Você sempre quis saber se o consumo de açúcar causa diabetes? A questão é controversa, mas a ciência pode fornecer algumas pistas
Açúcar causa diabetes, afinal de contas? Muitas pessoas acreditam – e afirmam! – que sim. Mas será que essa ideia generalizada corresponde à realidade?
Faz sentido pensar que o consumo de açúcar em excesso pode desencadear o diabetes, uma vez que a doença é caracterizada justamente por altos níveis de açúcar no sangue. No entanto, as principais organizações de saúde especializadas no assunto, a American Diabetes Association e Diabetes UK, rotulam essa noção como um mito.
De fato, a alimentação desempenha um papel importante na saúde do nosso corpo como um todo. Mas, segundo essas organizações, o consumo regular de açúcar – ou a ausência dele na sua dieta – não determina necessariamente se você desenvolverá a doença ou não.
Isso quer dizer que o açúcar está liberado? De jeito nenhum! Os açúcares adicionados, encontrados em alimentos processados ou na preparação de receitas – como o branco, o mascavo e adoçantes calóricos quimicamente fabricados – são verdadeiros vilões para a saúde.
Contudo, vários fatores, além da alimentação, estão envolvidos no desenvolvimento de doenças como o diabetes. Entre eles, destacam-se a genética e os maus hábitos. Entenda o que a ciência diz sobre a relação entre açúcar e diabetes.
Açúcar é o combustível do corpo
A glicose, um tipo de açúcar simples, é a responsável pelo funcionamento do nosso corpo. Assim como a gasolina alimenta seu carro, a glicose alimenta seus músculos, seu cérebro e todos os seus órgãos. A glicose vem de frutas e de alimentos ricos em amido, como grãos, feijão e batata, e seu corpo também pode produzi-la quando necessário. Sem ela, você morreria.
Diabetes é uma síndrome caracterizada por índices de glicose no sangue acima de valores considerados saudáveis. Existem três tipos de diabetes: tipo 1, tipo 2 e gestacional.
O diabetes tipo 1 é causado pela destruição das células do pâncreas produtoras de insulina, geralmente por meio de um processo autoimune. Os gatilhos para esse processo estão sob investigação e podem incluir proteínas lácteas, vírus ou outros fatores.
O diabetes tipo 2 geralmente começa com resistência à insulina. Ou seja, as células do corpo resistem aos esforços da insulina para escoltar a glicose para as células. Essa resistência parece ser provocada por um acúmulo de partículas microscópicas de gordura dentro das células musculares e hepáticas.
Essa gordura vem principalmente da dieta: gordura de frango, gordura de carne bovina, gordura de queijo, gordura de peixe e até gordura vegetal.
Para tentar superar a resistência à insulina, o pâncreas produz insulina extra. Quando o pâncreas não consegue mais acompanhar, o açúcar no sangue aumenta. A combinação de resistência à insulina e falência das células pancreáticas leva ao diabetes tipo 2.
Já o diabetes gestacional é semelhante ao tipo 2 e ocorre durante a gravidez. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o diabetes atinge mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, e a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) estima que 12 milhões de pessoas vivam com a doença no Brasil.
O que alimenta a epidemia de diabetes?
No Japão, China e outros países asiáticos, a transição de dietas tradicionais ricas em carboidratos (por exemplo, à base de arroz) para hábitos alimentares ocidentalizados, com baixo teor de carboidratos e ênfase em carnes, laticínios e alimentos fritos, foi acompanhada por um grande aumento na prevalência de diabetes.
Da mesma forma, nos Estados Unidos, uma dieta à base de carne (onívora) está associada a uma alta prevalência de diabetes, em comparação com os padrões dietéticos que enfatizam os alimentos derivados de plantas.
Em um estudo, depois de ajustadas as diferenças no peso corporal, atividade física e outros fatores, dietas onívoras foram associadas a quase o dobro do risco de diabetes, em comparação com uma dieta que omite produtos de origem animal.
O consumo de açúcar está caindo, mas o diabetes está aumentando. Por quê?
Nos últimos anos, virou moda culpar o açúcar por diversos problemas de saúde. No entanto, o consumo per capita de açúcar tem caído nos Estados Unidos desde 1999, quando a água engarrafada e as bebidas sem açúcar começaram a reduzir o número de refrigerantes das prateleiras.
Ao mesmo tempo, o consumo de queijo e alimentos gordurosos tem aumentado constantemente, assim como a prevalência de diabetes. Isso sugere que outros elementos, além do açúcar, estão impulsionando a epidemia de diabetes.
Vários estudos procuraram relações entre açúcar e risco de diabetes. Uma meta-análise de 2017, baseada em nove relatórios de 15 estudos incluindo 251.261 participantes, não encontrou nenhum efeito significativo dos açúcares totais no risco de desenvolver diabetes tipo 2.
Aqueles que consumiram mais açúcar na verdade tiveram um risco 9% menor de desenvolver diabetes, em comparação com aqueles que consumiram menos açúcar, embora a diferença não seja estatisticamente significativa (o que significa que pode ter sido um resultado casual).
