Anomalia magnética do Atlântico Sul: causas e consequências

A anomalia magnética do Atlântico Sul (Amas), ou anomalia do Atlântico Sul, é uma região geográfica da Terra, que apresenta uma baixa intensidade em seu campo geomagnético. Por esse motivo, essa região recebe altos índices de radiação do espaço, o que pode ser prejudicial para a vida terrestre.

Localizada sobre o Atlântico Sul, a maior anomalia magnética da Terra está centralizada sobre a América do Sul, mas se estende até o Sul do continente africano. A anomalia do Atlântico Sul representa uma falha na proteção magnética da Terra e, pelos riscos que representa, é monitorada por agências espaciais. Apesar do empenho da comunidade científica, sua origem ainda é um mistério.

O magnetismo terrestre é essencial para a manutenção da vida no planeta, como a conhecemos. Mas para entender a formação e o funcionamento do magnetismo terrestre, é ideal conhecer a estrutura da Terra. 

Campo magnético da Terra

No final do século XVI, o físico britânico William Gilbert descobriu que a Terra se comportava como um grande imã. O cientista comprovou, através de experimentos, que o planeta possuía um campo magnético, distinguindo também os conceitos de magnetismo e eletricidade. Sua obra, De Magnete, publicada em 1600, foi um marco para a ciência moderna.

O campo geomagnético existe justamente pela constituição terrestre. Contrário ao que afirmam os terraplanistas, a Terra é redonda. Mais precisamente, é uma esfera levemente achatada nos polos, por conta da força gerada pela rotação do planeta. O planeta azul tem cerca de 6400 km de raio, partindo do centro até a superfície.

Estrutura interna da Terra

A estrutura da Terra é formada por suas camadas principais: a crosta, o manto, o núcleo externo e o núcleo interno. 

Litosfera

A crosta, que é a parte externa do planeta, compõe a parcela sólida da litosfera, que também engloba a parte superior do manto terrestre. Nas zonas continentais, a litosfera chega a 150 km de profundidade, enquanto que na porção oceânica, a distância atinge 100 km. 

Entre a crosta e o manto superior existe uma camada, conhecida como “Descontinuidade de Mohorovicic” ou Moho. Essa camada, que separa o manto da crosta, está a cerca de 10 km de profundidade sob os oceanos, enquanto que abaixo dos continentes, esse valor chega a 40 km.

As camadas principais que formam a estrutura da Terra: crosta, manto e núcleos / Imagem de Darkest, sob CC BY-NC 4.0 no GoodFon

Astenosfera e mesosfera

O manto, por sua vez, atinge 2900 km de profundidade e é composto pela astenosfera e a mesosfera, que se referem às porções superior e inferior dessa camada. A astenosfera é composta por silicatos, que são minerais que, nesse estado, compõem uma massa pastosa. Já a mesosfera, composta por óxidos de ferro, magnésio e silicatos com altos teores desses elementos, forma uma massa semi-sólida. 

Entre a base do manto e o núcleo, está a camada D. É uma camada fina, com não mais do que 250 km de espessura. Os abalos sísmicos, que ocorrem na crosta terrestre, também são sentidos nessa profundidade e são eles que moldam a borda irregular da camada D, que forma cristas e vales. Essa camada é alvo de constante estudo pela comunidade científica.  

Núcleo terrestre

O núcleo terrestre é dividido entre uma porção fluida e uma parte sólida. Acredita-se que o núcleo externo tem seu conteúdo numa viscosidade líquida, formado em sua maior parte por ferro fundido (cerca de 90%), além de níquel (menos de 10%), e pequenas porções de silício, enxofre e oxigênio. O núcleo interno seria formado, basicamente, por ferro e níquel, só que em estado sólido ou muito próximo a isso. 

São os processos que ocorrem no núcleo da Terra que viabilizam o magnetismo terrestre.

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Como explicar o magnetismo da Terra?

