Agroflorestas na Caatinga podem ajudar produtores rurais na adaptação climática

Compartilhar

Por Mariana Oliveira, Valdirene Santos Oliveira, Wecslei de Angeli Ferraz e Vladimir Oganauskas Filho, da WRI Brasil | O bioma Caatinga é um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas no Brasil, e o avanço da degradação nesse ecossistema preocupa. Dados do MapBiomas mostram que é necessário, mais do que nunca, tratar de programas e projetos que apoiem ações para a conservação e restauração de paisagens.

Essas ações precisam estar conectadas com as motivações e necessidades de produtores e produtoras rurais do semiárido. O WRI Brasil já contou uma história de sucesso nesse sentido – a da sertaneja que colhe dinheiro das árvores da Caatinga, Silvany Lima. Como ampliar esses casos de sucesso no bioma?

Um grupo de produtoras e produtores rurais, organizados em torno da cooperativa Ser do Sertão, com apoio do WRI Brasil, Adapta Group e da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional do Estado da Bahia, implementou 25 Unidades Demonstrativas de Sistemas Agroflorestais (SAFs) na bacia do rio Jacuípe, no interior do estado da Bahia, em pleno semiárido nordestino. Essa experiência vem mostrando que é possível não apenas iniciar o processo de recuperação da paisagem, mas garantir a geração de renda para as famílias envolvidas.

O antes e o depois da implantação de uma unidade demonstrativa de SAF no semiárido baiano. A foto acima foi tirada em março de 2021, e a foto abaixo em abril de 2022. É possível ver a agrofloresta, a recuperação de um açude e hortas. (Fotos: Jorge Henrique)

Isso só foi possível graças a um importante histórico de engajamento local. Conheça abaixo um pouco do projeto “Práticas Agroflorestais Adaptadas às Mudanças Climáticas para Restauração no Semiárido”, desenvolvido por WRI Brasil, Cooperativa Ser do Sertão e Adapta Group.

Engajamento social de longa data

O engajamento da comunidade local é um importante fator de sucesso para a restauração de paisagens e florestas – algo que não falta nesta região da Bahia onde foi feito o projeto. O município de Pintadas, na bacia do rio Jacuípe, já tinha um importante histórico, incluindo o projeto AdaptaSertão e a criação da Cooperativa Ser do Sertão, que estimularam a participação de produtores rurais em programas de produção sustentável e restauração.

Um dos passos nessa trajetória foi entender o conhecimento local já existente por parte dos produtores, que foi sistematizado na publicação “Conhecimento agroecológico local: caminhos para a adaptação às mudanças climáticas e restauração da Caatinga”.

Em 2015, com o apoio do WRI Brasil, a cooperativa viabilizou a melhoria das instalações de uma fábrica de polpa de frutas. Isso estimulou a conservação de árvores nativas nas propriedades para a colheita de frutas, permitindo o acesso ao mercado institucional a partir da comercialização de polpas congeladas de umbu, maracujá da caatinga, acerola, entre outras.

Com todo esse contexto social na região, Pintadas se mostrou um núcleo importante para dar um passo além, buscando a implementação de unidades demonstrativas para testar essa abordagem e inspirar mais pessoas a se engajarem no tema.

Parcerias para a transformação

A organização e o protagonismo da Cooperativa Ser do Sertão construíram uma base sólida para a idealização e viabilização desse projeto, inclusive com muitas lideranças mulheres. Para que se tornasse viável também em termos técnicos e financeiros, novas parcerias foram formadas e atuaram em sintonia, permitindo o seu sucesso.

Foi neste momento que a Ser do Sertão convidou o WRI Brasil para apoiar na articulação dos parceiros e na execução dos trabalhos relativos a aplicação das metodologias de balanço de carbono, e o Adapta Group para auxiliar nos desenhos técnicos de implantação dos SAFs e na capacitação da equipe técnica da Cooperativa. Isso permitiu a qualificação profissional da equipe da Cooperativa pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) num curso técnico para quem tinha nível médio ou uma pós-graduação para quem tinha nível superior na área de tecnologias de produção agropecuária de baixo carbono.

