Ação de bioinseticidas também pode levar ao desenvolvimento de resistência por parte das pragas, problema que já afeta agrotóxicos tradicionais

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Por Marcos do Amaral Jorge em Jornal da Unesp |A necessidade de aumentar a produção de alimentos para atender ao crescimento da população humana, que deverá chegar perto dos 10 bilhões em 2050, e ao mesmo tempo diminuir o impacto dessas atividades sobre o ambiente, está levando empresas e pesquisadores a explorarem novas alternativas. Uma das vias mais promissoras envolve a substituição dos agrotóxicos pelos bioinseticidas, que são menos tóxicos e, por isso, menos danosos. Porém, um estudo que reúne pesquisadores da Unesp, do Reino Unido e da Suécia, liderado pela Universidade de Stirling, da Escócia, mostra que o uso destes produtos microbiológicos pode esbarrar em importantes obstáculos naturais, capazes de comprometer a sua funcionalidade.   

Segundo artigo publicado por estes pesquisadores, será preciso começar a adotar estratégias para retardar o desenvolvimento, entre as populações das pragas, de resistência aos inseticidas, principalmente aqueles de origem microbiana. Esse problema afeta principalmente as plantas transgênicas e os agrotóxicos convencionais, mas pode ser evitado no caso dos inseticidas de base biológica, uma tecnologia emergente no setor agrícola que é vista como opção mais sustentável para a proteção das lavouras.

Bioinseticidas são produtos biológicos que combatem pragas que atacam a lavoura. Mas, diferentemente dos defensivos químicos, eles são formulados a partir de microrganismos ou de moléculas derivadas destes organismos, o que os torna menos agressivos ao meio ambiente do que os agrotóxicos convencionais. Essa classe de produtos microbiológicos é dividida basicamente em três grupos principais, com formulações baseadas em fungos, vírus, nematoides ou bactérias.

No Brasil, crescimento expressivo

O perfil mais sustentável dos bioinseticidas tem contribuído para que ganhem cada vez mais espaço no agronegócio, principalmente no Brasil. Especialistas apontam que, enquanto a fatia de produtos de origem biológica cresceu pouco mais de 10% no mundo nos últimos anos, no Brasil essa classe de insumos registrou um crescimento superior a 60% no período. Apesar do crescimento vertiginoso, cabe mencionar que todos os produtos biológicos (parasitoides, predadores e microrganismos) ainda representam apenas 4% de todo o mercado de defensivos agrícolas no país.

A proposta do artigo publicado em março na revista Trends in Ecology and Evolution é aproveitar o momento de aumento no emprego da tecnologia como uma janela de oportunidade para estimular certas práticas que os especialistas designam como manejo da resistência. De forma geral, o manejo da resistência é um conjunto de estratégias que visam reduzir a velocidade das mutações genéticas capazes de conferir aos organismos resistência aos defensivos aplicados no campo.

Um exemplo óbvio mencionado no artigo a ser adotado entre os produtores rurais – válido inclusive para os pesticidas convencionais – é promover uma rotação periódica entre diferentes princípios ativos de produtos que são usados na lavoura. O objetivo da medida é reduzir a intensidade da exposição das pragas a um mesmo princípio ativo e, assim, retardar a seleção a longo prazo dos indivíduos resistentes dentro da população.

Um dos autores do artigo é o agrônomo Ricardo Polanczyk, docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, campus de Jaboticabal.  Polanczyk aponta que, embora crescente, a indústria dos produtos biológicos ainda é relativamente pequena, o que pode dificultar a diversificação de produtos. “Acredito que esse problema deve se resolver à medida que as empresas ganhem mercado e diversifiquem o espectro de ação dos seus produtos. De qualquer forma, existe uma série de maneiras de manejar o combate às pragas. Quando não houver uma variabilidade entre cepas de um mesmo microrganismo, é possível variar entre os microrganismos, aplicando um bioinseticida à base de fungo, depois um a base de vírus, por exemplo”, explica o docente, que conta com recursos da Fapesp e do Biotechnology and Biological Sciences Research Council (BBSRC), do Reino Unido, para o desenvolvimento do projeto de pesquisa Aumentando a diversidade para superar a evolução da resistência.

Para além da diversificação dos princípios ativos presentes nos defensivos, os autores também sugerem como técnica de manejo da resistência a diversificação das culturas e, se possível, a rotação dos locais em que são cultivadas. Isso porque a expressão dos genes das pragas que atacam as culturas depende, entre outros fatores, da influência do ambiente em que o organismo está inserido, em um fenômeno chamado interação gene-ambiente. Isso ocorre, por exemplo, por meio da alimentação das pragas a partir das culturas que elas atacam. Os autores argumentam que a variação das paisagens e das suas áreas de cultivo ajudaria a impedir, portanto, que as mutações genéticas, ao longo de seguidas gerações, fossem selecionadas por uma única cultura. Em suma, ao mudar o habitat agrícola, mudam-se também os genes das pragas que são favorecidos pela seleção, e isso pode retardar o desenvolvimento da resistência.

