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Apesar de muitos países europeus estarem especulando sobre o fim dos carros movidos a combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, para a década de 2030, a realidade parece distante do Brasil. Por outro lado, os brasileiros contam com o álcool, um combustível renovável que é alternativa comum e acessível à maioria dos motoristas. A dúvida entre álcool ou gasolina é comum entre os motoristas e é preciso levar outros fatores além do preço em consideração.

Quem tem um carro flex, que pode ser abastecido por álcool ou gasolina, geralmente determina o preço como fator preponderante para a aquisição de um ou de outro combustível. Mas será que essa atitude é a melhor em termos ambientais? Há fatores que precisam ser levados em conta para responder essa pergunta.

Nanopartículas

Pesquisa feita no Brasil por professores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Singapura e da Universidade Northwestern (EUA) revelou que o grande problema do uso de combustíveis fósseis como a gasolina está nas nanopartículas, também conhecidas como material particulado ultrafino (menor que 50 nanômetros). Com o uso de gasolina em vez de álcool na frota de veículos de uma cidade grande, o nível de nanopartículas aumenta em cerca de 30%.

“Essas nanopartículas de poluição são tão pequenas que se comportam como moléculas de gás. Ao serem inaladas, conseguem atravessar todas as barreiras de defesa do sistema respiratório e alcançar os alvéolos pulmonares, levando diretamente para o sangue substâncias potencialmente tóxicas, podendo aumentar a incidência de problemas respiratórios e cardiovasculares”, explica Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e coautor do artigo, em entrevista à Agência Fapesp.

O estudo foi realizado na cidade de São Paulo e é inédito, pois as análises comuns da qualidade de ar do município só levam em conta partículas sólidas de dez mil nanômetros (PM 10) e as de 2,5 mil nanômetros (PM 2,5) que são maiores que as nanopartículas, além de outros poluentes. São Paulo foi o local escolhido por ter a maior frota de carros flex do Brasil. Para efetuar a pesquisa, as análises foram feitas antes, durante e após uma forte flutuação no preço do etanol, no ano de 2011. O topo do prédio do Instituo de Física da USP, no Butantã, foi o local escolhido para a medição. Comprovou-se em uma situação cotidiana real que a opção pelo etanol reduz a emissão de particulado ultrafino. Até então, esse fenômeno só havia sido observado em laboratório.

“O incentivo aos biocombustíveis permite resolver vários problemas de uma vez. Ajuda a combater a mudança climática, reduz danos à saúde e promove avanços na tecnologia automotiva, pois a indústria terá estimulo para desenvolver carros mais econômicos e eficientes movidos a etanol”, defende Artaxo.

Mudanças climáticas

“A principal diferença do biocombustível de origem vegetal para os demais é relacionada com o problema de efeito estufa. O dióxido de carbono (CO2) que é lançado na atmosfera pelos dois tipos de combustíveis, é da mesma grandeza. No entanto, o etanol é renovável. Durante o desenvolvimento da planta, ela sequestra carbono da atmosfera. Por este motivo, você regenera a condição de CO2. Isso nunca pode ser posto de lado. Em termos de combustíveis fósseis, você retira carbono enterrado e o libera novamente na atmosfera, aumentando essa quantidade”, afirmou o engenheiro mecânico e ambiental, Eduardo Murgel, que trabalha há mais de 30 anos com a causa do meio ambiente, é autor de livros sobre o tema, além de ser professor do Senac e consultor, em entrevista ao Portal eCycle.

O ciclo do plantio da cana-de-açúcar, a matéria-prima do etanol brasileiro, praticamente neutraliza as emissões de CO2 para a atmosfera, apesar de haver a queima da palha, como veremos adiante. “Não podemos dizer que não há contribuição para o efeito estufa porque o transporte do combustível geralmente é feito com diesel, por exemplo, mas há quase uma neutralização”, explicou Murgel, que alerta para a vantagem do álcool em termos de baixa emissão de gases tóxicos. “O etanol é leve. Após a combustão, as partículas do álcool se transformam em CO2 ou não sofrem reação, ou seja, não liberam toxinas no ambiente. O total de emissão é da mesma ordem de grandeza do que a dos motores a gasolina, só que os hidrocarbonetos oriundos do álcool são, em geral, menos tóxicos do que os da gasolina. Algumas substâncias emitidas pela queima do diesel são cancerígenas, por exemplo”, explicou.

Os problemas da produção do álcool

O processo de produção do álcool também pode gerar problemas ambientais. Há dois pontos muito importantes a esse respeito:

Queima da palha de cana-de-açúcar

Esse método é bem comum e tem a finalidade de facilitar as operações de colheita. No processo, folhas secas e verdes são queimadas, já que são consideradas matéria-prima descartável. O problema é que esse processo gera emissões. São lançados à atmosfera CO2, monóxido de carbono (CO), óxido nitroso (N2O), metano (CH4) – esses dois últimos são piores para o desequilíbrio do efeito estufa do que o CO2. O ar também é poluído por fumaça e fuligem. Segundo artigo, a queima da palha equivale à emissão de nove quilos de CO2 por tonelada de cana, enquanto a fotossíntese da cana retira cerca de 15 toneladas por hectare de CO2. Isso significa que, apesar dos problemas, o balanço em termos de emissões ainda é positivo, já que mais CO2 é capturado do que liberado, mas há de se considerar o mal que essa poluição da queimada faz para os trabalhadores do entorno e para o meio ambiente. Há legislações estaduais que estabeleceram metas para banir gradualmente as queimadas de palha.

Uso de agrotóxicos

Mesmo os agrotóxicos liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) podem ser muito prejudiciais para trabalhadores, para o solo e para corpos d’água nas proximidades de plantações de cana-de-açúcar (veja mais em “Os problemas causados pelos agrotóxicos justificam seu uso?“). Em artigo sobre a produção de cana-de-açúcar em Itumbiara-GO, foram constatados problemas com trabalhadores que não fizeram uso de equipamentos apropriados na hora da pulverização, além relatos sobre contaminação de peixes e venda ilegal de agrotóxicos. Mesmo que tudo ocorra dentro da lei, agrotóxicos apresentam grande risco potencial.

O barato pode sair caro

Se puder optar, locomova-se via transporte público (que reduz a pegada de carbono significativamente), a pé, ou de bicicleta (que, além do ganho ambiental, ajuda a condicionar o organismo). Carros elétricos também são recomendados, mas a tecnologia ainda está longe de ser realidade no Brasil. Se você tem o carro flex, o melhor é optar sempre pelo álcool, mesmo que ele esteja mais caro que a gasolina. Como vimos acima, ambos combustíveis têm seus problemas (e não são poucos ou irrelevantes), mas ainda assim as externalidades negativas do álcool são menores. Desse modo, você contribui muito menos para a poluição do ar por nanopartículas na atmosfera da cidade, o que diminuirá as chances de você, sua família e os demais habitantes do município sofrerem com problemas oriundos da respiração de material particulado e das outras partículas maiores emitidas por combustíveis fósseis, que também causam problemas de saúde e ambientais. Segundo a ONU, a poluição mata mais que Aids e Malária em todo o mundo. Só na região de São Paulo, 7,9 mil pessoas morrem por ano por causa da poluição.

Julia Azevedo

Sou graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e apaixonada por temas relacionados ao meio ambiente, sustentabilidade, energia, empreendedorismo e inovação.

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