Apesar da origem do magnetismo da Terra ser tema de constante estudo, é unânime, entre a comunidade científica, que o núcleo terrestre é a fonte geradora desse fenômeno. As duas partes do núcleo são formadas por metais. Mas o núcleo externo, por sofrer uma menor pressão, tem sua liga metálica fundida, e essa seria uma característica fundamental para o geomagnetismo.

Impulsionado pelas altas temperaturas dentro do núcleo, os metais, em estado líquido, passariam por um processo de convecção. Esse processo seria responsável por movimentar, de forma rápida e constante, essa liga metálica. O deslocamento, por consequência, colocaria as cargas elétricas, presentes nos elementos condutores (a liga ferro-níquel) num movimento ordenado, o que caracteriza a geração de corrente elétrica. Por indução, a corrente elétrica é capaz de gerar um campo magnético proporcional à sua intensidade. Sendo assim, acredita-se que o campo magnético seja formado por meio desse processo, conhecido por geodínamo. 

Além disso, o movimento de rotação constante do planeta causaria uma “torção” no campo geomagnético, no sentido do eixo norte-sul do planeta.

A Terra possui dois polos geográficos e dois polos magnéticos. O campo magnético se forma como um circuito fechado. Apesar de não ser visível, o campo é representado por linhas, que saem de um polo em direção ao outro, continuamente. Em relação ao eixo norte-sul da Terra, os polos magnéticos ficam posicionados a cerca de 10 graus dos polos norte e sul geográficos.

Linhas que representam o campo magnético da Terra, saindo do polo norte (laranja), se conectando ao polo sul (azul) / Imagem de Nasa Goddard Space Flight Center, sob CC BY 2.0 no Flickr

Magnetosfera

As linhas, que constituem o campo magnético terrestre, formam a magnetosfera, uma espécie de bolha magnética protetora, que preserva o planeta de condições climáticas adversas no espaço sideral. Ela é responsável por repelir qualquer energia espacial que prejudique a vida terrestre. Desde partículas espaciais até raios cósmicos, ficam impedidos de avançar para a atmosfera terrestre, restritos a cinturões de radiação no entorno do planeta. Essas zonas são cientificamente conhecidas por cinturões de radiação de Van Allen.

De acordo com a Nasa, essa “bolha” tem a forma de um cometa esférico e se estende a mais de 64 mil quilômetros da superfície terrestre, tanto em direção ao sol quanto em outras direções.
Apesar disso, a magnetosfera pode sofrer perturbações. Ventos solares muito fortes, por exemplo, têm potencial para causar falhas na bolha magnética.

Em azul, a magnetosfera, protegendo o planeta Terra de partículas espaciais / Imagem de Nasa sob domínio público

Vento Solar

É possível atestar a importância da existência do campo geomagnético observando o que ocorre na superfície de Marte, por exemplo. A ausência de uma magnetosfera expõe o planeta a inúmeras perturbações, inclusive ao fenômeno conhecido como vento solar.

O vento solar é um fluxo que ocorre com diferentes densidades e velocidades, carregando consigo uma espécie de plasma, que se solta da coroa solar, atravessando a atmosfera exterior do Sol. Esse plasma é formado por partículas altamente carregadas (prótons e elétrons), e flui constantemente, seguindo para fora do Sol, em todas as direções.

O que o vento solar pode causar na Terra?

Segundo o National Oceanic And Atmospheric Administration (NOAA), buracos coronais (formados na coroa solar) costumam produzir ventos em alta velocidade, que podem atingir entre 400 e 800 quilômetros por segundo, em regiões distintas do Sol. 

O vento é carregado de partículas, que são levadas pelo Sistema Solar, podendo prejudicar satélites de comunicação e astronautas, inseridos fora da magnetosfera. O vento solar também pode causar a erosão da atmosfera.

A anomalia magnética no Atlântico Sul é uma espécie de defasagem na proteção magnética dessa bolha protetora. Isso quer dizer que existe uma falha na proteção magnética, localizada no Atlântico Sul, mais especificamente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Satélites em órbita, quando passam por essa região, tendem a ser desligados, pois a radiação cósmica é prejudicial aos equipamentos. 

