O que é agrobiodiversidade?

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A Agrobiodiversidade foi definida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) em 1999  como a variedade e diversificação dos animais, plantas e microrganismos utilizados diretamente ou indiretamente para alimentação e agricultura. 

O termo “agrobiodiversidade”  foi criado na Convenção da Diversidade Biológica (CDB), aprovada durante a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. 

Odum (1993) zoólogo e ecologista estadunidense, conhecido por seu trabalho pioneiro sobre ecologia de ecossistemas, definiu em 1993 a agrobiodiversidade como a biodiversidade encontrada nos agroecossistemas que incluem espécies nativas e exóticas.

A agrobiodiversidade teve sua abordagem ampliada pela Decisão V/5 da 5ª Conferência das Partes da CDB, realizada em Nairobi, em maio de 2000, que estabeleceu a sua definição como “um termo amplo que inclui todos os componentes da biodiversidade que tem relevância para a agricultura e alimentação, bem como todos os componentes da biodiversidade que constituem os agroecossistemas: as variedades e a variabilidade de animais, plantas e microrganismos, nos níveis genético, de espécies e de ecossistemas, os quais são necessários para sustentar as funções-chave dos agroecossistemas, suas estruturas e processos”. 

Também pode ser conhecida como biodiversidade agrícola ou recursos genéticos para a alimentação e agricultura, incluindo: as colheitas; o gado;  a silvicultura; a pesca. Além da diversidade dos recursos genéticos (variedades, raças) e espécies utilizadas para a alimentação, forragem, fibra, combustível e fins terapêuticos, resultantes dos processos de seleção natural, da seleção cuidada e dos desenvolvimentos inventivos de agricultores, criadores de gado e pescadores ao longo de milénios. 

Ainda, inclui a diversidade das espécies não colhidas que apoiam a produção (microorganismos terrestres, predadores, polinizadores) e as do ambiente mais vasto que apoia os ecossistemas agrícolas (agrícolas, pastorais, florestais e aquáticos), assim como a diversidade dos próprios ecossistemas agrícolas.  

Um estudo informa que em Unidades de Conservação (UC) os principais aspectos da agrobiodiversidade estão relacionados com segurança alimentar, composição da renda, conservação de recursos genéticos, agroecologia, preservação da diversidade cultural associada às populações locais compostas por ribeirinhos e povos indígenas. 

De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) a agrobiodiversidade representa uma gama praticamente inesgotável de combinações entre seus quatro níveis de complexidade: diversidade dentro de espécies; diversidade entre espécies; diversidade entre ecossistemas e diversidade etnocultural. E o estudo afirma que por meio deles são expressos componentes de alto interesse para o desenvolvimento socioambiental sustentável, focado em comunidades rurais e locais, que representam acúmulos de conhecimentos transmitidos de gerações antepassadas, muitas vezes seculares.

Qual é a importância da agrobiodiversidade?

A agrobiodiversidade é considerada fundamental para a conservação ambiental, crucial para a produção de alimentos saudáveis e que respeitem a diversidade cultural, visando além do combate à fome, a soberania e segurança alimentar. 

A agricultura em pequena escala praticada por comunidades rurais, tradicionais e povos indígenas vem garantindo a perpetuação dos conhecimentos, das práticas e da agrobiodiversidade. Por isso, a manutenção dos saberes e práticas, peculiares e ancestrais, assim como da diversidade biológica e cultural é fundamental para a existência de multiplicidade de alternativas. Neste sentido, a ciência tradicional é mais reconhecida em discussões políticas e científicas que tangem a conservação e uso da agrobiodiversidade (Cunha, 2009). 

Assim, relaciona os valores de uso dos cultivos em agricultura com os valores de conhecimento associados à diversidade desses cultivos. Especialmente na agricultura tradicional, cujo uso está diretamente relacionado aos sistemas de conhecimento locais, diversidade cultural, costumes e práticas, o que demonstra que não é apenas fundamental para a produção de alimentos, mas também tem um importante papel no estabelecimento da sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola, e no conhecimento dos agricultores sobre as variedades locais e espécies selvagens que podem ser utilizados na busca por novas características e produtos de interesse para o melhoramento de plantas e biotecnologias. 

No final da década de 1990, autores a ocorrência da perda de recursos fitogenéticos nos primeiros contatos dos colonizadores com os povos nativos das Américas que foram dizimados por causas diversas, ou fugiram abandonando suas áreas de ocupação tradicional, ou reformularam suas práticas para sobreviverem (Clement, 1999). Outro momento de perda de diversidade agrícola teve início na década de 1920, e é marcado pela modernização e internacionalização de modos de produção industriais na agricultura e caracterizado por uma profunda revolução nos sistemas agrícolas, que ficou conhecido por Revolução Verde entre as décadas de 1960 e 1970, quando alcançou grande influência global. As investigações agronômicas se voltaram ao desenvolvimento do melhoramento genético de variedades, associado ao uso de agroquímicos e maquinários agrícolas movidos por energia fóssil (Toledo & Bassols, 2010; Ehlers, 1999, p.32). 

