Por Ruth Engel, Eric Mackers, Madeline Palmieri & Eillie Anzilotti – WRI Brasil | Para enfrentar o aumento das temperaturas em cidades ao redor do mundo, cientistas e formuladores de políticas precisam monitorar o aquecimento com um nível de detalhamento mais refinado do que apenas checar o termômetro. Existem diversas ferramentas que podem ajudar a traçar um panorama mais completo.
Algumas métricas, como a temperatura da superfície terrestre, podem ajudar a comparar diferentes partes da cidade. Outras, como a temperatura do ar, índice de calor e temperatura de bulbo úmido, descrevem as condições regionais em um bairro ou área urbana. E, cada vez mais, os especialistas analisam dados mais complexos, os chamados índices de conforto térmico, para demonstrar os impactos do calor nas pessoas nos locais onde vivem.
Depois que 2024 foi registrado como o ano mais quente da história, pesquisadores projetam um aumento de quase 3°C na temperatura até 2100 se não reduzirmos substancialmente as emissões globais de gases do efeito estufa. Esse aumento teria um impacto desproporcional sobre as cidades – onde características como a extensa pavimentação e a falta de áreas verdes podem elevar a temperatura em 1°C adicional – e os mais de 4 bilhões de pessoas que vivem em áreas urbanas.
O calor extremo pode se estender por grandes áreas geográficas, mas é na escala local que as pessoas o experimentam. A escolha das melhores métricas para ter um monitoramento adequado é essencial para que as cidades em possam de fato combater o calor extremo à medida que as temperaturas continuam aumentando.
Formas tradicionais de medir calor
Quando falamos sobre exposição ao calor, nos referimos a uma série de diferentes fontes de calor que influenciam nossa percepção. Suponha que uma pessoa esteja na rua durante uma onda de calor: a radiação direta do sol, a radiação refletida de superfícies como estradas ou edifícios, o ar ambiente e a umidade, tudo contribui para o nível de calor que essa pessoa pode se sentir.

A seguir, confira os usos e restrições de algumas das métricas tradicionais para monitorar o calor.
Temperatura da superfície terrestre
A temperatura da superfície terrestre é calculada a partir de dados de satélite e mede a temperatura de superfícies, incluindo telhados, copas das árvores e asfalto. Embora essa métrica não tenha um significado prático para a maioria das pessoas, sua facilidade de cálculo em qualquer lugar do planeta a torna uma ferramenta essencial para mapeamento térmico científico e, por muitos anos, tem sido a principal referência para análises de calor urbano. A temperatura da superfície terrestre é útil para comparar diferentes áreas das cidades e avaliar quais superfícies tendem a absorver calor e liberá-lo lentamente ao longo do dia. No entanto, essa métrica não é eficaz para compreender a exposição humana ao calor, pois não considera a maioria dos fatores que influenciam a forma como as pessoas sentem calor. Por exemplo, mesmo que uma pessoa esteja sobre um gramado fresco, ela ainda sentirá calor se estiver no sol em um dia quente e úmido.
Temperatura do ar
A temperatura do ar é medida aproximadamente dois metros acima do solo. Por ser uma métrica de modelagem e compreensão simples, é a medida utilizada pela imprensa e outros meios de comunicação em seus boletins meteorológicos. Ela é aferida com um termômetro simples e fornece uma visão clara das condições climáticas de um local, desconsiderando outros fatores, como umidade ou incidência solar, que podem influenciar a sensação térmica. Como a temperatura do ar reflete as condições de fundo, é uma métrica ideal para analisar e comparar temperaturas ao longo do tempo.
No entanto, pode ser um desafio medir a temperatura do ar em um bairro ou cidade. Leituras consistentes em áreas grandes dependem de estações meteorológicas, que podem ser geograficamente escassas e caras de manter, ou de sensores de baixo custo, os quais, por sua vez, podem ser imprecisos e sujeitos a falhas. Os cientistas precisam então interpolar os dados entre os pontos observados e modelar a distribuição da temperatura na região.
