Imagem: Fabio Ikezaki / Flickr
Os deputados que defendem a liberação de carros de passeio movidos a diesel no Brasil fariam bem em ler um relatório publicado em 27 de junho pela AIE (Agência Internacional de Energia). O estudo afirma que 6,5 milhões de pessoas morrem por ano no mundo devido à poluição do ar, e aponta o setor de transportes como um dos principais culpados.
Só no Brasil são 22 mil mortes prematuras por ano, em média, por exposição a poluentes fora de casa. O número deve crescer para 36 mil em 2040 só por causa da expansão da economia – sem considerar novos usos de combustíveis fósseis, como carros leves a diesel. Uma série de medidas a adotar no setor de transportes, mas também na indústria, permitiria reduzir a cifra a 13 mil no mesmo ano. Ainda inaceitável, mas ao menos na direção certa.
Intitulado Energy and Air Pollution (Energia e Poluição do Ar), o documento faz parte do World Energy Outlook, o panorama global do setor de energia divulgado anualmente pela agência. Ele está disponível de graça (em inglês) no site da organização. Esta é a primeira vez que a AIE se debruça sobre as relações entre uso de energia – leia-se queima de combustíveis fósseis, principalmente – e saúde. O resultado mostra que os benefícios de aumentar a eficiência energética e limitar o uso desses combustíveis vai muito além da redução das emissões de gases de efeito estufa.
“A poluição do ar é uma grande crise de saúde pública, que tem muitas de suas raízes e soluções no setor de energia”, afirma o relatório, segundo o qual a poluição é a quarta maior causa de mortes evitáveis no mundo – atrás apenas da hipertensão, da má alimentação e do cigarro.
A queima de petróleo e derivados, carvão, gás natural e biomassa para suprir as necessidades energéticas de sete bilhões de terráqueos é a principal fonte de vários desses poluentes: os particulados finos (PM2,5), considerados os mais nocivos; os sulfatos (SO4), tóxicos e percursores da chuva ácida; os óxidos de nitrogênio (NOx), que reagem na atmosfera para formar o ozônio troposférico (O3), também tóxico para animais e plantas; e o monóxido de carbono (CO).
O setor de transportes é o principal emissor de NOx do planeta, respondendo por mais de 50% das 107 milhões de toneladas de óxidos de nitrogênio emitidas em 2015. Também manda para o ar 10% dos particulados emitidos por uso de energia. A maior parte vem do transporte rodoviário de cargas e passageiros. No entanto, a AIE alerta que os carros de passeio têm o impacto de sua poluição aumentado pelo fato de eles serem usados exatamente onde as pessoas estão: nas cidades.
O relatório nota, como os proponentes do carro a diesel gostam de ressaltar, que, graças a uma série de medidas de controle ambiental adotadas primeiro nos países desenvolvidos, a poluição por automóveis cresce mais devagar do que a frota. No entanto, traz uma conclusão que faz esse argumento em favor do diesel virar fumaça: mesmo o estrito padrão europeu de emissões veiculares, o chamado Euro6, falhou em reduzir as emissões de NOx no mundo real na mesma medida que nos testes.
Para os carros a diesel, a diferença entre o padrão Euro5 (adotado em 2009) e o Euro6 (de 2014) deveria ser uma queda de 55%; a queda real, porém, foi de 25% – e, mesmo assim, as emissões medidas de fato são de cinco a sete vezes mais altas do que nos testes de laboratório. Para os carros a gasolina, as emissões no mundo real aumentaram 20% mesmo com o padrão mais estrito. O escândalo da Volkswagen, que equipou milhões de carros a diesel com um dispositivo destinado a mascarar emissões reais, “despertou a atenção do público” para essa discrepância, afirma a agência.
O relatório propõe um pacote de ações para mitigar o problema, traçando um cenário apelidado de “Ar Limpo” para 2040. O custo total dessa transição é de US$ 76 trilhões em investimentos em todo o setor de energia, comparados a US$ 71 trilhões se nenhuma medida adicional fosse adotada.
A agência não fala em banir ou restringir nenhum tipo de combustível, como o petróleo ou o carvão – o que rendeu críticas ao relatório por parte de organizações ambientalistas, como o WWF. As soluções propostas vão na linha “amigável aos negócios”, por assim dizer: controle de emissões e aumento da eficiência.
Mesmo assim, a AIE argumenta que a adoção de todas essas medidas terá um cobenefício imenso para o clima: o cenário “Ar Limpo” é capaz de produzir um pico global nas emissões de CO2 em 2020. Esse prazo ainda daria à humanidade uma chance razoável de cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a menos de 2°C neste século.
No setor de transportes, além do estímulo ao transporte público, o cenário “Ar Limpo” propõe a adoção do padrão equivalente ao Euro6 no mundo todo, com cumprimento obrigatório até 2025, e teor de enxofre máximo no diesel e na gasolina de dez partes por milhão (ppm). No Brasil, os padrões de emissão de particulados e NOx e o teor de enxofre (para zonas metropolitanas) no diesel ainda são equivalentes aos do padrão Euro4, de 2005. Pior ainda, no final desta década ainda será vendido no Brasil diesel com 500 ppm de enxofre, algo que já não existe na Europa há décadas.
No Brasil, todas essas medidas esbarram no PL1.013/2011, que libera a venda e fabricação de carros de passeio a diesel sem nenhuma contrapartida ambiental. De autoria de um deputado do baixo clero fluminense e patrocinado por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o projeto está para ser votado a qualquer momento numa comissão especial da Câmara, onde tem fortes perspectivas de aprovação.
Se passar, argumentam especialistas e até o próprio governo federal, significará um desestímulo ao transporte coletivo e aos biocombustíveis, já que o diesel é mais barato que o álcool. De saída, também implicará num aumento do número de pessoas expostas à poluição atmosférica nas metrópoles brasileiras – e, por tabela, no número de mortes precoces evitáveis.
Se os nobres parlamentares ainda tinham dúvida sobre a conveniência da proposição, vale dar uma boa lida no relatório da AIE. Prejudicar a saúde dos próprios eleitores não parece boa estratégia para quem quer receber seus votos no futuro.
Fonte: Observatório do Clima
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