Meu Lugar na UFRGS | O catador Alexandro Cardoso fala de sua trajetória e de como encontrou na Universidade um lugar que possibilita aprender e atuar para ajudar a melhorar a vida de seus companheiros de profissão
Por Rodrigo Rodrigues Flores, do Jornal da Universidade – UFRGS | Alex viu a porta de uma escola aberta e entrou. Fazia vinte anos que ele havia parado de estudar, conversou com uma professora e começou naquele dia mesmo, sem ainda nem fazer a matrícula. 2014 foi o recomeço da sua trajetória como estudante.
Terceira geração de catadores, Alexandro Cardoso começou a trabalhar muito cedo. Com 16 anos teve o primeiro filho, com novas responsabilidades o trabalho foi ocupando a maior parte da sua vida, até não haver mais espaço para os estudos. Parou de estudar na sexta série.
Organização dos trabalhadores
Em 2001, Alex começou a se articular com o movimento dos catadores de materiais recicláveis. Esteve presente no primeiro Congresso Nacional da categoria. Foi a primeira ver que saiu do Rio Grande do Sul e dormiu em hotel, mas essa viagem mudou sua vida. Quando voltou, tornou-se um dos dirigentes do movimento e, com o tempo, estava em reuniões da OIT (Organização Internacional do Trabalho) em Genebra e Nairóbi, ao lado de presidentes da república, desenhando políticas públicas. Mas essa vida durava pouco.
“Toda essa história acabava quando eu voltava pra Porto Alegre, saía do Aeroporto e pegava o ônibus lotado. Acabava meu sonho de ‘princeso’. Chegava na vila e voltava a ter a mesma condição que tinha. Em alguns espaços era reconhecido mas na maioria era apenas um catador”, diz.
Esse contato com outras lideranças, doutores e ministros, além da necessidade de discutir assuntos mais complexos, fez com que Alex sentisse falta dos estudos. A vontade sempre esteve lá, mas ia sempre adiando, até que um dia se deparou com aquela escola com a porta aberta.
Trajetória de estudos
Terminou a sexta série, e depois o ensino fundamental; e, finalmente, o médio. Então, abriu-se a oportunidade de ir para uma faculdade. Para levar o sonho adiante, entrou em um cursinho pré-vestibular popular, estudou por vídeos no Youtube, leu livros e começou a viver uma vida voltada para os estudos. Como resultado, entrou na UFRGS. Mas o ingresso não foi automático, pois foi aceito com uma matrícula precária.
Outra dificuldade foi conciliar trabalho e estudos. Foi necessária a colaboração dos pares de profissão, que entenderam o momento de foco na educação, para criar uma agenda em que os compromissos como dirigente não atrapalhassem as aulas.
Cotista orgulhoso, acredita que as cotas abrem as portas do Ensino Superior para pessoas que podem mudar o mundo. Aqueles que “são pequenos, trabalham de sol a sol para sobreviver, sustentam quatro filhos com um salário mínimo”. Segundo ele, são as pessoas que têm em sua forma de viver uma ciência funcional que não deixa ninguém para trás. Acrescenta, ainda, que cotas são a oportunidade que a Academia tem para mudar sua lógica elitista, seu pensamento colonial. É por isso, também, que Alex defende a universidade gratuita para o crescimento da nação, para gerar discussões e soluções sobre como erradicar a fome e a miséria e promover a distribuição da riqueza. Ele, porém, acredita que o acesso à universidade pública deveria ser amplo.
A escolha de Ciências Sociais foi natural. Sempre teve sua vida marcada pelo discurso social, e as pessoas que mais se interessavam e conversavam com Alex em eventos eram dessa área.
“Nas Ciências Sociais não se estuda a pobreza. É que o rico se esconde e não quer falar por que é rico. Eles vão ter que assumir que são ricos por causa de uma estrutura baseada em sangue, vai cair o mito de que o rico é rico porque se esforça”, critica.
As consequências do estudo
Agora no mestrado em Antropologia Social, sua vida se locomoveu de um espaço sem visibilidade para um de destaque, mas esse é apenas o aspecto visível. Alex dá palestras, ministra cursos e é autor de dois livros (um deles ainda não lançado). Além disso, estar no espaço universitário permitiu a mobilização para ajudar famílias de catadores durante a pandemia a terem seu sustento e sirve de exemplo, mostrando que é possível chegar à Universidade, principalmente para crianças da periferia.
A série Meu Lugar na UFRGS é um projeto conjunto entre o JU e a UFRGS TV. Confira abaixo a reportagem em vídeo:
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Universidade de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.