Além disso, a temperatura do ar não abrange outros fatores atmosféricos ou ambientais, como a presença de árvores e sombra, que podem influenciar a sensação térmica em determinadas áreas ou bairros. Além disso, seriam necessários elementos naturais ou intervenções significativas, como um grande corpo d’água ou um bairro inteiro com telhados frios, para impactar de forma perceptível a temperatura do ar de uma região. Portanto, se as cidades desejam proteger a população dos impactos da exposição ao calor, a temperatura do ar por si só não oferece informação suficiente.
Índice de calor e temperatura de bulbo úmido
Meteorologistas calculam a sensação térmica usando o índice de calor, uma métrica que ajusta a temperatura do ar com base na umidade. Por exemplo, quando a umidade e a temperatura estão altas, o corpo tem mais dificuldade em regular a temperatura por meio da transpiração. Por outro lado, baixa umidade em temperaturas mais altas – o chamado “calor seco” – torna a sensação térmica mais amena, porque a menor quantidade de umidade no ar permite que o suor evapore mais rapidamente, resfriando o corpo. O índice de calor, portanto, ajuda a prever como o corpo reagirá ao clima em determinado dia, sendo uma ferramenta útil para avaliar se é seguro trabalhar ao ar livre ou praticar esportes.
A temperatura de bulbo úmido é uma métrica semelhante, mas considera também a incidência direta do sol e a velocidade do vento, além da temperatura do ar e da umidade. Esse índice fornece uma visão mais detalhada sobre a exposição ao calor ao determinar o quanto mais calor uma pessoa sente sob o sol e com pouca circulação de ar.
O índice de calor e a temperatura de bulbo úmido são medidos com termômetros especiais ou estações meteorológicas e interpolados da mesma forma que a temperatura do ar. Como essas métricas levam em conta diversas fontes de calor, são melhores indicadores da carga térmica – o impacto cumulativo do calor ambiental sobre uma pessoa – do que a temperatura isolada. No entanto, assim como a temperatura do ar, não variam significativamente ao longo do espaço e, por isso, nem sempre abrangem as diferenças ambientais locais.

Esses métodos, comumente usados para medir fontes de calor, não abrangem todas as dimensões de como uma pessoa pode sentir calor ou seu impacto na saúde, que pode variar de forma significativa de indivíduo para indivíduo. O ambiente, por exemplo, desempenha um papel fundamental e pode modificar os efeitos do calor até mesmo dentro de uma mesma cidade. Por exemplo, os moradores do centro de Los Angeles, uma área de densidade populacional alta e poucas áreas verdes, sentem o calor de maneira diferente das pessoas que vivem no lado oeste da cidade, exposto aos efeitos refrescantes do Oceano Pacífico.
Cada métrica de temperatura tem uma utilidade e pode embasar diferentes tipos de intervenções – desde telhados frescos até sistemas de alerta para ondas de calor. No entanto, esses métodos não abrangem todas as formas pelas quais o calor afeta as pessoas em seus bairros. Para que as autoridades municipais respondam de forma adequada aos impactos crescentes do calor urbano extremo, as cidades também precisam considerar a modelagem de conforto térmico.
Modelagem de conforto térmico para medir o calor
Quando alguém está ao ar livre em um dia quente, diversos fatores afetam a sensação térmica, como a radiação direta do sol, a radiação refletida em superfícies, a temperatura ambiente, o nível do vento e a umidade. As métricas de conforto térmico calculam os efeitos cumulativos dessas fontes de calor, proporcionando avaliações mais detalhadas da exposição ao calor.
Por exemplo, se uma pessoa caminha ao meio-dia em um dia quente e úmido por uma rua asfaltada mas com sombra de árvores, as métricas de conforto térmico avaliam a exposição ao calor combinando fatores como a luz solar filtrada pela copa das árvores, a temperatura do asfalto e as condições climáticas no entorno. Se essa mesma pessoa refizer o caminho às 18h, uma métrica de conforto térmico pode prever que ela sentirá menos calor devido à área sombreada maior e à temperatura do ar mais baixa, mesmo que o calor acumulado no asfalto tenha aumentado.
