Estudo que analisou mortalidade das árvores e emissão de carbono mostra que a floresta não se recupera, e ação humana a transforma em promotora do efeito estufa
Na floresta amazônica, estudo conduzido por uma rede internacional de cientistas monitorou por três anos mais de seis mil plantas em áreas que enfrentam seca e fogo, devido ao aumento das temperaturas e da intensidade da seca causados pelo fenômeno El Niño, em 2015. No período, se a área estudada – que corresponde a 1,2% da Amazônia brasileira – fosse um país, seria o 15º maior emissor mundial de gás carbônico, gás poluente liberado com a queima e a decomposição das árvores. Quando comparadas, as florestas queimadas emitiram quase seis vezes mais carbono na atmosfera do que as que passaram apenas pela seca. Segundo os registros, apenas 37% desse carbono foi compensado pelo crescimento de novas plantas, o que preocupa, também pelo fato de o Brasil desconsiderar essa emissão nos compromissos climáticos internacionais.
Os dados de um estudo internacional com participação da USP mostraram que, até o fim do monitoramento, houve excesso de mortalidade de árvores nas florestas afetadas pela seca. Já nas afetadas também pelo fogo, após dois anos e meio, a maioria das plantas monitoradas já não havia sobrevivido. O estudo também identificou que, nas áreas afetadas somente pela seca, as árvores com maior densidade de madeira tinham maiores chances de sobreviver. Nas florestas queimadas, as árvores localizadas em florestas que já haviam passado por outros distúrbios por ação humana no passado eram mais vulneráveis à morte. No total foram 2,9 bilhões de mortes de plantas registradas.
As áreas florestais monitoradas compõem 21 parcelas de 2.500 m2 cada, estabelecidas desde 2010, em Santarém, no Pará (PA). A região é conhecida como Baixo Tapajós, onde se encontram os rios Tapajós, Arapiuns e Amazonas. Os resultados encontrados foram extrapolados para uma região de 6,5 milhões de hectares, 1% de todo o bioma e 1,2% da Amazônia brasileira, de vegetação tropical pluvial, que, acostumada com a umidade, enfrentou a maior seca e aumento de temperatura desde 1998. A mudança climática está ligada à suspensão dos regimes de chuva na região – devido ao aquecimento das águas na superfície do oceano Pacífico, fenômeno chamado de El Niño.
Erika Berenguer, da Lancaster University, no Reino Unido, é a primeira autora da pesquisa. Ela conta que naquele ano de 2015, as temperaturas estavam dois graus acima das médias dos outros El Niños, que já eram altas, e o período de estiagem foi o dobro do normal: o suficiente para transformar uma floresta úmida em inflamável. Diferente das savanas, por exemplo, o fogo não é natural às características da Amazônia, mas a baixa umidade na serrapilheira – que é a camada de matéria orgânica morta (folhas e galhos) no solo – sustentou o fogo na mata.
Na região, um milhão de hectares de florestas queimou, inclusive oito das 21 parcelas incluídas no estudo. É o equivalente a cerca de sete municípios de São Paulo em chamas. O fogo mudou os rumos da pesquisa. Erika relata a dificuldade de se estudar o efeito do fogo nas florestas, devido à impossibilidade de saber com exatidão onde e quando acontece, e sobre as perdas materiais e afetivas ao ver a vegetação, com a qual a grupo tinha contato há oito anos, tornar-se fumaça.
Também autora do estudo, Júlia Barreto, do Instituto de Biologia (IB) da USP, afirma que este é um trabalho único, que traz dados de alta resolução temporal e resultados dos efeitos da seca e incêndios em florestas amazônicas modificadas pelo homem, para tratar de um problema que entende como grave. As autoras reforçam que a pesquisa só foi possível graças à ampla rede de colaboradores e financiadores. “Nós podemos observar como o fogo afeta a mata e entender tanto a emissão de CO2 decorrente da mortalidade das plantas, quanto a compensação dessas emissões através do sequestro de CO2 realizado pelas poucas árvores sobreviventes.”