A origem da  anomalia magnética no Atlântico Sul e as razões pelas quais ela está situada nessa localização são questões que a ciência ainda desconhece. No entanto, apesar de estar centralizada sobre a América do Sol, a anomalia do Atlântico Sul têm se deslocado.

Anomalia magnética do Atlântico Sul

Um artigo, publicado em 2024, por pesquisadoras brasileiras, numa parceria entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), investigou a anomalia magnética do Atlântico Sul, suas causas e relação com terremotos ocorridos na região.

De acordo com a pesquisa, um abalo sísmico aumentou a defasagem magnética, situada sobre o Atlântico Sul, entre 2006 e 2010. Esse período é conhecido como mínimo solar, que faz parte do ciclo do Sol. Ocorrem, aproximadamente, a cada 11 anos, e tem como caraterística principal a diminuição de manchas solares em sua superfície. Esta etapa do ciclo está relacionada com a diminuição da atividade solar.

O artigo aponta também que a anomalia têm se deslocado para Oeste, com o passar do tempo. Além disso, com um campo magnético mais fraco, os cinturões de radiação de Van Allen ficam mais próximos à superfície terrestre, causando uma alta radiação nesta região. Essa radiação pode impulsionar o aquecimento atmosférico nessa área.

Em azul, a anomalia magnética do Atlântico Sul / Divulgação/Open Journal of Earthquake Research, sob CC BY 4.0

Terremotos anormais

O artigo também investigou a atividade de terremotos, ocorridos na região entre 1950 e 2023, considerados profundos e ultraprofundos. Uma anormalidade foi constatada em abalos profundos na Placa de Nazca, que fica a Oeste do continente Sul-Americano, e foi nomeada Anomalia do Terremoto Sul-Americano. Nesse caso, os terremotos profundos aconteceram dentro dessa placa tectônica, contrariando o que ocorre com abalos mais rasos, que atingem as bordas da placa.

Segundo a pesquisa, a região é formada por minerais, elementos que se deformam sob pressão (como alguns metais, o alumínio por exemplo) e materiais diamagnéticos (capazes de formar um campo magnético próprio, repelindo ao campo externo). 

Nessa região também foi localizada uma fenda, com, no mínimo, 500 km de comprimento, com inúmeras derivações, indicando a existência de água doce. Além disso, também foi descoberto um rio subterrâneo, que flui de oeste para leste (como a rotação terrestre), sentido Atlântico.

Os resultados colaboraram para a relacionar a anomalia magnética do Atlântico Sul e os terremotos, causados pelo alto diamagnetismo da região. 

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Abundância de água

Nesse ponto, outra relação foi estabelecida: a água doce, abundante e bem distribuída pela América do Sul, é também um material diamagnético, que aumenta o potencial de fenômenos eletromagnéticos na região, tais como descargas elétricas. 

Os elementos diamagnéticos são capazes de atrair íons existentes nos cinturões de Van Allen, que estão mais próximos da superfície nessa região, por conta da anomalia magnética do Atlântico Sul. A América do Sul tem a maior incidência de relâmpagos (luz originada pelas descargas elétricas) de todo o mundo.

Nesse sentido, a presença e abundância de água doce nesta região, atingida pela Amas, seria uma evidência e uma explicação para sua ocorrência. O fato da água ser um elemento diamagnético faz com que ela acabe por “repelir” o magnetismo “externo”, presente com a magnetosfera. Além disso, é um elemento maleável, que move-se naturalmente para oeste, por conta da conhecida força de Coriolis (um efeito da física, que envolve uma força de inércia, atuando em corpos em movimento, afetando seu sentido, em relação à rotação terrestre).

De acordo com as pesquisadoras, a força diamagnética da água, somada àquela existente abaixo da crosta terrestre, fortalece o diamagnetismo natural da região, situada pela anomalia magnética do Atlântico Sul. Isso influencia não só o subsolo terrestre, mas também traz como impacto fenômenos atmosféricos.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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