O conforto térmico é medido por um conjunto de instrumentos, incluindo termômetros especializados e medidores de vento. Trata-se de uma métrica calculada por meio de modelos tridimensionais que consideram meteorologia, radiação direta e refletida, cobertura arbórea, edificações, uso do solo e sombras. Cada vez mais, cientistas utilizam métricas como o índice universal de conforto térmico, a temperatura radiante média e a temperatura fisiologicamente equivalente para calcular o conforto térmico. Em Singapura, por exemplo, planejadores urbanos usam a modelagem de conforto térmico para testar intervenções de desenho urbano para reduzir a exposição ao calor, como corredores de vento, edifícios verdes e áreas sombreadas a fim de resfriar os espaços onde as pessoas sentem mais calor.
As métricas de conforto térmico são calculadas em escalas locais, em raios entre um e cinco metros, o que permite avaliar variações de sombra, vegetação, superfícies e outros aspectos relevantes do desenho urbano. Como resultado, os índices de conforto térmico ajudam os cientistas não apenas a entender a exposição ao calor, mas também a projetar infraestruturas mais resilientes, que possam mitigar essa exposição.
As métricas modeladas também são úteis para priorizar e definir a localização de intervenções. Como utilizam modelagem, elas podem demonstrar os efeitos locais da construção de um novo parque, do plantio de árvores ou da orientação de edifícios para proporcionar sombra aos pedestres. Da mesma forma, a modelagem da temperatura do ar pode ajudar a prever o impacto de intervenções em larga escala, como a implementação de telhados frescos em toda uma cidade.
Nos últimos anos, avanços na disponibilidade de dados mais detalhados possibilitaram calcular o conforto térmico com mais precisão e a um custo menor, tornando o uso dessas métricas viável junto à análise dos métodos tradicionais. Agora, cientistas e formuladores de políticas contam com mais opções para avaliar o calor extremo: podem escolher o indicador mais adequado, a escala física e o período de tempo mais apropriado para entender como o meio urbano influencia tanto a temperatura ambiente quanto a sensação térmica.

Métricas adequadas para metas locais
Intervenções para mitigar o calor extremo serão cada vez mais essenciais. Utilizar as métricas mais adequadas para avaliar o impacto dessas intervenções é fundamental para determinar como, onde e quando as mudanças são mais eficazes.
Diferentes atores podem ter diferentes objetivos em relação ao calor. Ao planejar cidades mais resilientes, com melhor infraestrutura e benefícios adicionais para diversos setores, é essencial selecionar as métricas apropriadas para medir e embasar essas metas. Algumas políticas e projetos podem priorizar a proteção da saúde humana durante eventos de calor extremo, enquanto outros podem focar na redução da formação de ozônio ao nível do solo ou na diminuição da carga sobre as redes de energia. Cada objetivo depende de um tipo específico de métrica e de dado para orientar seu planejamento e implementação.
Possíveis metas relacionadas ao calor e métricas de monitoramento

Tanto as cidades quanto as pessoas enfrentam os efeitos do calor, por isso os gestores municipais devem considerar intervenções que incidam tanto em escala urbana, para reduzir as temperaturas ambientes ao ar livre, quanto em nível local e de bairro, para amenizar a exposição diária das pessoas ao calor.
Assim como diferentes métricas são adequadas para diferentes objetivos, o mesmo vale para avaliar a eficácia de cada intervenção. Por exemplo, telhados frescos ajudam a reduzir o calor em um bairro, e a melhor forma de avaliar seu impacto é por meio da temperatura do ar em escala regional. Já a sombra protege as pessoas ao diminuir sua exposição ao calor, e as melhores métricas, nesse caso, são as de conforto térmico.
Com o aumento dos riscos do calor extremo nas cidades, gestores e planejadores precisam de um conjunto diversificado de ferramentas para compreender e responder a esses desafios. Apenas saber que uma cidade está mais quente não é suficiente: escolher as métricas certas para monitorar cada dimensão do problema produz um conhecimento mais profundo sobre os desafios locais e suas possíveis soluções.
Este texto foi originalmente publicado pela WRI Brasil, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.