“O que mostramos é que, em três anos de estudo, a floresta não se recupera e as mudanças estruturais são enormes”
Comparação
Depois do fogo, a equipe passou a estudar, de modo comparativo, as áreas que enfrentaram apenas a seca (5,5 milhões de hectares) e as que sofreram o impacto da seca e dos incêndios (1 milhão de hectares), extrapoladas dentro do monitoramento de um gradiente de degradação ambiental – com zonas mais preservadas e outras com maiores indícios de ações antrópicas usadas na pesquisa. A cada três meses, 6.117 plantas foram identificadas e monitoradas, de outubro de 2015 a outubro de 2018. Como os cientistas já acompanhavam a floresta desde 2010, foi possível calcular o excesso de mortalidade, isto é, o quanto de árvores morriam além do esperado.
Na floresta atingida apenas pela seca, árvores continuaram morrendo em excesso até o final do estudo (36 meses), o que aponta o efeito em longo prazo desse impacto. Já nas áreas também afetadas pelo fogo, o excesso de mortalidade aconteceu durante dois anos e meio (30 meses). Mas isso significa que, com o fogo, as plantas morrem menos? Segundo as cientistas, não. O que ocorre é que a morte pelo fogo é mais veloz e, portanto, depois desse período poucas plantas ainda sobrevivem para morrer e entrar na estatística. Os resultados mostraram que as florestas queimadas emitiram 5,7 vezes mais carbono na atmosfera. Em algumas áreas do estudo, morreram 75% das plantas. As estimativas mostram que 447 milhões de árvores grandes e cerca de 2,5 bilhões de árvores menores, no Baixo Tapajós, morreram em três anos.
Apenas naquela região de 1,2% da floresta, foram registrados 495 milhões de toneladas de gás carbônico emitido na atmosfera, durante o período de três anos, devido à grande mortalidade de plantas. Essa é a mesma quantidade de carbono despejado na atmosfera pela agropecuária em 2017, que correspondeu a 24% das emissões brasileiras do poluente naquele ano. “O que mostramos é que, em três anos de estudo, a floresta não se recupera e as mudanças estruturais são enormes”, afirma Erika Berenguer.
Um estudo brasileiro coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foi publicado nesta quarta-feira (14), na revista britânica Nature, e mostrou que o desmatamento diminuiu a capacidade da floresta amazônica de absorver gás carbônico. Segundo os dados, as áreas do bioma com mais de 30% de desmatamento apresentaram uma emissão de carbono dez vezes maior do que regiões com desmatamento inferior a 20%; a floresta passa consumidora para uma fonte de emissões de CO2.
Durante a coleta dos dados, além de verificar a sobrevivência ou não dos indivíduos, foram medidas 21 características funcionais, como altura, diâmetro, espessura da casca e da folha, área foliar e quantidade de carbono, nitrogênio e fósforo nas folhas. Nas florestas afetadas somente pela seca, a densidade de madeira se mostrou um fator determinante para a sobrevivência das árvores. As cientistas explicam que a Amazônia não evoluiu com secas e fogo como o Cerrado e, portanto, as cascas das árvores são finas, porque não precisam desse mecanismo de proteção térmica – ou não precisavam até então.
Nas parcelas queimadas, o que aumentava a vulnerabilidade das árvores era a localização em florestas que passaram por distúrbios antrópicos (da ação humana) anteriormente. “Isso mostra que é essencial que diminuamos os distúrbios antrópicos na Amazônia, deixando a mata mais resiliente para quando ocorrerem essas secas extremas que vêm com o fogo”, afirma Erika. Ela destaca que as secas, mediadas por fenômenos climáticos como o El Niño, estão cada vez mais frequentes e com maior intensidade, o que pode prejudicar a recuperação da floresta.
Ainda que a floresta fique inflamável, o fogo não surge por vias naturais e sim na cultura de subsistência, na agropecuária e principalmente no desmatamento – e adentra a mata. Para a pesquisadora, é essencial que se trabalhe melhor o manejo do fogo. “O fogo tem esse impacto catastrófico na floresta e se mostra importante reduzir as fontes de ignição. No caso do desmatamento, que em grande parte é ilegal, é ‘simplesmente’ combater crime”, completa.
O artigo intitulado Tracking the impacts of El Niño drought and fire in human-modified Amazonian forestse publicado no último dia 19 no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS) foi desenvolvido por pesquisadores de 15 instituições pelo globo. Entre elas estão: Universidade de Oxford, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Lancaster University, no Reino Unido, representada pela líder do projeto, a pesquisadora Erika Berenguer. O estudo contou com a coautoria de Julia Barreto, doutoranda pelo Instituto de Biologia (IB) da USP, e com o apoio do Natural Environment Research Council (NERC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Mais informações: e-mail barretoj@usp.br, com Julia Barreto