Por Júlio Bernardes em Jornal da USP – A andorinha-azul (Progne subis) é uma ave migratória cuja população está em queda, especialmente entre aquelas que migram das regiões sul, leste e central dos Estados Unidos e leste do Canadá para a Amazônia. Uma das possíveis causas dessa diminuição, a contaminação por mercúrio da região amazônica, é investigada em pesquisa realizada no Instituto de Biociências (IB) da USP. Ao analisar as aves que retornam da Amazônia para o Canadá e Estados Unidos, o estudo atestou o acúmulo do metal nas penas, indício de problemas fisiológicos futuros, e uma correlação negativa entre a quantidade de mercúrio, o peso das andorinhas-azuis e o nível de gorduras corporais, que é essencial para a migração.
“A pesquisa verificou o estado de contaminação por mercúrio nas andorinhas-azuis e se há alterações fisiológicas”, afirma ao Jornal da USP o biólogo Jonathan Maycol Branco, que realizou o estudo durante a elaboração de sua dissertação de mestrado no IB. “A população mais afetada é a que migra para a Amazônia, onde as andorinhas-azuis fazem dormitórios com milhões de aves”, relata.
De acordo com o biólogo, o mercúrio é um contaminante que pode causar efeitos nocivos em qualquer concentração e possui a capacidade de permanecer no organismo muito depois da exposição original, aumentando sua toxicidade. “Aves migratórias exigem grandes reservas de gordura, pois esta é a única fonte de energia durante o processo migratório”, aponta. “A correlação negativa entre peso e reservas de gordura pode ser bastante preocupante caso se verifique que esses efeitos sejam realmente causados pelo mercúrio.”
O mercúrio na Amazônia é, em grande parte, de origem natural, com depósitos de minérios ricos no metal na origem dos rios que alimentam a bacia amazônica, aponta Branco. “Contudo, há também a presença de garimpo artesanal nos rios da região que deposita grande quantidade de mercúrio nas águas”, afirma. “Além disso, o aumento do número de barragens para construção de hidrelétricas é preocupante. Elas diminuem o fluxo da água, gerando o que é chamado de litificação ou a sedimentação de partículas em suspensão.”
“Quando o mercúrio em suspensão sedimenta, bactérias presentes no fundo desses corpos d’água entram em contato com o contaminante e o metabolizam”, explica o biólogo. “Desse processo se origina o mercúrio metilado, com potencial muito mais elevado para se incorporar em tecidos e considerado uma forma mais tóxica que o mercúrio elemental.”
A pesquisa usou um par de penas das asas para extrair a concentração de mercúrio total, que abrange o metal em todas as suas formas. “As penas incorporam componentes presentes na circulação no momento de crescimento do tecido. Como as andorinhas-azuis realizam a troca das penas das asas ao chegar ao Brasil, a concentração de contaminantes é reflexo dos contaminantes adquiridos por aqui”, explica o biólogo. “Isso permitiu que as amostras fossem coletadas após o retorno das aves para a América do Norte, onde elas formam ninhos próximos a populações humanas.”
Os valores encontrados para as andorinhas-azuis, quando comparados com limiares estabelecidos em outras aves, apontam que parte delas pode vir a ter sua fisiologia afetada. “Evidentemente, limiares estabelecidos para outras espécies podem não corresponder perfeitamente com as andorinhas-azuis”, observa Branco. “Contudo, no nosso estudo também descobrimos que a concentração de mercúrio está relacionada à perda de peso das aves e a um menor acúmulo de gordura”.
O biólogo salienta que existe um viés de sobrevivência no estudo. “As aves que analisamos necessariamente sobreviveram à viagem de volta”, afirma. “Sendo assim, é possível que o valor máximo de concentração de mercúrio medido no estudo não seja o máximo que essas andorinhas encontram na Amazônia, caso as aves mais afetadas não consigam sobreviver.”
“Portanto, é necessário um combate mais efetivo do garimpo artesanal e na diminuição da dependência de barragens”, defende Branco. “Afinal de contas, esse mercúrio afeta não somente as andorinhas como também todo o ecossistema, incluindo as populações humanas que habitam essas áreas.”
O biólogo faz parte do Projeto Andorinha-Azul, que engloba pesquisadores de múltiplas instituições de três países, assim como a Disney Conservation, a organização sem fins lucrativos Purple Martin Conservation Association (PMCA) e inúmeros voluntários e cientistas cidadãos. O trabalho foi orientado por Charles Loren Buck, pesquisador na Northern Arizona University, com vínculo no Departamento de Ecologia do IB, e co-orientado por Erika Hingst-Zaher, pesquisadora do Museu Biológico do Instituto Butantan. O estudo teve colaborações de pesquisadores da USP, Instituto Butantan, Northern Arizona University, PMCA, Disney Conservation e University of Arizona.
Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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