Por Gabhriel Giordani, da UFRGS | Uma pesquisa realizada no Programa de Pós-graduação em Biologia Animal (PPGBAN) da UFRGS avaliou os impactos das florestas não nativas na preservação de borboletas. Após coletar e analisar amostras de diferentes espécies de borboletas frugívoras (que se alimentam de frutas) na Floresta Nacional de São Francisco de Paula (RS), os cientistas observaram maior qualidade de espécies nas florestas de araucárias – nativas do Estado – do que nas plantações de pínus, árvore originária da América do Norte. A pesquisa resultou, além de em uma dissertação de mestrado, em artigo publicado em agosto na Forest Ecology and Management.
Os pínus (Pinus spp.) formam um tipo de floresta não nativa, comum e muito extensa em regiões acima de 500 metros do nível do mar. Para entender o impacto dessa espécie na fauna, a autora do trabalho, Lady Carolina Pinilla, analisou a presença das borboletas em três áreas: pinheiros jovens (com árvores de 20 anos), pinheiros antigos (com plantas na faixa dos 70 anos) e araucárias nativas. A variedade desses insetos foi similar entre as áreas de pínus jovens e antigos, mas diferente nas regiões de araucária nativa.
As condições microclimáticas e as respostas das borboletas a essas condições diferiram entre os tipos de vegetação. As plantações de pínus são mais secas, quentes e iluminadas do que as florestas de araucárias. Na mata nativa, quando a temperatura média aumenta, há um crescimento em abundância e riqueza de espécies de borboletas frugívoras. Nas áreas de pínus antigos, ocorre o contrário: quanto maior a temperatura, menor a riqueza de espécies. As borboletas das áreas de pínus jovens são menos afetadas por essas variações.
A orientadora do trabalho, a professora do Instituto de Biociências Helena Romanowski, destaca que entender as assembleias de borboletas é compreender o funcionamento do ecossistema. “Borboletas frugívoras, ao contrário da maioria das outras espécies, em vez de se alimentarem de néctar, se alimentam de frutos em decomposição”, destaca. “As fezes delas viram matéria vegetal reprocessada que vai integrar o solo. Mesmo sendo pouco, são milhares de indivíduos que participam desse processo todos os dias, o que acaba tendo um impacto muito grande”, complementa. Além disso, ela alega que cerca de 60% dos animais se alimentam de insetos, deixando clara a importância das borboletas na cadeia alimentar.
Inicialmente, os pesquisadores previram que a riqueza e a abundância de borboletas frugívoras em matas de araucárias e em áreas de plantação antiga de pínus seriam mais semelhantes entre si e difeririam daquelas áreas em que o plantio de pínus era mais recente. O estudo, todavia, demonstrou que ambas as áreas de pínus – antigas e jovens – diferem radicalmente das matas de araucária.
Isso ocorre devido a condições bióticas (a existência de espécies de plantas que lagartas e borboletas possam se alimentar é particularmente importante) e abióticas (temperatura e umidade): plantações de pínus – de qualquer idade – alteram drasticamente essas condições microclimáticas. Além disso, a substituição de áreas naturais por silvicultura impossibilita a ocorrência de algumas espécies especialistas e, assim, áreas de pínus apresentam comunidades simplificadas, com baixa variação de espécies.
Entre novembro de 2016 e março de 2017 e de outubro de 2017 a março de 2018, os pesquisadores inseriram 60 armadilhas para atrair borboletas frugívoras, a partir das quais foram identificados 3.622 indivíduos de 40 espécies.
A maior recorrência foi identificada nos sítios de pínus antigos, com 1.609 indivíduos (44,42%), distribuídos em 33 espécies, três delas únicas desse tipo de vegetação. Os sítios de pínus jovens continham 1.306 (36%) indivíduos, organizados em 30 espécies, sendo três delas exclusivas. Por fim, os sítios de floresta nativa apresentaram a menor abundância dentre as estudadas, com 707 indivíduos (19,52%) em 20 espécies, com quatro espécies exclusivas.
O fato de os sítios de pínus antigos apresentarem maior quantidade de espécies do que as matas nativas, no entanto, não indica melhor saúde ambiental ou nível de conservação, ressalta Helena.
“O que realmente nos diz algo sobre esse ambiente é o tipo de espécie, quais espécies ocorrem. São espécies associadas a ambientes específicos ou espécies comuns e pouco especializadas, que poderiam ocorrer em ‘qualquer’ lugar?”
“A maioria das espécies encontradas nas áreas de pínus antigos é ‘oportunista’ e se adapta a diversos tipos de habitat, mesmo os muito alterados, o que indica o impacto dessas florestas na fauna”, complementa a pesquisadora.
Os resultados do estudo demonstram que, após 70 anos da inserção da floresta não nativa de pínus, algumas espécies de borboletas frugívoras não conseguiram se manter nesses locais, diferente do que foi observado nas florestas nativas preservadas. Junto a essa perda, algumas espécies de borboletas especializadas em pastagens foram declaradas extintas após 20 anos do início do plantio de pínus.
Helena destaca que a plantação de pínus acarreta dois problemas graves. O primeiro é que as folhas dessa planta, quando caem, liberam no solo uma substância chamada aleloquímicos, inibindo o crescimento de outras vegetações em volta. E o segundo problema é a facilidade de proliferação dessa árvore, já que, por conta da pinha (seu meio germinativo), os brotos são espalhados pelo vento, invadindo as áreas ao redor.
Com novos mosaicos de florestas não nativas que substituem modelos anteriores, novos ecossistemas surgem devido a essas ações. Os pesquisadores também alegam que é crucial realizar mais análises e coletar diferentes amostras dessas regiões, visto que a Mata Atlântica desempenha uma função de grande importância na conservação da biodiversidade.
Eles também recomendam que, além de uma agenda de práticas de restauração de campos nativos, também se criem atitudes mais sustentáveis para o desenvolvimento da silvicultura, por meio de espécies arbóreas nativas em locais florestais já degradados, com a intenção de conservar a biodiversidade.
Este texto foi originalmente publicado pela UFRGS de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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