Quando o tema é Amazônia, logo se pensa no desmatamento da floresta e, mais recentemente, no fogo que já queimou mais de 16 mil km2 – um aumento de 26% em relação ao mesmo período de 2018. Mas a perda de água é uma ameaça mais silenciosa à maior floresta tropical do planeta.
Um estudo inédito do WWF-Brasil e do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), publicado na revista científica Water/MDPI revelou dados extremamente preocupantes: em média foram perdidos 350 km2 de área coberta por ambientes aquáticos por ano desde a década de 1980 – áreas úmidas como várzeas, mangues e lagos.
“Essa perda significa que a cada ano temos menos água do que o esperado na Amazônia. Pequenos rios, lagos, estão perdendo área e volume e as áreas úmidas estão desaparecendo”, afirma Bernardo Caldas, analista de conservação do WWF-Brasil. “Isso traz consequências graves, tanto para o meio ambiente como para as pessoas, porque a redução de área alagada diminui a população de peixes, os estoques pesqueiros e o consumo de proteína pela população local”.
O estudo do WWF-Brasil e do Imazon mostra que a diminuição de áreas alagadas é causada pelas alterações no regime de chuvas, mas também pelo desmatamento e uso do solo, e pela realização indiscriminada de obras de infraestrutura, como por exemplo barragens para a produção de energia. As grandes obras afetam a dinâmica natural do ecossistema e geram alterações nos corpos hídricos e fluxos de água que impactam todo o sistema.
A faixa onde estão mais evidenciadas essas múltiplas intervenções humanas coincidem com o chamado arco do desmatamento, na porção sul da Amazônia.
“É necessário um planejamento ambiental estratégico que considere o impacto das grandes infraestruturas, mas o causado por um conjunto de milhares de pequenas obras que cumulativamente afetam uma bacia hidrográfica. Como por exemplo o abastecimento de água para a população local, a dessedentação dos animais, a produção agropecuária, a segurança alimentar de comunidades, o turismo e a própria necessidade dos ecossistemas de terem espaço e tempo para sua auto-manutenção”, finaliza Bernardo Caldas.
O pesquisador do Imazon, Carlos Souza Jr., diz que o estudo da NASA reforça a hipótese de que o clima está também contribuindo para esse processo. “A hipótese do nosso estudo é que há dois vetores que estão contribuindo para a perda de superfície de água na Amazônia: uso da terra e mudanças climáticas. As alterações do uso da terra foram evidenciadas no nosso estudo, com o desmatamento causando a ruptura da rede drenagem impactando pequenos rios e lagos”, assegura Souza.
O Imazon quer seguir investigando os efeitos da perda de água na Amazônia. “Nossa próxima investigação será analisar como esses impactos na redução da água vão afetar as populações tradicionais e indígenas, a produção de alimentos e de energia, e a biodiversidade. A redução da água pode ser um dos primeiros sinais mais claros de tipping point na Amazônia. Precisamos entender como o efeito combinando do clima e uso da terra podem acelerar esse processo e atingir outros ecossistemas. Estamos num momento crucial em que a ciência precisa ser entendida pela sociedade e ser considerada seriamente nas políticas públicas da região”, diz Carlos Souza Jr.
Um estudo da NASA publicado no fim de outubro, corrobora os dados do estudo do WWF-Brasil e do Imazon. O documento mostra que, nos últimos 20 anos, a atmosfera acima da floresta amazônica está secando, aumentando a demanda por água e deixando os ecossistemas vulneráveis a incêndios e secas. Também assegura que esse aumento na secura é principalmente o resultado de atividades humanas. “A mudança na aridez atmosférica está muito além do que seria esperado da variabilidade natural do clima”, diz o pesquisador Armineh Barkhordarian, principal autor do estudo.
“É uma questão de oferta e demanda. Com o aumento da temperatura e o ar seco por cima das árvores, as árvores precisam de mais água do solo para transpirar. Mas o solo não tem água extra para as árvores”, explica Sassan Saatchi, co-autor do estudo. “A demanda está aumentando, a oferta está diminuindo e, se isso continuar, a floresta poderá não ser mais capaz de se sustentar”.
As árvores e plantas retiram água do solo e liberam vapor de água por meio dos poros das folhas na atmosfera, onde esfria o ar e, eventualmente, sobe para formar nuvens e chuva – as florestas tropicais geram até 80% de sua própria chuva, especialmente durante a estação seca.
A perda de água da Amazônia impacta não só o meio ambiente local e brasileiro – redução de ecossistemas aquáticos e suas populações – como também países como Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, que recebe o vapor de água do bioma levado pelas massas de ar. Ou seja, a diminuição de água na superfície causa a diminuição de vapor na atmosfera e, consequentemente, menos chuvas.
O estudo do WWF-Brasil e Imazon utilizou imagens do satélite Landsat coletadas durante 33 anos (1985 a 2017), novas tecnologias de processamento de dados em nuvens de computadores e uma análise dedicada com parceiros do Imazon.
O estudo da NASA, “Um recente aumento sistemático do déficit de pressão de vapor na América do Sul tropical”, foi publicado em outubro na Scientific Reports. A equipe científica utilizou dados do instrumento Atmosfer Infrared Sounder (AIRS) da NASA a bordo do satélite Terra.
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