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Mulheres do Parque das Tribos, grande aldeia urbana na periferia de Manaus, recebem mais de 700 quilos de comida de verdade, cultivada por produtores agroecológicos que estavam com dificuldade de escoar seus alimentos

Por Camila Prado em Greenpeace – Neste último sábado, a Campanha Agroecologia contra a Fome construiu uma ponte de mais de 70 km, colocando o que brotou na terra da família de Dona Miriam no prato da família de Cristina. Com tantos atropelos que vêm enfrentando, os agricultores que moram na redondeza do município de Rio Preto da Eva (AM) dificilmente chegariam ao Parque das Tribos, bairro periférico de Manaus. 

Não muito longe dali, num bairro mais central da capital, Dona Miriam e mais uma dezena de agricultores de sua região estavam acostumados a ofertar sua produção de orgânicos em uma feirinha que, como tantas outras atividades, parou após o início da pandemia. Isso os colocou diante de uma situação que para muitos pode não ser um obstáculo, mas para eles certamente foi: a necessidade urgente de readequação a um novo modelo de negócio – que exige experiência com venda virtual e uma inteligência logística totalmente diferente – e normalmente mais cara – da praticada com a venda semanal na feira. Exatamente por conta disso, nossos parceiros da Rede Maniva, que há quase 15 anos atua na promoção da agroecologia e da produção orgânica no Amazonas, apontaram sua bússola para esses 10 agricultores da região de Rio Preto da Eva. 

Em seguida, foi só encontrar a outra ponta, também sofrendo as sequelas agravadas pela pandemia: a população do Parque das Tribos, periferia da região norte de Manaus que reúne cerca de 3 mil indígenas, em 30 etnias. Quando a cidade enfrentou o caos transmitido em rede nacional com a 2ª onda de Covid-19, no início do ano, foi lá que moradores se organizaram e construíram a UAPI – Unidade de Apoio à População Indígena, e que acabou sendo desativada. É lá que um posto de saúde ainda está para chegar e até pouquíssimo tempo não havia escola. É lá também que a maioria das pessoas não dispõe de R$3,80 para pegar ônibus em busca de qualquer coisa sem pensar no dinheiro da passagem de volta. Estão, portanto, isolados do mundo, em um contexto de irregularidade fundiária que acarreta muitos tipos de insegurança.

Nesse cenário de vulnerabilidade, a força feminina cada vez mais se faz presente – a começar pela Cacique Lutana Kokama, que recentemente assumiu a liderança. A doação de alimentos agroecológicos realizada pelo Greenpeace em parceria com a Rede Maniva, que aconteceu no dia 26 de junho, na casa da cacique, foi uma confirmação disso. Os alimentos foram distribuídos por um grupo de mulheres, destinados a outras mulheres. “Deixamos os alimentos agrupados por tipo e as mulheres que estavam coordenando a ação iam compondo as doações. Elas sabem tudo ali. Sabem quem está precisando mais. São elas que percorrem as ruas, entram nas casas, sabem até o CPF das pessoas. É uma rede feminina de afeto. Elas sabem que há muitas mulheres sustentando sozinhas a família. Cuidando de suas crianças e idosos. Cientes de que são elas que alimentam seus parentes, a ação foi voltada especialmente para ajudá-las. Sessenta famílias foram beneficiadas”, conta Renata Peixe-Boi, 37, da Rede Maniva, parceira que atuou na ação desde o contato com os agricultores até e a entrega no Parque das Tribos. 

A doação contou com uma lista de 30 itens, somando mais de 700 quilos de alimentos. “Só de macaxeira, foram 200 quilos”, conta Renata. “É um alimento estocado dentro da terra, que quando chega fresco, ainda molhado, a gente conhece só de olhar. Ela é super exaltada pelas pessoas porque ela em si é uma memória. Tiveram também ervas medicinais – lá tem muitas pessoas que tomam chá em vez de café. O ariá foi outra estrela da entrega, um tipo de batata que, apesar de fácil cultivo, hoje só é encontrada em feira orgânica. Mas quem conhece o ariá não é quem frequenta a feira, e sim quem está nas periferias. A agricultura familiar é cheia de um ingrediente que não está na tabela: o afeto, que traz conexão com a ancestralidade”.  Em poucas palavras, Renata conecta esse aspecto ao equilíbrio ambiental: “No Norte e Nordeste temos um jeito muito particular, endêmico, de nos alimentar, que brota do chão. Para manter a floresta em pé, é preciso consumir o que a floresta produz.” 

Graças às doações feitas à nossa campanha Agroecologia contra a Fome, o Greenpeace segue, ao lado de agricultores e parceiros, conectando os dois lados da ponte – o de Dona Miriam e o de Cristina. Com isso incentivamos a agroecologia e o resgate de hábitos e saberes que, num trabalho em pequena escala mas consistente, desmascara um modelo alimentar hegemônico projetado para desnutrir o solo e o ser humano. Trata-se do mesmo modelo que considera 19 milhões de pessoas passando fome uma estatística, assim como mais de 500 mil mortes. Cada um desses números tem um nome, uma família, uma história – é gente que merece dignidade para viver. 

Doe para Agroecologia Contra Fome


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