No aspecto financeiro e técnico, a Cooperativa contou com apoio financeiro do governo estadual da Bahia, por meio do Projeto Bahia Produtiva da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado da Bahia. Além disso, a equipe da CAR também contribuiu com o aperfeiçoamento técnico do projeto e do balanço de carbono.

Implantando agrofloresta na Caatinga

Na prática, essas parcerias, apoios técnicos e financeiros conseguiram construir as bases para um projeto de restauração com fins produtivos para produtores rurais de Pintadas e região. Essa restauração começou a partir da avaliação das necessidades e motivações da pessoas presentes na paisagem.

Não existe uma forma única de restaurar. Para garantir a recuperação de paisagens, é preciso entender os processos ecológicos, além da paisagem social – quais os atores que estão no local e quais suas motivações.

O que motiva os agricultores da Caatinga a restaurar? O projeto promoveu intercâmbios de experiências entre diferentes trabalhos de cooperativas e fez uma coleta de informações de uso e ocupação do solo e de práticas agropecuárias na região. Além disso, avaliou os cenários de mudanças climáticas da Caatinga, que preveem um um clima ainda mais instável e seco.

O resultado desse levantamento indicou que os Sistemas Agroflorestais (SAFs) eram uma boa opção para atender a esses objetivos. E que as pessoas já estavam utilizando essa abordagem dentro dos seus quintais. Um SAF alia árvores e vegetação nativa à produção de alimentos, melhorando a qualidade do solo e retendo a água que cai na região.

A proposta das unidades demonstrativas foi entender quais eram as espécies favoráveis para inclusão nos arranjos produtivos, além da própria motivação das pessoas e da possibilidade de explorar outros mercados e oportunidade de comercialização. A abordagem proposta considerou áreas até então degradadas, recuperando ao todo 28,5 hectares com SAFs.

Imagem de drone mostra uma das Unidades Demonstrativas de SAFs na Caatinga (foto: WRI Brasil)

Assim, trabalhar em conjunto com agricultores e agricultoras, garantindo autonomia nas escolhas de espécies e nos desenhos dos arranjos foi fundamental para que as unidades demonstrativas prosperem para além das ações imediatas.

A questão do carbono

Além da produção, as ações do projeto podem apoiar na melhoria da gestão de emissões de gases de efeito estufa?

Para calcular essas métricas, o projeto usou duas ferramentas diferentes – uma ferramenta de cálculo da FAO (EX-Ante Carbon-balance Tool – EX-ACT) e a Ferramenta de Cálculo para Balanço de Emissões de Gases de Efeito Estufa em Florestas e Sistemas Agroflorestais no Brasil (GHG Protocol Florestas e SAFs). Desenvolvido para a realidade do Brasil, o GHG Protocol Florestas e SAFs contém fatores de emissão e remoções adequados ao cenário do país, contendo dados para mais de 300 espécies nativas e exóticas comumente utilizadas no Brasil.

Por se tratarem de áreas degradadas e buscando a recomposição da vegetação, o cálculo usando ambas as ferramentas resultou em um saldo positivo de remoção de carbono da atmosfera, mostrando que restaurar áreas degradadas com SAFs pode trazer um efeito positivo nos esforços de limitar o aquecimento global a 1,5°C.

A Caatinga na linha de frente das mudanças climáticas

O semiárido brasileiro está na linha de frente das mudanças climáticas. As previsões de mudanças nos padrões de temperatura e regimes de chuva na região – incluindo o risco de desertificação – indicam a necessidade de a população local adaptar seus modos de vida e de produção.

O exemplo das unidades demonstrativas em Pintadas e região é um dos muitos esforços existentes, e para enfrentar os desafios atuais, é preciso ampliar a rede de pessoas trabalhando pela conservação e restauração da Caatinga.

Entender as dinâmicas de mudança de uso do solo, degradação e desmatamento no bioma é fundamental para compreender melhor as ações que podem contribuir com a resiliência dos produtores. Plataformas como a do MapBiomas podem trazer grandes insumos para políticas públicas.

Além disso, a restauração precisa ser vista como um elemento importante para a agricultura de baixo carbono na Caatinga. Trabalhar junto com atores locais, construir coalizões e entender as especificidades do bioma pode fazer com que a restauração ganhe corpo no bioma, colaborando com o enfrentamento das mudanças climáticas e justiça social para a população da região.


Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.

Saiba mais