Por isso, a perda de variedades locais é uma preocupação reconhecida em nível mundial desde a década de 1970. Devido a sua importância à agricultura e à alimentação da humanidade. Sabe-se que a magnitude da taxa de extinção dessa diversidade é difícil de mensurar por ainda não existir uma base de dados consistente que possa ser usada como referência (Cleveland, 1994; Brush, 2000). Essa modernização e internacionalização da agricultura ocasionam perdas não só de recursos fitogenéticos, pois por se tratar de mudanças em sistemas complexos de múltiplas relações, como são os sistemas agrícolas, as perdas são sentidas em todos os níveis da biodiversidade agrícola (Boef, 2007). 

Agrobiodiversidade no Brasil 

O cenário internacional dispõe elementos que favorecem a entrada da agrobiodiversidade no espaço das políticas públicas através de debates que se iniciam pela ONU, mais especificamente na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) reconhecendo a preservação da diversidade biológica como crucial para o alcance do desenvolvimento sustentável, proporcionando posteriormente outros espaços que debateram de forma mais específica a agrobiodiversidade

No Brasil, é possível reconhecer movimentações que fortaleceram o tema da agrobiodiversidade desde a década de 70 no trabalho de Redes de Tecnologias Alternativas para a agricultura, com enfoque na agroecologia, juntamente à um contínuo trabalho das comunidades locais em favor das sementes crioulas. Em 2012, através do Decreto nº 7.794, é criada a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), abrigando em sua quinta diretriz o tema da preservação e valorização da agrobiodiversidade. A iniciativa nº 1426 do Plano Pluri Anual (2008-2011) intitulada por Programa Conservação e Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade e o Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade do ano de 2007.

Atualmente, os maiores desafios para a manutenção da agrobiodiversidade no Brasil são a contínua expansão do “agronegócio” e da transformação do cenário rural, marcado pela alta emigração das gerações mais novas das famílias, e a substituição de práticas agrícolas de subsistência para outras atividades, interrompendo a continuidade de atividades agrícolas tradicionais (Peroni & Hanazaki, 2002; Amorozo, 2010). 

Como o sistema produtivo afeta a agrobiodiversidade?

A saga humana de produção de alimentos para a sobrevivência levou a Ciência e a Tecnologia (C&T) a dedicarem-se a sistemas agrícolas intensivos em insumos e capital sob a premissa do princípio da familiaridade, segundo o qual se avança até que se encontrem problemas. Houve de fato um aumento na produtividade dos cultivos. Entretanto, essa estratégia resultou em externalidades negativas que a C&T não conseguem mitigar e mesmo os avanços tecnológicos, como a produção de organismos geneticamente modificados ou transgênicos, não conseguiram diminuir esses efeitos adversos ao meio ambiente e à saúde humana. 

São muitas as ameaças à agrobiodiversidade, conceituada como a parte da biodiversidade utilizada pela humanidade. Não só as práticas utilizadas na agricultura industrial ou química, como também as mudanças climáticas contribuem para a extinção de espécies e para minar os processos ecológicos. As variedades transgênicas ameaçam sobremaneira a agrobiodiversidade pela contaminação por transgenes, bem como a diversidade cultural das comunidades tradicionais. Surgem então preocupações e propostas para que sistemas agrícolas sustentáveis possam ser utilizados na produção de alimentos e outras necessidades humanas. Trata-se agora da saga pela sobrevivência não só da espécie humana, como da maioria das espécies.

Dentro desse contexto, as relações do homem com o seu ambiente de produção são fundamentais para o entendimento da agrobiodiversidade. Elas incorporam ao conceito as diferentes práticas e formas de manejo dos agroecossistemas construídas a partir dos conhecimentos tradicionais e os aspectos culturais relacionados à escolha das espécies, variedades e tipos vegetais e animais a serem cultivados e,ou criados, indo além dos três níveis de complexidade relacionados à biodiversidade (diversidade entre e dentro de espécies e entre ecossistemas). Os aspectos culturais consideram uso (alimentação humana, animal, medicinal, ornamental), culinária, festividades, atividades místicas e religiosas.)

A transformação de áreas ricas em biodiversidade em monoculturas uniformizadoras das condições ambientais desencadeia um processo de erosão genética que, geralmente, está associada à perda do conhecimento sobre as espécies e as variedades cultivadas. O risco de perda de biodiversidade e dos saberes associados tem motivado o interesse dos acadêmicos, órgãos do governo e demais instituições públicas e privadas no desenvolvimento de pesquisas e ações voltadas para conservação da agrobiodiversidade.

Referência bibliográfica

Stella Legnaioli

Jornalista, gestora ambiental, ecofeminista, vegana e livre de glúten. Aceito convites para morar em uma ecovila :)

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