Por Jornal da USP | A MP 1.150/22, aprovada no governo anterior, altera a Lei nº 12.651, de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, e pode tornar inócua questões relacionadas à Mata Atlântica e ao Código Florestal, além de abrir possibilidades para o aumento do desmatamento neste que é o bioma mais ameaçado do País.
O professor Jean Paul Metzger, do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da USP, explica alguns dos interesses por trás da aplicação dessa medida: “Trata-se de uma prorrogação da regularização do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Todo proprietário rural que tem algum passivo ambiental, que precisa fazer algum tipo de restauração para adequar a sua propriedade à lei, precisa ter esse cadastro. A partir do cadastro, ele vai requisitar a adesão a um programa de regularização ambiental e, a partir daí, ele tem um tempo para se regularizar”.
De 2012 até agora já foram feitos vários adiamentos em relação à regularização de propriedades: “A princípio, era para que todo proprietário aderisse ao CAR e, se necessário, ao PRA (Programa de Regularização Ambiental), dentro de um prazo de um ou dois anos, mas isso foi sendo adiado e esse é o sexto adiamento de prazo para que os proprietários com passivos ambientais possam aderir ao CAR […] A aplicação da lei vem sendo adiada ad aeternum, fica parecendo que a lei é de papel, que não é feita para ser aplicada”, acrescenta Metzger.
Outra problemática apresentada pelo professor são os jabutis legislativos relacionados a leis ambientais: “Quando isso [MP] tramitou em março deste ano, na Câmara dos Deputados, alguns deputados incluíram algumas emendas que não tinham nada a ver com esse assunto, eles aproveitaram essa Medida Provisória para incluir algumas emendas que enfraquecem não mais a lei de Proteção da Vegetação Nativa, mas sim a lei da Mata Atlântica, que é o único bioma que tem uma lei de proteção que é específica para ele em função do grau de degradação que a Mata Atlântica tem”.
O enfraquecimento da lei se manifesta numa maior permissividade para o desmatamento do bioma: “As emendas colocadas permitem que haja corte de matas primárias ou em estágios avançados em vegetação, que já são mais maduras, têm mais diversidade, que são aquelas que a gente não deveria perder nunca, porque são as áreas mais importantes da Mata Atlântica e que, dentro da legislação atual, só poderiam ser cortadas em casos muito excepcionais de utilidade pública. Mas agora, com esses jabutis, seria possível cortar matas primárias, biodiversas, importantes para a sociedade, para empreendimentos lineares, redes de abastecimento de água, gasodutos, minerodutos, empreendimentos sem medida compensatória e sem estudos de impacto”, complementa.
Em adição à MP e aos jabutis, o envolvimento do poder municipal nas leis que protegem a Mata Atlântica configura uma nova preocupação, conforme detalha Metzger: “Foi incluída uma emenda que permite que municípios sejam os órgãos que autorizam o corte de vegetação em estágio intermediário e pioneiro, principalmente quando essa vegetação se encontra dentro de áreas urbanas, tirando o papel dos órgãos estaduais, que seriam os órgãos mais preparados para avaliar a pertinência desse tipo de impacto. Então, basta o município ter um plano de retorno e um conselho de meio ambiente, que pode ser criado muito rapidamente, para ele decidir sobre corte da Mata Atlântica nos estágios mais intermediários. O que também é muito perigoso, porque a gente sabe que órgãos municipais são muito mais sujeitos às pressões políticas”.
A expectativa, portanto, é que o Senado possa derrubar emendas que fragilizam ainda mais as leis ambientais, para que elas se tornem aplicáveis: Lá em 2012, foi feita uma série de concessões, teve uma anistia de praticamente 40 milhões de hectares de áreas que precisavam ser restauradas e que não precisam mais. A principal justificativa de toda essa flexibilização foi que a nova lei seria mais aplicável, no entanto, a aplicação está sendo postergada ad aeternum, então, o sinal que a gente está dando para os proprietários globais é que pode ser que a lei nunca seja aplicada”, conclui Metzger.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais