Os professores Celso Grisi e Fábio Barbieri discorrem acerca dos impactos do mercado ilegal na economia brasileira
Por João Dallara em Jornal da USP
De acordo com uma pesquisa da Akamai, empresa de cibersegurança norte-americana, o Brasil é o quinto país que mais consome conteúdo on-line pirata no mundo. Além disso, conforme levantamento do Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade, em 2020, o Brasil perdeu cerca de R$ 287 bilhões para o mercado ilegal. O valor divulgado é a soma das perdas registradas por 15 industriais e a estimativa dos impostos que deixaram de ser arrecadados.
O professor Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, analisa o consumo de pirataria no cenário brasileiro e entende que a desigualdade socioeconômica presente no País e o baixo poder de compra de grande parte da população são fatores que influenciam a busca pelo mercado ilegal. “O contrabando e todas essas atividades ilegais, os crimes que a gente já entende que sejam realmente condutas criminalizadas, oferecem produtos que não pagam imposto, não pagam imposto de importação, não pagam IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aqui dentro. Não pagam nada e chegam a um preço extremamente convidativo para quem compra”, afirma.
De acordo com o professor, os preços mais baixos encontrados no mercado ilegal estimulam a compra por parte da população: “Se o indivíduo não tiver uma certa formação em termos comerciais, ética, ele vai se seduzir pelo preço, e claro que uma classe social que passa por essa dificuldade vê nesse preço um atrativo muito grande. Pensa um pouco em roupas, em vestuário, para você ver a economia que isso representa para a classe mais baixa. Ela então se seduz com isso e começa a comprar em quantidades muito grandes.”
Prejuízos econômicos
Grisi comenta sobre os impactos da pirataria na economia brasileira: “Primeiro, a sonegação de impostos de toda a natureza. O imposto de importação, os impostos federais, estaduais e municipais. Em primeiro lugar, uma arrecadação que se perde e que deixa de ser aplicada a favor da população brasileira. Em segundo lugar, ao trazer esses produtos para cá, às vezes até produtos de muita qualidade, nós acabamos fechando vagas de emprego que poderiam estar abertas se o produtor nacional de vestuário, de calçados e todos esses itens que chegam através da pirataria não entrassem na nossa economia. Isso abriria espaço para que a gente tivesse uma produção maior desses itens no Brasil e, portanto, o nível de emprego crescendo.”
Além de causar prejuízos econômicos, a compreensão do brasileiro sobre a importância da arrecadação de impostos também é afetada. “Acaba deseducando toda uma população que devia estar consciente das necessidades de recolhimento de impostos. Eu entendo que a população possa, muitas vezes, se opor a essa ideia de recolher impostos, porque eles são mal gastos no Brasil. As prestações desse montante são muito duvidosas do ponto de vista da qualidade do gasto, da eficiência desses investimentos. Entretanto, isso não é desculpa para não recolher”, comenta o professor.
Cenário brasileiro
Já Fábio Barbieri, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP, faz ressalvas em relação à pirataria e entende que alguns produtos considerados ilegais não deveriam ser: “Primeiro, a gente precisa distinguir esse termo pirataria. Evidentemente têm as coisas que são erradas, que são ilegais, como a falsificação, que é uma fraude. Você vende uma bolsa de marca X que não é, é uma coisa falsificada, isso é um crime e deveria ser. Mas o problema são outras coisas que são consideradas crime e não deveriam ser, que é a competição, o livre comércio. Então, as empresas estabelecidas, elas tendem a tratar como algo ilegal coisas que não deveriam ser tratadas como ilegais. Isso se manifesta na forma de selos de qualidade, esse tipo de coisa, que nada mais são do que formas de proteger o mercado contra a concorrência.”
Alguns mercados, como o de brinquedos, são mencionados por Barbieri para exemplificar o protecionismo brasileiro e a falta de desenvolvimento da indústria nacional, fatores que contribuem com a pirataria. “Eu fui para a África do Sul alguns anos atrás e fiquei fascinado com a variedade e os preços que você encontra de brinquedos no exterior, que não têm no Brasil”, indica.
Barbieri ressalta o protecionismo de algumas empresas no Brasil: “O que é prejudicial ao consumidor é você pagar muitas vezes mais caro do que o preço internacional dos bens. Isso atrapalha não só os consumidores, atrapalha as próprias indústrias locais. Mas não as indústrias que vendem esses produtos, todas as outras indústrias que consomem aqueles produtos que poderiam ser importados ou que poderiam gerar um estímulo para a gente ter produtos mais baratos aqui.”
Apenas combater a pirataria não é eficiente, há a necessidade de um mercado econômico competitivo e uma produção local influente. “O que atrapalha mesmo, o que torna o País pobre são justamente os mecanismos legais utilizados para impedir a competição. Por isso o Brasil é um dos países que mais têm comércio ilegal de mercadorias. É porque é um dos países mais fechados do mundo e, portanto, os produtos daqui são bem mais caros. Um dos assuntos que é bastante complexo é que a gente tem que comparar a competição com o monopólio. Se eu abrisse os mercados da competição, aí sim eu teria estímulo tanto a ter insumos mais baratos quanto a pressões para que haja concorrência, inovação, esse tipo de coisa”, destaca o professor.