anistiar e premiar os invasores de terras públicas, dentre elas TIs, e do PL do Vale-Tudo em Terras Indígenas (PL 191/2020), que libera esses territórios para a exploração de recursos minerais e hídricos, possibilitando, por exemplo, a construção de hidrelétricas.

“Qualquer PL desses que passe vai trazer sequelas para a vida dos povos como um todo, não só dos povos indígenas, mas de todos os povos tradicionais. Por isso a nossa resistência, por isso a nossa força, por isso dizemos não a esses PLs que afrontam a vida dos povos indígenas, que afrontam os nossos direitos”, destaca Puyr Tembé, presidente da Fepipa (Federação Estadual dos Povos Indígenas do Pará) e integrante da Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade).

Essa aliança anti-indígena entre os poderes Executivo e Legislativo tem sido acompanhada de forma atenta pelo movimento indígena. “Agora também entendemos que precisamos ocupar cargos estratégicos, principalmente dentro do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Como esse é um ano eleitoral, vamos buscar apoiar as candidaturas indígenas, incentivando as lideranças a concorrer”, afirma Dinamam.

O coordenador da Apib explica que é preciso levar o debate sobre os direitos indígenas já consolidado pelo movimento para dentro de espaços de poder, como a Câmara dos Deputados, que hoje nega acesso aos principais interessados. “Somos, inclusive, cerceados de adentrar nessa Casa que se diz do povo. Queremos entrar pela porta da frente para fazer esse debate por igual, em oposição a aqueles que atentam contra os direitos dos povos indígenas”, salienta.

Grilagem e garimpo ameaçam as terras indígenas

Nos últimos 40 anos, 20% da Amazônia brasileira foi desmatada. Atividade madeireira, grandes obras, abertura de rodovias, expansão do agronegócio, queimadas criminosas, garimpo e mineração são alguns dos responsáveis por esse índice. As terras indígenas, que funcionam como verdadeiros escudos contra a devastação, perderam apenas cerca de 2% de sua cobertura original no mesmo período. Mas a pressão é crescente. Tanto que, de 2019 a 2021, o desmatamento em TIs saltou 138% na comparação com os três anos anteriores, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

A grilagem de terras públicas, impulsionada pelo avanço da fronteira agrícola, o garimpo e a mineração ameaçam fortemente as terras indígenas na Amazônia e as comunidades que vivem ali. Atividades ilegais que podem ser legitimadas com a aprovação dos PLs da Grilagem e do Vale-Tudo em TIs pelo Congresso Nacional.

A Constituição veda a atividade minerária em terras indígenas, mas os territórios dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami, por exemplo, têm sofrido há décadas com a invasão de garimpeiros – problema que se intensificou nos últimos três anos e vem causando impactos profundos aos territórios e suas populações.

“Já estamos sofrendo nos nossos territórios ameaças dos garimpeiros e fazendeiros, pescadores, grileiros e outros. O PL 191 é muito perigoso para os povos indígenas, pois ele terá como resultado mortes e destruição. Vai acabar com os rios, poluídos por mercúrio. E causar impacto social com doenças, prostituição, bebida alcoólica… Esse é um dos PLs mais perigosos para os povos indígenas hoje”, frisa Dário Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami.

O impacto é o mesmo entre o povo Kayapó. “O garimpo está como gafanhoto dentro das terras indígenas. Sai destruindo tudo, entrando em toda parte e isso chega a um ponto que vejo como uma guerra dentro das terras indígenas porque gera muito conflito”, observa Maial Paiakan, do povo Kayapó.

Diante desse cenário, os povos Kayapó, Munduruku e Yanomami formaram uma aliança inédita buscando unir forças para lutar contra a invasão e a destruição de seus territórios. Durante o Acampamento Luta Pela Vida, em agosto de 2021, também em Brasília, eles lançaram uma carta-manifesto. E, em dezembro, oficializaram a formação da Aliança em Defesa dos Territórios. Lideranças explicaram que os três povos já fizeram dois encontros com o objetivo de fortalecer a resistência frente aos projetos governamentais que avançam sobre os direitos indígenas desconsiderando os principais afetados, os povos que ali vivem e que lutam para proteger suas terras.

“Chegou o momento em que a gente pensou em unir e somar forças como aliança. Principalmente entre a nova geração e os antigos, porque também fazem parte da aliança as lideranças que participaram do movimento (contra o garimpo) nas décadas de 1970 e 1980, como Megaron Txucarramãe e Davi Kopenawa, junto às novas lideranças que têm, além de mim, O-é Kaiapó, Alessandra Munduruku e Dário Yanomami”, reforça Maial.

Manifestação política e cultural

Ao longo dos anos, a mobilização indígena cresceu nacionalmente e ganhou força com a ocupação que os povos têm feito também no ambiente digital. Foi o que ocorreu no ATL de 2020, quando o evento foi realizado virtualmente em razão da pandemia e teve como resultados amplificação das vozes e, principalmente, das habilidades de jovens indígenas que ficaram mais visíveis nas redes sociais.

“A cada ano que passa, os povos indígenas vêm aprendendo a se mobilizar. Dois anos atrás, aprendemos a nos mobilizar pelas telas e depois fomos para as ruas… e a gente segue fazendo essa luta”, destaca Puyr Tembé.

O ATL é bem mais do que um grande movimento contra as principais ameaças que os povos indígenas sofrem. É um ato de manifestação política e cultural, no qual os povos celebram a vida e a possibilidade de estar juntos. “Todo mundo se junta, entende a importância de lutar, de somar, de fazer esse intercâmbio, de vir junto nessa grande mobilização, que é o momento também de confraternizar”, ressalta Puyr. 

A programação desta 18ª edição prevê debates sobre a advocacia indígena, o impacto do judiciário na vida dos povos indígenas, o presente e o futuro da saúde indígena, a participação das mulheres e da juventude indígenas, a educação indígena e, para unificar o movimento, a aliança dos movimentos sociais com a luta indígena. 

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A expectativa é de que o ATL 2022 seja um marco na história dos povos indígenas do Brasil, batendo inclusive o recorde de participação. No ano passado, mais de 6 mil indígenas estiveram em Brasília no Movimento Luta Pela Vida. E, durante os próximos 10 dias, os povos originários também estarão em massa na capital federal fazendo ecoar o grito de resistência e ensinando para o mundo que eles devem ser os porta-vozes das soluções para as crises ambientais. Como alerta a coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns, Auricélia Arapiun, “a sociedade tem muito a aprender com a nossa luta, porque é um movimento de fato de muita resistência”.

Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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