Análise do projeto Amazônia 2030 mostra que, para atender demanda crescente, País gastaria mais se desmatasse floresta para abrir pasto do que se aumentasse a produtividade da pecuária
Por Página 22 – Nos próximos dez anos, a demanda e a produção brasileira de carne bovina devem crescer. A notícia importa para a Amazônia Legal, onde estão 4 a cada 10 cabeças de gado no Brasil. A região pode produzir mais sem desmatar, empregando técnicas e recursos financeiros já disponíveis. Mas é preciso coordenação política eficiente. É o que revela uma nova análise produzida por pesquisadores do projeto Amazônia 2030, iniciativa do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, ambos situados em Belém, com a Climate Policy Initiative (CPI) e o Departamento de Economia da PUC-Rio, localizados no Rio de Janeiro.
A solução, que envolve combater a grilagem de terras, recuperar pastagens degradadas e torná-las mais produtivas, tem um custo total menor para os pecuaristas da região do que derrubar floresta para abrir pastos novos: R﹩270 milhões por ano, contra R﹩950 milhões do cenário em que há desmatamento.
As conclusões constam no estudo As políticas para uma pecuária mais sustentável na Amazônia, do engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). No trabalho, Barreto faz uma revisão da literatura científica para identificar mudanças em políticas públicas que possam frear o desmatamento e garantir que a pecuária na região se torne mais eficiente. “Cerca de 90% da área desmatada na Amazônia é ocupada por pastagens”, diz ele. “Para desenvolver a região sem desmatar, é urgente repensar a atividade”.
Ao longo da próxima década, a demanda brasileira por carne bovina deve crescer entre 1,4% e 2,4%, segundo projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.O estudo mostra que, para atender a essa demanda sem desmatar, os pecuaristas da Amazônia teriam de reformar entre 170 mil e 290 mil hectares de pasto degradado por ano até 2030, ao custo de R$3 mil por hectare. No total, seriam necessários investimentos entre R$ 270 milhões e R$ 873 milhões por ano. Já a produtividade das pastagens deveria passar dos atuais 80 kg por hectare para 300 kg por hectare.
Já existe dinheiro para isso: para produzir sem desmatar, os produtores da Amazônia Legal precisariam de um valor que pode variar entre 3% e 9,5% do crédito rural contratado para a região em 2020. São empréstimos feitos pelos produtores rurais e que, hoje, são principalmente empregados na compra de novos animais – mas que podem ser redirecionados para a recuperação de pastagens degradadas.
Em contrapartida, a opção pelo desmatamento derrubaria entre 634 mil e 1 milhão de hectares de floresta por ano. No custo por hectare, é um caminho mais barato do que o de recuperar pastagens: R﹩ 1,5mil por hectare, valor necessário para desmatar e plantar pasto. Mas, nesse cenário, a área afetada é maior. Além do custo ambiental associado à derrubada da floresta, a medida tem um custo global maior: somados todos os investimentos que seriam feitos pelos pecuaristas, o desmatamento custaria entre R﹩ 950 milhões e R﹩ 1,63 bilhão por ano.
O que precisa mudar?
A notícia é boa, mas o trabalho mostra que, embora seja viável técnica e financeiramente produzir sem desmatar, não há garantia de que essa alternativa será dominante. Hoje, a pecuária na Amazônia é pouco produtiva. Em média, há 10 bois onde poderia haver 33. E é grande a extensão de pastagem com algum grau de degradação.
O quadro é resultado de um conjunto de “incentivos perversos” que desestimulam avanços técnicos: há muita terra barata disponível, mão-de-obra pouco qualificada e infraestrutura precária. Um cenário que dificulta o investimento nas áreas de pastagem já degradadas e que torna o desmatamento uma alternativa mais atraente para o produtor.
Para mudar o cenário, o poder público deve induzir o uso mais produtivo das terras, desestimulando a expansão de fronteiras agrícolas especulativas e ineficientes, e deve trabalhar para fornecer os serviços e a infraestrutura que vão facilitar os investimentos nas áreas já desmatadas. Barreto recomenda atuar, simultaneamente, em duas frentes:
Uma é combater ao desmatamento e a especulação fundiária. Hoje, parte do desmatamento é utilizado por grileiros como tática para se apossar de terras públicas. O grileiro lucra ao vender a terra ou usando-a sem pagar um aluguel. Além disso, o poder público tem anistiado os grileiros e proposto a venda da terra abaixo do preço de mercado. Assim, o lucro da grilagem é enorme. A facilidade para se apossar de terras públicas torna barata a atividade de ampliar a produção de gado por meio da abertura de novos pastos.
A segunda é facilitar o uso mais produtivo da terra. É preciso promover treinamento e assistência técnica continuados, oferecendo crédito rural focado em ganhos de produtividade e instalando infraestrutura e serviços necessários em regiões.