O Brasil tem importantes políticas já em vigor para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nas práticas agropecuárias, contribuindo assim para mitigar as mudanças climáticas. Esses planos podem ter um papel relevante também no processo de adaptação a essas transformações do clima, ajudando os produtores a tornar suas lavouras mais resilientes aos eventos climáticos extremos.
Um working paper publicado nesta quinta-feira (28) pelo WRI Brasil, GIZ e Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, com a participação de importantes nomes da ciência brasileira, como o climatologista Carlos Nobre e o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, avaliou o papel do Plano ABC e do Planaveg, políticas já existentes para uma agricultura mais resiliente e sustentável. O resultado mostra que as modalidades de agricultura e pecuária previstas por esses planos podem tornar as produções mais resilientes e sustentáveis, evitando impactos na produção e produzindo alimentos, emprego e renda.
As mudanças climáticas podem causar graves danos a agricultura nacional e global e aos agricultores. Secas, enchentes ou variações de temperatura máxima e mínima podem reduzir a produtividade global da agricultura e pecuária em 17%, diminuindo nossa capacidade de produzir alimentos e provocando prejuízos para os agricultores e para a nossa balança comercial.
O estudo, chamado de “Papel do Plano ABC e do Planaveg na Adaptação da Agricultura e da Pecuária às Mudanças Climáticas”, busca contribuir com o estabelecimento de uma abordagem sustentável na produção agropecuária, reduzindo a degradação dos ecossistemas e tornando o ambiente mais adaptado às mudanças do clima.
Para isso, ele começa com um levantamento da literatura científica e experiências sobre os impactos das mudanças climáticas na agropecuária. O levantamento mostra que as mudanças climáticas em curso já estão provocando danos severos à agricultura brasileira. Como as atividades agrícolas no Brasil acontecem principalmente em ambientes externos, e dependem de água da chuva e o clima certo para cada cultura, o país se mostra particularmente vulnerável às mudanças do clima.
Por exemplo, na cultura do café, temperaturas acima de 34 graus podem comprometer a fotossíntese, reduzindo a produtividade. Como os modelos climáticos mostram aumento dos dias em que as temperaturas passarão de 34 graus, estimativas indicam que o aquecimento global pode reduzir em 95% a área apta para a cultura nos estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo, e em 75% no Paraná. Outras culturas podem sofrer com dias mais quentes. Dez dias consecutivos acima de 35 graus provocam desequilíbrio hormonal na cultura das laranjas, resultando em queda dos frutos antes da hora. Na cultura do feijão, temperaturas de mais de 35 graus prejudicam o florescimento e a frutificação.
A mudança do padrão de chuvas prevista pelas mudanças do clima também pode causar grande dano a produção e produtividade agropecuária. Na soja, por exemplo, redução do regime de chuvas provoca alterações fisiológicas nas plantas, abortamento das vagens e diminuição de vagens sadias. Essas variações do clima provocam prejuízos severos. Em 2013, uma seca no período do desenvolvimento de culturas de laranja e café, e excesso de chuva no período da colheita, causaram forte perda, a ponto de reduzir o PIB agropecuário em 1,89%. Ao levantar o que há de mais relevante na literatura e das experiências de diversos especialistas, o estudo produziu um gráfico resumindo os principais impactos que as mudanças do clima podem provocar na agropecuária do Brasil. A imagem abaixo mostra esses impactos por conta de eventos extremos, no solo, nos processos biofísicos e também na segurança socioeconômica dos produtores.
O cenário descrito acima já está acontecendo. Mas a boa notícia é que o Brasil tem políticas para proteger o produtor e minimizar os impactos das mudanças do clima. O Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC) e o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) são políticas públicas já existentes com o objetivo de reduzir emissões na agricultura e promover a recuperação e restauração da vegetação nativa em larga escala.
O estudo avaliou se as seis ações abaixo, contidas no Plano ABC e no Planaveg, tornam ou não uma propriedade mais resistente aos efeitos das mudanças climáticas.
O estudo mostra que várias ações previstas nos planos tornam as propriedades rurais mais produtivas, resilientes e adaptadas às mudanças climáticas.
Por exemplo, em um cenário de mudanças climáticas, um produtor que decida investir em um sistema de integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) em vez de uma produção convencional, teria como benefícios aumento da umidade do ar e disponibilidade de água em sua propriedade; melhoria na fertilidade do solo e redução da erosão; diminuição na frequência de ondas de frio, de calor, secas e desastres naturais; além de aumento de produtividade e renda.
O gráfico abaixo exemplifica essas melhorias. Note como, comparado ao gráfico do impacto das mudanças climáticas (acima), ele torna a produção mais resistente, ao inverter a tendência com uma série de efeitos positivos na propriedade rural.
O estudo mostra que há um enorme potencial para melhorar a capacidade de adaptação das propriedades rurais às mudanças do clima através das ações previstas no Plano ABC e no Planaveg. No entanto, esse potencial ainda não está sendo percebido pelo setor. Menos de 1,4% do crédito rural disponibilizado pelo Plano Safra tem sido utilizado pelo Plano ABC, e o investimento agrícola ainda está voltado mais para atividades convencionais do que regenerativas. Segundo o estudo, para cada R$ 1 do Plano ABC investido em recuperação de área degradada, outros financiamentos colocam R$ 10 para atividades que geram desmatamento e degradação.
Os resultados do estudo mostram que investir em uma agricultura sustentável e mais resiliente pode trazer imensos benefícios não só ambientais, como também econômicos e sociais. Como são mais resistentes a secas, enchentes e eventos climáticos extremos, os modelos previstos no Plano ABC e no Planaveg reduzem riscos de empresas e instituições que financiam atividades agropecuárias e de agências de seguro. Diminuem o risco de perdas agrícolas e prejuízo no campo, e aumentam a chance de que financiamentos sejam pagos no prazo, tornando o aspecto financeiro das atividades agrícolas mais seguro.
O trabalho mostra que o caminho para uma agricultura de baixo carbono, resiliente às mudanças climáticas e que gera retornos socioeconômicos já existe. O desafio é agora expandir os incentivos para que essas ações sejam adotadas em grande escala nas propriedades brasileiras. O estudo conclui que é necessário aumentar o investimento e ampliar a adoção das modalidades sustentáveis na agricultura. Só assim será possível diminuir a vulnerabilidade do produtor rural a eventos extremos e proteger nossa produção de alimentos e de commodities para gerar riqueza e empregos no campo, além de tornar o Brasil uma liderança global da produção de alimentos mais sustentáveis e resilientes.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais