Exposição ao bisfenol A (BPA) tem sido relacionada a diversos problemas de saúde em humanos, entre eles redução da fertilidade
Resultados de um estudo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos – pela bolsista da Fapesp Maria Fernanda Hornos Carneiro e equipe, – demonstram que é possível desfazer esse efeito prejudicial do contaminante pela suplementação com coenzima Q10, substância naturalmente produzida pelo corpo humano e também encontrada em carnes e pescados.
O artigo publicado na revista Genetics é o primeiro a apresentar esta estratégia para reverter os efeitos do BPA no organismo. No estudo, pesquisadores testaram a ação antioxidante da coenzima Q10 em vermes da espécie Caenorhabditis elegans expostos ao contaminante.
- O que é BPA? Conheça o bisfenol A e previna-se
- Mamadeira livre de BPA: o bebê realmente está seguro?
Por ser um excelente antioxidante, a coenzima Q10 é um doador de elétrons nato, reduzindo o estresse oxidativo e o dano causado pelo BPA. “O BPA tem potencial oxidante, já que é instável quimicamente e gera espécies reativas de oxigênio e nitrogênio. Quando se esgota a reserva antioxidante de uma célula [doadores de elétrons], o conteúdo destas espécies reativas de oxigênio e nitrogênio aumenta. Em função de sua instabilidade química, elas acabam por ”roubar” elétrons de organelas celulares como a mitocôndria, de membranas celulares, proteínas e até mesmo do DNA, gerando importante dano celular e podendo causar a morte das células. Isso em maior magnitude gera problemas importantes para o organismo”, diz Hornos Carneiro.
A pesquisa avaliou fatores como o número de ovos postos e o índice de eclosão, algo comparável em humanos à dificuldade de engravidar e à ocorrência de abortos espontâneos ou anomalias cromossômicas, respectivamente.
“O bisfenol A é um contaminante químico que atua como desregulador endócrino, provocando estresse oxidativo [desequilíbrio entre moléculas oxidantes e antioxidantes] e consequente dano celular nos gametas e no embrião. No estudo, os vermes expostos ao BPA e suplementados com a coenzima Q10 apresentaram taxas mais baixas de morte de óvulos, menos quebras de DNA e menos anormalidades nos cromossomos durante os processos de divisão das células, além de menor estresse oxidativo nos óvulos”, diz Hornos Carneiro, que desenvolveu o estudo coordenado por Monica Paola Colaiacovo na Faculdade de Medicina da Harvard.
No experimento, vermes foram expostos ao BPA, à coenzima Q10 e a um solvente (DMSO) em diferentes combinações. Os vermes foram divididos em quatro grupos: um exposto apenas ao veículo (no qual o contaminante foi diluído-DMSO); o segundo, ao veículo e à coenzima Q10; o terceiro exposto somente ao contaminante BPA; e o último, ao contaminante com suplementação de Q10.
O tempo de exposição ao BPA em vermes adultos mimetiza o que ocorre em humanos. “Como sabemos que é praticamente impossível nos dias de hoje não se expor aos contaminantes, buscamos uma estratégia para resgatar o dano provocado. Já se sabe que a idade influencia negativamente a fertilidade em mulheres, existem vários estudos mostrando isso. Como a exposição ao BPA [e a outros desreguladores endócrinos] ocorre ao longo da vida, ainda não é possível estimar separadamente quanto da infertilidade observada advém da exposição a químicos ambientais tóxicos e quanto é devido à idade”, diz Hornos Carneiro à Agência FAPESP.
Por meio do uso de vermes transgênicos – com uma sequência de proteína fluorescente inserida no DNA que permite a observação da expressão proteica em estudos in vivo –, anticorpos fluorescentes e técnicas avançadas de microscopia e biologia molecular foi possível acompanhar em tempo real os efeitos produzidos no nível celular e molecular durante o processo de divisão celular (meiose) e formação de embriões nos vermes.
Mimetizador de hormônio
A pesquisadora explica que, pelo fato de o BPA ter estrutura química semelhante ao estrógeno – hormônio normalmente relacionado ao controle da ovulação em mulheres –, ele pode se ligar aos receptores desse hormônio, induzindo efeitos diversos. “Dependendo do tecido pode ocorrer um efeito pró-estrogênico ou antiestrogênico, o que pode gerar não só impactos ao sistema reprodutivo como a outros sistemas e processos importantes para a saúde do indivíduo.”.
Hornos Carneiro, atualmente professora da Faculdade de Química e de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Chile, fez a pesquisa durante seu pós-doutorado, com auxílio de uma bolsa de pesquisa no exterior da FAPESP, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Quebra de DNA e disfunção mitocondrial
De acordo com a pesquisadora, a exposição de vermes somente ao BPA resultou em mais quebras de DNA. “Potencialmente, isso se deu pela ação de espécies reativas de oxigênio, formadas em função da presença do contaminante no organismo. Observamos que essas quebras não foram corretamente reparadas nesse grupo de vermes.”
Os danos foram observados por meio do monitoramento de uma proteína envolvida na quebra e no reparo do DNA quando ocorre a troca de material genético entre os cromossomos homólogos durante a meiose.
Chamada de crossing over, essa troca de material é importante para aumentar a diversidade genética e para a evolução. “Uma das hipóteses é a de que o aumento de quebras no material genético [e a ineficiência de reparo] foi provocado pelo aumento do estresse oxidativo na gônada causado pelo BPA”, diz.
Observou-se ainda no processo maior disfunção mitocondrial, ou seja, as organelas responsáveis por produzir energia para as células passam a funcionar de forma desregulada. “Por causa do estresse oxidativo, o potencial de membrana mitocondrial estava muito alterado nos vermes expostos somente ao BPA. Já no grupo que recebeu a suplementação com coenzima Q10 houve o resgate desses marcadores”, diz.
Efeito nos embriões
A pesquisa também avaliou os embriões. Vale destacar que o C. elegans é um verme hermafrodita e, por isso, se autofertiliza, sendo possível observar em suas gônadas todas as etapas de desenvolvimento das células germinativas na meiose até a formação dos corpúsculos polares e do embrião.
“No estudo, observamos a formação dos embriões in vivo, por meio de uma técnica chamada live imaging. Utilizamos como padrão a primeira divisão celular [exato momento em que o embrião passa de uma célula para duas] para avaliar a ocorrência de defeitos. No grupo exposto somente ao BPA, ocorreram defeitos em maior proporção, como a formação de pontes de material genético, além da paralisação da divisão celular”, diz.
O artigo Antioxidant CoQ10 Restores Fertility by Rescuing Bisphenol A-Induced Oxidative DNA Damage in the Caenorhabditis elegans Germline (doi: 10.1534/genetics.119.302939), de Maria Fernanda Hornos Carneiro, Nara Shin, Rajendiran Karthikraj, Fernando Barbosa, Kurunthachalam Kannan e Monica P. Colaiácovo, pode ser lido em www.genetics.org/content/214/2/381.
Veja também:
- O que é BPA? Conheça o bisfenol A e previna-se
- Mamadeira livre de BPA: o bebê realmente está seguro?
- BPS e BPF: conheça o perigo das alternativas ao BPA
- Conheça os tipos de bisfenol e seus riscos
- BPS: entenda o bisfenol S
- BPF? Conheça os riscos do bisfenol F
- Bisfenol pode causar alterações comportamentais em crianças