Por André Julião em Agência FAPESP | Ácaros encontrados em colônias de abelhas sem ferrão favoreceram a sobrevivência de até 69% das larvas e de 87% dos indivíduos jovens desses insetos na presença do tiametoxam, inseticida largamente usado no Brasil e proibido na União Europeia, ainda que exportado por países europeus para cá.
Os resultados são de um estudo apoiado pela FAPESP e publicado na revista Scientific Reports por pesquisadores das universidades Estadual Paulista (Unesp) e Federal de São Carlos (UFSCar).
Nos ensaios em que não houve exposição a inseticidas, a sobrevivência foi de até 96% quando havia ácaros presentes e entre 24% e 63% sem os ácaros. De modo geral, o estudo aponta que a presença dos pequenos aracnídeos da espécie Proctotydaeus (Neotydeolus) alvearii, especialistas em colmeias de abelhas sem ferrão, aumenta a sobrevida de larvas em cerca de duas vezes (2,3 vezes sem o inseticida e 1,9 com a substância).
As conclusões abrem caminho para a criação de soluções biológicas para prevenir a mortandade de abelhas, além de contribuir em futuros testes para medir o efeito dos agrotóxicos nas espécies sem ferrão.
“No começo, nem sequer sabíamos se os ácaros eram bons ou ruins para as abelhas. Não havia estudos a respeito. Agora, mostramos que eles ajudam as abelhas tanto comendo fungos, que provavelmente cresceriam demais e as sufocariam, quanto servindo de alimento para as larvas”, explica Annelise Rosa-Fontana, que realizou o trabalho durante pós-doutorado no Instituto de Biociências (IB) da Unesp, em Rio Claro, com bolsa da FAPESP.
“Quando os ácaros estavam presentes, tanto nos ensaios com inseticida quanto sem, pudemos observar ainda que as abelhas se desenvolveram melhor. As cabeças e os corpos eram significativamente maiores do que nas situações sem ácaros”, conta Adna Dorigo, que divide com Rosa-Fontana a primeira autoria do trabalho, parte de seu mestrado e do doutorado no IB-Unesp.
Quando chegam ao fim do ciclo de vida, é provável que os ácaros sirvam como fonte de proteínas para as larvas. Nos últimos dias da fase larval, os pesquisadores notaram que não havia mais ácaros nos ensaios in vitro, apenas ovos. O que sugere que os adultos sejam comidos pelas larvas de abelha.
Antes de serem encontrados em colônias da abelha Scaptotrigona postica, os ácaros analisados haviam sido registrados em colônias de outras abelhas sem ferrão. Descrita em 1985, a espécie é totalmente dependente desse ambiente, assim como outros ácaros podem se especializar nos mais diferentes nichos (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/um-zoologico-entre-as-penas).
As abelhas analisadas vêm sendo estudadas para serem incluídas em ensaios de toxicidade de inseticidas na região Neotropical, que inclui o Brasil. Esses testes são obrigatórios para a liberação do uso de substâncias na agricultura pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Os testes realizados atualmente, porém, têm como espécie modelo a Apis mellifera, abelha europeia introduzida no país. O território brasileiro, contudo, abriga cerca de 3 mil espécies nativas de abelhas, cerca de 300 sem ferrão.
Abelhas são importantes polinizadores tanto para plantas nativas quanto para a agricultura e podem morrer ou não conseguir voltar para o ninho quando expostas a agrotóxicos (leia mais em: agencia.fapesp.br/39896 e agencia.fapesp.br/38636).
Entender como se dá a relação entre diferentes culturas agrícolas, agrotóxicos e esses insetos é o tema do projeto “Interações abelha-agricultura: perspectivas para a utilização sustentável”, financiado pela FAPESP e coordenado por Osmar Malaspina, professor do IB-Unesp.
O projeto tem ainda entre os pesquisadores principais Roberta Nocelli, professora do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSCar e coautora do trabalho publicado agora, um dos muitos feitos no âmbito do projeto.
“Nosso laboratório exerce um papel fundamental no estabelecimento de protocolos de risco que possam dar subsídios a políticas públicas. As abelhas são fundamentais para os ecossistemas e para a atividade agrícola, por isso o foco de todos deve ser a conservação desses insetos”, afirma Malaspina, que coordenou o estudo.
Para o pesquisador, o trabalho contribui ainda para pensar em soluções baseadas na natureza. Produtos gerados da pesquisa poderiam tanto ser distribuídos gratuitamente a meliponicultores, produtores de mel a partir da criação de abelhas sem ferrão, quanto desenvolvidos em pequenas empresas inovadoras.
Tudo isso sem contar a formação de recursos humanos especializados. Rosa-Fontana atualmente é pesquisadora da Universidade Complutense de Madri. Em fevereiro, foi contemplada com financiamento do programa europeu Marie SkÅ?odowska-Curie Actions Postdoctoral Fellowship, um dos mais competitivos e de maior prestígio do mundo.
O prêmio consiste em um auxílio de € 172 mil para serem aplicados em sua pesquisa sobre ferramentas moleculares em avaliação de risco de agrotóxicos em abelhas europeias.
Dorigo, por sua vez, logo que terminou o doutorado no IB-Unesp foi contratada pela empresa Eurofins Agroscience Services, uma das maiores do mundo na realização de estudos toxicológicos para a avaliação de agrotóxicos. Atualmente, é pesquisadora e atua como diretora de estudos, onde continua realizando pesquisas na área.
O artigo Fungivorous mites enhance the survivorship and development of stingless bees even when exposed to pesticides está disponível em: www.nature.com/articles/s41598-022-25482-x.
Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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