Da mesma forma, a frutose não foi significativamente associada ao risco de diabetes. A sacarose parecia ter uma associação protetora significativa. Aqueles que consumiram mais sacarose tiveram 11% menos risco de desenvolver diabetes tipo 2, em comparação com aqueles que consumiram menos.
Outros estudos se concentraram não no açúcar em geral, mas especificamente em refrigerantes e outras bebidas adoçadas com açúcar. Muitos não encontraram nenhuma relação significativa, além das calorias extras do açúcar que levam ao ganho de peso.
Por exemplo, o Women’s Health Study, o Atherosclerosis Risk in Communities Study, o Black Women’s Health Study e o Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis não encontraram associações significativas entre o entre o consumo de açúcar e o risco de diabetes após ajuste para medidas de peso corporal. Alguns estudos obtiveram resultados mistos, exonerando a sacarose, mas indicando um papel da glicose e da frutose no aumento do risco.
Entretanto, uma meta-análise de 2015 resumindo os resultados de 17 estudos concluiu que, após ajuste para o peso corporal, uma porção diária de 250 ml de bebidas adoçadas com açúcar foi associada a um risco aproximadamente 13% maior de desenvolver diabetes.
Se os açúcares em geral não estão associados ao risco aumentado de diabetes, mas os refrigerantes estão, isso sugere a possibilidade de que algo diferente do açúcar explique essa relação.
Os refrigerantes costumam ser acompanhados por cheeseburgers, nuggets de frango e outros alimentos não saudáveis. Ou seja, o consumo de refrigerante pode ser um sinal de uma dieta com foco em fast-foods ou uma dieta e estilo de vida não saudáveis em geral.
Por outro lado…
Um estudo revelou que indivíduos que consomem regularmente bebidas adoçadas com açúcar têm um risco cerca de 25% maior de desenvolver diabetes tipo 2 do que outras pessoas.
De acordo com outro estudo, beber apenas uma bebida com açúcar adicionado por dia aumenta o risco em 13%, independentemente de qualquer ganho de peso que esse hábito possa causar.
Além disso, os países onde o consumo de açúcar é mais alto também têm as taxas mais altas de diabetes tipo 2, enquanto aqueles com o consumo mais baixo têm as taxas mais baixas.
Para piorar, uma pesquisa mostrou que a ligação entre a ingestão de açúcar e diabetes ainda se mantém mesmo após o controle da ingestão total de calorias, peso corporal, consumo de álcool e exercícios.
Embora esses estudos não provem que o açúcar causa diabetes, a associação é forte. É por isso que muitos pesquisadores acreditam que o açúcar aumenta o risco de diabetes direta e/ou indiretamente.
Consumir grandes quantidades de açúcar também pode aumentar indiretamente o risco de diabetes, contribuindo para o ganho de peso e aumento da gordura corporal, que são fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes.
Além do mais, estudos com animais sugerem que comer muito açúcar pode interromper a sinalização da leptina, um hormônio que promove a sensação de saciedade, levando a comer demais e ganhar peso.
Para reduzir os efeitos negativos do alto consumo de açúcar, a Organização Mundial da Saúde recomenda não obter mais do que 10% de suas calorias diárias de açúcares adicionados que não sejam encontrados naturalmente nos alimentos.
Açúcares naturais causam diabetes?
Embora a ingestão de grandes quantidades de açúcares adicionados tenha sido associada ao diabetes, o mesmo não acontece com os açúcares naturais, segundo um estudo.
Açúcares naturais são açúcares que existem em frutas e vegetais e não foram adicionados durante a fabricação ou processamento. Uma vez que esses tipos de açúcar existem em uma matriz de fibra, água, antioxidantes e outros nutrientes, eles são digeridos e absorvidos mais lentamente e com menor probabilidade de causar picos de açúcar no sangue.
Frutas e vegetais também tendem a conter muito menos açúcar por peso do que muitos alimentos processados. Por isso, é mais fácil controlar o consumo.
Aliás, alguns estudos descobriram que comer pelo menos uma porção de fruta por dia reduz o risco de diabetes em 7 a 13% em comparação com não comer nenhuma fruta.
Hábitos saudáveis reduzem o risco de diabetes
Hábitos saudáveis reduzem muito o risco de desenvolver diabetes e outras doenças, porque fortalecem seu sistema imunológico e previnem o excesso de peso, que têm influência direta na maior parte das complicações de saúde do nosso tempo.
A forma mais eficaz de prevenir a diabetes é manter uma alimentação balanceada, rica em fibras, vegetais, frutas e alimentos integrais, e praticar exercícios físicos regularmente.
Em especial no caso de pessoas com pré-diabetes, que costumam ter uma dieta rígida, praticar atividades físicas pelo menos três vezes por semanas e, em alguns casos, até usar medicamentos para evitar complicações futuras. Esses procedimentos em pessoas dentro do grupo de risco podem diminuir pela metade o número de pessoas com diabetes tipo 2.
Não fumar, controlar a pressão arterial, evitar medicamentos e bebidas que possam prejudicar o pâncreas também são medidas úteis para evitar o desenvolvimento da diabetes. Além disso, uma dica extra: tome café. Segundo um estudo, uma única xícara da bebida por dia pode reduzir o risco em até 7%. Boa notícia para os coffee lovers!