Acordo de Paris é insuficiente para frear o aquecimento global, diz relatório

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Medidas mais drásticas para reduzir a emissão de gases estufa serão necessárias para evitar que o planeta esquente mais de 2°C até o fim do século, aponta análise coordenada por ex-presidente do IPCC que tem José Goldemberg entre os autores

Imagem: NASA/NOAA

Um grupo internacional de especialistas alerta que, caso não sejam adotadas medidas mais drásticas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa do que as estabelecidas no âmbito do Acordo de Paris, o teto considerado seguro para o aquecimento global – de 2°C acima dos níveis pré-industriais até o final do século – pode ser alcançado já em 2050.

A conclusão está no relatório “The Truth About Climate Change. (A verdade sobre a mudança climática), divulgado no dia 29 de setembro. A análise foi coordenada por Robert Watson, ex-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU). Entre os autores do documento está José Goldemberg, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Fapesp.

“O documento é um alerta de que não podemos ficar confortáveis apenas com os compromissos assumidos no Acordo de Paris. Mostramos que mesmo se todas as metas para 2030 forem cumpridas não será suficiente para evitar o aquecimento acima de 2°C. E parte dos compromissos assumidos pelos países depende de condições externas, como financiamento”, disse Goldemberg.

Em entrevista coletiva concedida pela internet, Watson ressaltou que, além de pressionar governos e empresas para adotarem medidas que visem reduzir as emissões, cada cidadão dever rever seus hábitos e dar sua contribuição. “Precisamos avaliar como estamos usando a energia em nosso dia a dia, aumentar a eficiência energética de nossa casa, preferir formas alternativas de transporte em detrimento dos carros individuais”, afirmou.

No relatório, os especialistas disseram haver ainda muitos mal-entendidos sobre o tema – e também muita desinformação disseminada de forma deliberada –, o que leva um grande número de pessoas a entender as mudanças climáticas como algo “abstrato, distante e até mesmo controverso”.

Para os cientistas, no entanto, não restam dúvidas de que o planeta está aquecendo – e ainda mais rápido do que se previa. Apesar das evidências científicas incontestáveis, afirmam, iniciativas para minimizar a mudança do clima têm sido postergadas e as emissões de gases-estufas continuam a crescer, o que torna o combate ao problema cada vez mais caro e difícil.

“O apoio da sociedade será crucial para acelerar as medidas de combate ao aquecimento global. Portanto, as questões seguintes têm como objetivo esclarecer mal-entendidos sobre as mudanças climáticas e sobre o Acordo de Paris”, apontaram os cientistas no relatório.

O documento reconhece que o Acordo de Paris foi bem-sucedido e representa um “passo decisivo para que sejam tomadas medidas coletivas relacionadas ao clima global”. O objetivo de longo prazo é manter o aquecimento global abaixo de 2°C – o mais perto possível de 1,5°C – até o final do século. Acima desse teto, segundo estimativas feitas pelo IPCC, cresceriam rapidamente os riscos associados a eventos climáticos extremos e à elevação do nível dos oceanos.

Em 2015, a temperatura média do planeta já superou a marca de 1°C acima dos níveis registrados na época pré-industrial. Para não extrapolar o limite proposto para o fim do século, seria necessário reduzir em 22% a emissão de gases de efeito estufa até 2030.

O relatório ressalta, contudo, que, no melhor dos cenários, se todas as metas propostas pelos 195 países forem totalmente cumpridas, as emissões devem se manter nos níveis atuais: 54 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (ou CO2eq, medida usada para comparar as emissões de diversos gases de efeito estufa baseada na quantidade de CO2 que teria o mesmo potencial de causar aquecimento global) por ano.

Se apenas forem cumpridos os compromissos assumidos de forma incondicional pelos países, ou seja, aqueles que não dependem de financiamento externo, transferência de tecnologia ou capacitação, as emissões devem crescer 6% até 2030. Sem o Acordo de Paris seria ainda pior: o aumento seria de 30%.

Metas brasileiras

No dia 21 de setembro, o presidente Michel Temer entregou ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, documento no qual o Brasil ratifica o Acordo de Paris. O país se comprometeu, de forma incondicional, a reduzir as emissões de gases-estufa em 37% até 2025, na comparação com os níveis registrados em 2005; e em 43% até 2030.

Para Goldemberg, a meta é “adequada”. Ele ressalta, no entanto, que por enquanto trata-se apenas de uma “manifestação de intenção”, pois não se especificou de que forma os objetivos serão alcançados.

“Faz parte da INDC [Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida, na sigla em inglês] brasileira, por exemplo, o reflorestamento de 12 milhões de hectares da Amazônia. Mas não se sabe quem vai plantar as árvores e com qual dinheiro. Há insegurança de como isso será feito”, disse.

Ainda segundo Goldemberg, no caso brasileiro, o maior impacto caso o limite de 2°C seja ultrapassado é a savanização da Amazônia. “Esse fenômeno alteraria o clima em todo o país, com grande prejuízo para a agricultura. A chuva que cai aqui no centro-sul vem da Amazônia”, ressaltou.

Goldemberg lembrou ainda os prejuízos associados à inundação de cidades costeiras, como Santos. Um estudo apoiado pela Fapesp estimou que o nível do mar na cidade pode aumentar entre 18 e 30 centímetros até 2050 e entre 36 centímetros e 1 metro em 2100. Sem medidas de mitigação e adaptação, os danos econômicos podem chegar a R$2 bilhões (veja mais aqui).

O relatório The Truth About Climate Change está disponível no site da Fundação Ecológica Universal dos Estados Unidos (FEU-US), sediada na Argentina. Acesse aqui.



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