Pesquisa visa transformar planta nativa do semiárido em alternativa sustentável à cana-de-açúcar para produção de bioenergia em regiões áridas
Com o avanço do clima semiárido em diversas regiões do Brasil, pesquisadores buscam alternativas agrícolas capazes de se adaptar a essa nova realidade e contribuir para a produção de bioenergia. O agave, uma planta suculenta de origem mexicana, desponta como uma possível solução. A planta, que já é usada para produção de sisal no Brasil, está sendo estudada com o objetivo de transformá-la na “cana do sertão”, uma alternativa à cana-de-açúcar, cuja produtividade é comprometida em regiões áridas.
O agave tem se mostrado promissor devido à sua resistência às condições de seca e à capacidade de gerar bioenergia a partir tanto do suco de suas folhas, que é rico em inulina, quanto do bagaço, composto por celulose. Para isso, cientistas da Unicamp e de outras instituições, com apoio da FAPESP, vêm desenvolvendo tecnologias para otimizar o uso da planta. Entre os avanços está o desenvolvimento de uma levedura geneticamente modificada capaz de fermentar inulina, um dos principais desafios técnicos desse processo.
A pesquisa é parte do projeto Brazilian Agave Development (Brave), uma iniciativa que reúne universidades, centros de pesquisa e a empresa Shell. Durante um evento realizado na Itália, o professor Marcelo Carazzolle, da Unicamp, destacou os progressos da equipe, que incluem o desenvolvimento de compostos bioestimulantes capazes de dobrar a taxa de crescimento do agave, além de novas cepas de levedura que aceleram o processo de fermentação. O projeto também busca diversificar os produtos gerados a partir do agave, incluindo biometano, bio-hidrogênio e biochar, reforçando seu potencial de contribuição para a matriz energética brasileira.
A demanda por soluções agrícolas que resistam ao avanço do semiárido é uma realidade no Brasil, onde, desde 1990, o território com esse tipo de clima vem se expandindo a uma taxa de 7,5 mil quilômetros quadrados por ano, segundo dados do Inpe. Isso coloca em risco a viabilidade de culturas como a cana-de-açúcar, essencial para a produção de etanol. O agave, por sua vez, demanda menos água e fertilizantes, sendo capaz de crescer em solos pobres e produzir até 800 toneladas de biomassa por hectare após cinco anos de cultivo, uma promessa significativa para áreas onde outras culturas lutam para sobreviver.
Entretanto, o desafio não é apenas técnico, mas também envolve a competição com ervas daninhas, mesmo em regiões semiáridas. Para lidar com isso, a equipe patenteou uma variedade de agave geneticamente modificada para ser resistente ao herbicida glifosato. A planta, além de resistir a essas condições, pode se beneficiar de tecnologias como bioestimulantes, que têm mostrado resultados promissores no aceleramento de seu crescimento, uma vez que a planta, em seu estado natural, cresce lentamente.
Além da pesquisa com o agave, o painel no qual o estudo foi apresentado incluiu discussões sobre como a agricultura de precisão pode ser uma aliada no desenvolvimento sustentável. O professor Lucas Rios do Amaral, da Unicamp, destacou a importância da automação e do uso de ferramentas de inteligência artificial para otimizar o uso de recursos como fertilizantes, especialmente em solos pobres, como os brasileiros. Segundo ele, a agricultura de precisão permite que a aplicação de insumos seja feita de maneira mais eficiente, com base em dados coletados por drones, satélites e outros equipamentos.
A busca por novas soluções tecnológicas no campo não se limita ao Brasil. Pesquisadores italianos, como Valda Rondelli e Matteo Vittuari, também apresentaram projetos focados em veículos autônomos e políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável. A inteligência artificial e o big data foram destacados como essenciais para a modernização do setor agrícola, especialmente em um cenário de mudanças climáticas e aumento da população mundial.
O futuro da agricultura em regiões semiáridas, tanto no Brasil quanto em outros países, pode estar diretamente ligado ao desenvolvimento de plantas como o agave, que além de contribuir para a bioenergia, permite uma produção mais sustentável e adaptada às novas realidades climáticas.