O termo Agricultura 4.0 faz referência ao uso de inovações tecnológicas para melhorar a produtividade do campo. No entanto, suas mudanças têm prós e contras que precisam ser ponderados
Você já ouviu falar sobre agricultura 4.0? Ou já pensou como o uso de tecnologia pode influenciar o processo de produção agrícola?
A inteligência artificial (IA) desperta sentimentos conflitantes — para alguns, ela pode nos libertar do trabalho monótono e gerar enormes ganhos de produtividade, enquanto para outros pode criar uma distopia de desemprego em massa e opressão automatizada. No caso da agricultura, alguns pesquisadores, empresários e políticos pensam que os efeitos da IA e de outras tecnologias avançadas são tão grandes que estão provocando uma “quarta revolução agrícola“, que é a Agricultura 4.0, que inclui um foco maior na agricultura de precisão e análise de dados.
Os efeitos potencialmente transformadores da indústria 4.0 que estão por vir para a agricultura — positivos e negativos — exigem que se faça uma pausa para reflexão antes que a revolução tome conta. É fundamental que ela funcione para todos, quer sejam agricultores (independente de seu tamanho ou empresa), proprietários de terras, trabalhadores rurais, comunidades rurais, grandes produtores ou o público em geral.
Ainda assim, em um estudo liderado pela pesquisadora Hannah Barrett, descobriu-se que a tecnologia da Agricultura 4.0 é em geral vista como extremamente positiva, sem que se dê muito enfoque às potenciais consequências negativas. A visão que se tem da agricultura 4.0 é que ela é capaz de otimizar a produção de práticas agrícolas com redução de custos e sem outras consequências negativas.
Revoluções agrícolas
A primeira revolução agrícola ocorreu quando os humanos começaram a cultivar, há cerca de 12 mil anos. A segunda foi a reorganização das terras agrícolas a partir do século XVII, que se seguiu ao fim do feudalismo na Europa. E a terceira (também conhecida como revolução verde) foi a introdução de fertilizantes químicos, pesticidas e novas raças de safras de alto rendimento ao lado de maquinário pesado, nas décadas de 1950 e 1960.
Os termos Agricultura 4.0 e quarta revolução agrícola, assim como a quarta revolução industrial, se referem a mudanças provocadas pelo uso de um conjunto de tecnologias digitais novas, particularmente o uso de IA nas tomadas de decisões de planejamento mais inteligentes, coleta de dados e alimentar robôs autônomos.
Essas máquinas inteligentes podem ser usadas em diversas partes dos processos produtivos agrícolas, como cultivar e colher, capinar, ordenhar gado e distribuir agroquímicos por drones. Além disso, outras tecnologias agrícolas específicas incluem novos tipos de edição de genes para desenvolver safras de maior rendimento e resistentes a doenças; fazendas verticais; e carne sintética produzida em laboratório.
Essas tecnologias atraem enormes quantias de financiamento e investimento na busca para aumentar a produtividade da produção de alimentos e, ao mesmo tempo, minimizar a degradação do meio ambiente. O que, consequentemente, minimiza as mudanças climáticas.
Isso pode, em parte, estar relacionado à cobertura positiva da mídia. Uma pesquisa descobriu que a cobertura da mídia no Reino Unido com relação a novas tecnologias agrícolas tende a ser otimista, retratando-as como a chave para resolver os desafios agrícolas.
No entanto, muitas tecnologias agrícolas anteriores também foram saudadas com entusiasmo semelhante antes de gerar polêmica mais tarde, como aconteceu com as primeiras safras e produtos químicos geneticamente modificados, como o agora proibido pesticida DDT. Dadas as controvérsias mais amplas em torno de tecnologias emergentes como nanotecnologia e carros sem motorista, o otimismo tecnológico não controlado ou cego parece imprudente.
Possíveis barreiras
Não se deve presumir que essa “agricultura digital” será adotada sem superar certas barreiras. O precedente mostra que é improvável que os benefícios sejam distribuídos pela sociedade de modo uniforme, de modo que algumas pessoas devem sair perdendo. Convém entender quem pode perder e o que podemos fazer a respeito, e fazer perguntas mais amplas, que respondam se as novas tecnologias realmente cumprirão o prometido.
A ordenha robotizada de vacas é um bom exemplo. Em uma pesquisa, um fazendeiro disse que o uso de robôs melhorou seu equilíbrio entre vida pessoal e profissional e permite a inclusão de trabalhadores com deficiência no contexto rural. Mas as mudanças também criaram um “tipo diferente de estresse” devido à sobrecarga de informações resultante e à percepção de que o agricultor precisava monitorar os dados em tempo real, 24 horas por dia, 7 dias por semana.
A National Farmers Union (NFU) argumenta que as novas tecnologias podem atrair participantes mais jovens e tecnicamente mais qualificados para uma força de trabalho em envelhecimento. Essas descobertas podem permitir que uma gama mais ampla de pessoas se dedique à agricultura, eliminando estereótipos opressores por meio do maior uso de máquinas.
Mas os trabalhadores agrícolas existentes em risco de serem substituídos por uma máquina ou cujas habilidades são inadequadas para um novo estilo de agricultura, inevitavelmente, ficarão menos entusiasmados com a perspectiva de mudança. E podem não gostar de ser forçados a passar menos tempo trabalhando ao ar livre, tornando-se cada vez mais dependentes de máquinas em vez de seu próprio conhecimento.
Desequilíbrio de poder
Existem também potenciais desigualdades de poder nesta nova revolução. Enquanto alguns agricultores mostram-se otimistas sobre um futuro de alta tecnologia, outros se perguntam se aqueles com menos capital, baixa disponibilidade de banda larga e habilidades de TI e acesso a conselhos sobre como usar a tecnologia poderiam se beneficiar.
A história sugere que as empresas de tecnologia e os negócios agrícolas maiores são frequentemente os vencedores desse tipo de mudança, e os benefícios nem sempre chegam às fazendas familiares menores. No contexto da Agricultura 4.0, isso pode significar que os agricultores não possuem ou não têm acesso total aos dados coletados em suas fazendas por meio de novas tecnologias. Ou depender de empresas para manter equipamentos cada vez mais importantes e complexos.
Controvérsias
A controvérsia em torno dos cultivos GM (que são criados pela inserção de DNA de outros organismos) fornece um franco lembrete de que não há garantia de que novas tecnologias serão adotadas pelo público. Uma reação semelhante poderia ocorrer se o público perceber a edição de genes (que em vez disso envolve fazer pequenas mudanças controladas no DNA de um organismo vivo) como equivalente ao GM.
Os defensores da tecnologia vestível para gado afirmam que melhoram o bem-estar, mas o público pode perceber o uso de tais dispositivos como semelhante a tratar os animais como se fossem máquinas.
Em vez de otimismo cego, é útil identificar onde ocorrerão os benefícios e as desvantagens da nova tecnologia agrícola e para quem. Este processo deve incluir uma ampla gama de pessoas para ajudar a criar visões responsáveis em toda a sociedade para o futuro da agricultura.
A NFU disse que a Agricultura 4.0 é “empolgante – além de um pouco assustadora… Mas as duas geralmente andam juntas”. É hora de discutir os aspectos assustadores com o mesmo vigor da parte emocionante.