Por Débora Pinto em Mongabay
Enquanto o mundo avalia o saldo da última COP26, conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para as mudanças climáticas, o cafeicultor Leonildo Vicente de Paula, do município de Patrocínio, no Cerrado mineiro, analisa preocupado como fará para se manter em sua atividade. Para o pequeno produtor, que trabalha e sustenta sua família há 20 anos com o cultivo do café, eventos climáticos extremos tornaram-se parte de uma realidade que coloca em risco seu modo de vida e o de toda a sua comunidade.
No último ano, uma seca drástica se alastrou pelo Cerrado, impedindo o correto processo de floração e formação dos frutos nos cafezais. Os que sobreviveram à falta de chuvas acabaram sendo consumidos por uma forte geada ocorrida no último mês de julho que alterou, ainda, a estrutura dos pés de café, o que deve trazer dificuldades também para a safra de 2022. Foi a geada mais intensa registrada na região em 27 anos.
Os resultados de tais eventos atípicos podem ser verificados em números no último relatório da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Segundo o documento divulgado em setembro, a safra brasileira de café em 2021 foi 27% menor em relação à anterior. E por conta, principalmente, das alterações no clima. O Brasil é o maior produtor e exportador cafeeiro do mundo; estima-se que 78% das sacas sejam provenientes da agricultura familiar.
Especificamente no município de Patrocínio, 80% das propriedades optaram pelo chamado cultivo de sequeiro, que não utiliza sistemas de irrigação por conta do bom volume de chuvas, que costuma ser característico na região. Minas Gerais é o principal estado produtor do país, responsável por metade da produção nacional, e o município de Patrocínio é o que tem a mais vasta área de cultivo de café no mundo, com cerca de 60 mil hectares de lavouras.
“A gente que é pequeno não tem condição de ter um sistema de irrigação mais sofisticado, por causa dos custos e também para preservar os recursos hídricos que abastecem a região. A gente fica na dependência mesmo da chuva”, explica o cafeicultor Leonildo. “Se acontece uma seca como essa, fica difícil de recuperar, de não ter um prejuízo grande. Se continuar desse jeito nos próximos anos, vai ser difícil de continuar.”
Na propriedade de Leonildo, a perda foi de aproximadamente 40%. Para seguir adiante, a única saída que encontrou foi o pedido de empréstimo bancário, na esperança de que o próximo ciclo produtivo equilibre as contas.
“O valor para a implantação de um sistema de irrigação, uma média de R$ 20 mil por hectare, torna a opção financeiramente inviável para os pequenos”, explica Patrícia Burgos, agrônoma e gerente regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater).
Patrícia ressalta que o café é uma cultura extremamente sensível ao clima. “Em alguns locais, você vai encontrar um número maior de lavouras irrigadas, porque já é característico não contar com a chuva para garantir a safra. Não é algo homogêneo e é por isso que a implantação de qualquer iniciativa exige um olhar bastante cuidadoso para o território e para a forma de cultivo que já se faz presente nele”, explica a agrônoma.
Mesmo com as dificuldades na produção e o cenário atual da pandemia, a exportação brasileira, que já havia apresentado uma alta recorde em 2020, mostrou um patamar ainda mais elevado em 2021, com um aumento de 8,7% até o mês de agosto. Ainda que possa existir uma valorização do produto no mercado internacional diante da diminuição da oferta e aumento da demanda, esta não impacta de forma consistente os pequenos produtores por conta da extensa cadeia de atravessadores até o consumidor final.
Como forma de driblar os efeitos da crise climática nas lavouras de café, pequenos produtores de Patrocínio como Leonildo passaram a estabelecer contato com o Consórcio Cerrado das Águas (CCA), plataforma colaborativa que atua no Cerrado mineiro desde 2014 e inclui setores como empresas, governos locais e a sociedade civil com o objetivo de agregar esforços para a preservação ambiental e combater as mudanças do clima.
Para atender a essa solicitação do território, foi criado em 2019 o Programa de Incentivo ao Produtor Consciente (PIPC), iniciativa que atua em quatro frentes na região da bacia do Córrego Feio: engajamento institucional, paisagens conectadas, gestão de agricultura climaticamente inteligente e gestão de recursos hídricos.
“Todas as frentes são realizadas de forma conjunta, tanto em termos de bacia hidrográfica quanto de propriedade. A frente de agricultura climaticamente inteligente analisa os riscos da lavoura e propõe estratégias para uma produção mais resiliente ao clima”, detalha Fabiane Sebaio, agrônoma e secretária executiva do CCA.
O conceito de agricultura climaticamente inteligente foi criado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 2010. De acordo com a definição oficial, as práticas agrícolas climaticamente inteligentes “aumentam a produção de forma sustentável, criam resiliência (adaptação), reduzem/eliminam a emissão de gases causadores do efeito estufa (mitigação) e reforçam as conquistas de segurança alimentar e os objetivos de desenvolvimento nacionais.”
Para atender a esses princípios, o PIPC contou com a presença em campo e o suporte técnico e científico de profissionais de instituições como a Emater e o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). O diagnóstico individual realizado em cada propriedade permitiu o conhecimento das dificuldades enfrentadas por cada agricultor, além da verificação da influência de cada uma das áreas produtivas na manutenção dos serviços ecossistêmicos da região.
A integração com as frentes de paisagens conectadas e gestão dos recursos hídricos permitiu a elaboração de indicações completas no sentido tanto de melhorar a produtividade quanto de possibilitar ações de regeneração da biodiversidade, com o plantio, por exemplo, de árvores dentro e nas bordas das propriedades, ação que exige conhecimento e cuidado para que o sombreamento não afete de forma prejudicial os pés de café.
Na lavoura, foram implantados sistemas agroflorestais, como o plantio consorciado com espécies de arbustos e outras variedades de plantas com a intenção de manter a qualidade e integridade do solo. Para o cafeicultor Leonildo, que realizou as implementações propostas pelo PIPC, os prejuízos desta safra teriam sido ainda maiores sem as ações do programa.
“Como a gente tinha feito o plantio consorciado, eu percebi que o solo acabou segurando melhor a umidade. Vi que vizinhos que não aderiram perderam ainda mais do que eu”, diz Leonildo. “Se a gente não levar a sério o cuidado com a biodiversidade, as coisas com certeza ficarão muito mais difíceis.”
As ações e o monitoramento colocados em prática pelo PIPC possibilitaram a elaboração de uma metodologia completa voltada à agricultura climaticamente inteligente, que será levada a outras áreas produtivas consideradas estratégicas e ampliada também na expansão de atividades nas adjacências da bacia do Córrego Feio, onde 52 produtores participaram da primeira etapa do programa.
Outro resultado do PIPC em Patrocínio foi a criação de um aplicativo voltado ao fornecimento de informações técnicas aos agricultores. Três estações telemétricas – que medem a incidência de chuvas – foram instaladas e passaram a transmitir informações em tempo real aos produtores a partir da plataforma do CCA.
Nesses quase dois anos de construção da metodologia, aproximadamente 300 hectares de lavouras passaram a utilizar os princípios da agricultura climaticamente inteligente e chegou-se a uma área de vegetação nativa em restauração de 96 hectares. Uma demonstração de que, longe dos holofotes e dos grandes acordos internacionais, o investimento local em conscientização e ciência aplicada também pode trazer esperança na luta contra as mudanças climáticas.
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.
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