Resistência é observada em campo e no laboratório

Nos primórdios do uso dos bioinseticidas, acreditava-se que a resistência não seria um problema, fato refutado pelos autores com base em experiências em campo e em laboratório. Os pesquisadores mencionam, por exemplo, um bioinseticida adotado no início dos anos 1990, na Europa, para o combate de uma espécie de mariposa que ataca a macieira. Em meados dos anos 2000, observou-se a rápida evolução da resistência, ensejando a necessidade de troca do microorganismo em que o defensivo foi baseado, ou mesmo o desenvolvimento de outros produtos de base biológica para substituí-lo. Da mesma forma, tem-se observado o surgimento de resistência direcionada aquele que é provavelmente o bioinseticida bacteriano mais usado no mundo contra algumas espécies de insetos: o Bt, que é formulado a partir da bactéria Bacillus thuringiensis.

Mesmo com os relatos de resistência de populações de insetos a bioinseticidas surgindo, os pesquisadores afirmam que o manejo da resistência continua sendo uma prática negligenciada no campo. “Por ser um mercado ainda em crescimento, a pressão para eliminar os indivíduos resistentes ainda é reduzida”, diz Polanczyk. “No Brasil, por exemplo, ainda não há relatos de casos de resistência, mas o artigo está antecipando uma questão importante. A nossa preocupação é adotarmos as estratégias antes que essa resistência se torne um problema, como já ocorreu no caso dos transgênicos.”

O problema ao qual o professor se refere diz respeito à adoção tardia das estratégias para o manejo da resistência para o cultivo de plantas transgênicas. Uma dessas estratégias, a adoção de áreas de refúgio em que são mantidas em uma pequena área da lavoura apenas plantas convencionais não transgênicas, foi adotada tardiamente pelo meio rural. “A estratégia dos refúgios só foi estimulada quando a resistência já havia sido materializada. De certa forma, ela entrou na história como uma bengala, e não como um elemento do pacote principal dos transgênicos”, lamenta.

Num certo sentido, os inseticidas convencionais e as próprias plantas transgênicas pagam um preço pela sua alta capacidade de eliminar as pragas, explica o professor do câmpus de Jaboticabal. Ao eliminar todos os indivíduos suscetíveis de uma população de pragas, eles acabam selecionando apenas os resistentes. “Chega a ser contraditório mas, quanto maior a eficiência de um inseticida químico, mais rápido vai ocorrer a resistência”, diz. Ele reforça que muitas vezes a dinâmica da formação da resistência não é algo simples para ser observado pelo produtor. “A primeira percepção que o agricultor tem é que o produto não funciona. Então a tendência é aplicar de novo ou aumentar a dose. Isso traz uma série de consequências negativas para o meio ambiente e até elevação de custo da produção.“ Já a eficiência dos bioinseticidas, argumenta, costuma ficar entre os 80%. Essa taxa é capaz de refrear a praga e impedir que cause dano à lavoura, mas ao mesmo tempo permite a sobrevivência de alguns indivíduos suscetíveis, que na próxima geração vão acasalar com os indivíduos resistentes.

Evitar os equívocos cometidos com inseticidas químicos

Na visão de Polanczyk, ainda é tempo de empenhar esforços para a adoção do manejo da resistência por parte dos produtores, a fim de evitar uma repetição dos equívocos cometidos no uso dos inseticidas químicos e dos produtos transgênicos. Entretanto, esse processo precisa ser abraçado também pela indústria. “Essa orientação precisa entrar no posicionamento das empresas em relação aos produtos, na forma como elas vendem o produto ao produtor rural. Além disso, é importante uma atenção ao serviço de extensão rural, que também pode ser importante na adoção dessas práticas”, sugere.

Trabalhando com bioinseticidas desde a década de 90, Polanczyk reconhece uma série de fatores que sustentam a tendência no agronegócio por defensivos biológicos que vão desde a demanda de mercados consumidores, em especial na Europa, por produtos livres de agrotóxicos, até o alto custo do desenvolvimento de novas moléculas químicas, que pode chegar aos R$ 1,5 bilhão. “Já o desenvolvimento de um biológico novo custa no máximo R$ 50 milhões, então hoje vemos muitas empresas tradicionais de defensivos químicos migrando para o biológico”, aponta.

Na avaliação do docente, ainda deve demorar para que os produtos químicos sejam totalmente substituídos no campo. “Os biológicos ainda não são capazes de oferecer o tratamento de choque em casos de surto de pragas, por exemplo”, diz. “Os insetos estão aqui há 300 milhões de anos, e os nossos cultivos em grande escala ocorrem a apenas 100 anos. Essa disputa com a evolução é uma briga difícil de ganhar. Por isso é importante termos à disposição diferentes estratégias de manejo das pragas.”


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Unesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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