Apatia social: seu cérebro vai precisar de um tempo para retomar interações sociais após a pandemia

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Falta pouco! Com as vacinas contra a Covid-19 “no grau” e em ampla distribuição por todos os estados do Brasil, é possível que em breve você possa voltar a promover reuniões sociais com amigos e parentes fora das cavernas das mídias digitais. Seria um sonho? Talvez nem tanto. Para o seu cérebro, pode ser um pesadelo.

Todo mundo (bem, nem todo mundo, mas vamos fingir que sim) sabe que as medidas de distanciamento social são fundamentais para desacelerar a propagação do novo coronavírus. Estimativas apontam que elas podem ter ajudado a evitar cerca de 500 milhões de casos de infecção em diversos países. No entanto, um ano livre de interações sociais acabou prejudicando a saúde mental de muita gente ao redor do globo.

Uma pesquisa realizada recentemente nos Estados Unidos mostrou que 36% dos adultos daquele país, incluindo 61% dos adultos jovens, relataram ter sentido “solidão intensa” durante a pandemia. À primeira impressão, essas estatísticas podem nos fazer acreditar que todo mundo está superansioso para voltar ao convívio social. Mas não é bem assim. 

Preguiça de ver gente

Se a ideia de curtir um happy hour num barzinho lotado lhe parece assustadora, tranquilize-se: você é um em um milhão! Um relatório publicado pela American Psychological Association (APA) revelou que quase metade dos norte-americanos sente desconforto só em pensar na possibilidade de retomar as interações sociais após a pandemia, independentemente do estado de vacinação. 

No Brasil, não é muito diferente. No início do mês, em entrevista ao jornal El País, a psicóloga Eli Soler falou sobre o fenômeno. “Depois deste longo período de pandemia, embora pareça que finalmente começamos a ver a luz e deveríamos ter muita vontade de nos relacionarmos, existe um estado de apatia social generalizada”. Ela conclui: “A situação de confinamento minou o moral de muitas pessoas. Algumas até se acostumaram com o pouco contato social e afirmam que têm preguiça de voltar a se relacionar”.

Neurociência explica

Muitas pessoas têm experimentado um sentimento de dualidade em relação ao retorno ao convívio social. Ao mesmo tempo que se cansaram de ficar sozinhas, elas também se sentem angustiadas com a possibilidade de “sair do casulo”.  Mas por que isso acontece?

O cérebro humano é extremamente adaptável – e qualquer fuga do padrão pode afetá-lo em um curto período de tempo. Ao longo do último ano, neurocientistas empreenderam esforços para entender como todos esses meses de isolamento social impactaram nosso comportamento cerebral. E alguns insights nos ajudam a compreender o que de fato aconteceu.

Os seres humanos têm uma necessidade evolutivamente programada de socializar. De insetos a primatas, manter grupos sociais é fundamental para a sobrevivência no reino animal. Reunir-se em comunidades fornece perspectivas de acasalamento, caça cooperativa e proteção contra predadores.

Mas a homeostase social, ou seja, o equilíbrio certo das conexões sociais, é fundamental. Enquanto pequenas redes são incapazes de oferecer tantos benefícios, as grandes aumentam a competição por recursos e parceiros. Por isso, os cérebros humanos desenvolveram circuitos especializados para avaliar os relacionamentos e efetuar os ajustes adequados, em um processo que pode ser chamado de “termostato social”.

Homeostase social e sistema de recompensa

A homeostase social envolve muitas regiões do cérebro, e no centro está o circuito mesocorticolímbico, também conhecido como “sistema de recompensa”. Esse sistema é responsável, por exemplo, pela sensação de prazer que você experimenta ao comer um pedaço de chocolate (ou uma barra inteira!), depois de ser acometido por aquele famoso desejo de doce.

Da mesma maneira, um estudo recente descobriu que reduzir a interação social provoca desejos sociais, produzindo padrões de atividade cerebral semelhantes à privação de comida. Por isso, um dos efeitos do isolamento social é o aumento da ansiedade e do estresse. 

Muitos estudos revelaram que afastar os animais de seus companheiros de gaiola favorece comportamentos ansiosos e aumenta os níveis de cortisol, principal hormônio do estresse, no sangue. 

Estudos em humanos trazem resultados semelhantes. Segundo as análises, pessoas que fazem parte de pequenos círculos sociais geralmente apresentam níveis mais altos de cortisol e de outros sintomas relacionados à ansiedade do que aquelas que dispõem de comunidades mais amplas.

Evolutivamente, esse efeito faz sentido: os animais que perdem a proteção do grupo devem se tornar hipervigilantes, porque precisam se defender sozinhos. E isso não ocorre apenas na natureza. 

Um estudo descobriu que pessoas que se reconhecem como “solitárias” são mais vigilantes em relação a ameaças sociais, como rejeição ou exclusão. Como uma reação do corpo, nossos níveis de cortisol sobem quando estamos com medo ou diante de perigos iminentes, aumentando o estresse e a ansiedade.

Outra região importante para a homeostase social é o hipocampo, o centro de aprendizagem e memória do cérebro. Círculos sociais bem-sucedidos exigem que você aprenda comportamentos sociais, como abnegação e cooperação, e reconheça amigos de inimigos. 

O cérebro desaprende a socializar?

No entanto, seu cérebro armazena uma quantidade enorme de informações, o que o leva a descartar conexões que parecem ser de menor importância. Vários estudos com animais mostram que o isolamento na idade adulta, mesmo que temporário, prejudica tanto a memória social – aquela que faz você reconhecer um rosto familiar – como a memória de trabalho – que é responsável pelas atividades do dia a dia.

E um estudo mostrou que, após 14 meses de isolamento social, o hipocampo de expedicionários da Antártica havia se encolhido. Da mesma forma, adultos com pequenos círculos sociais são mais propensos a desenvolver perda de memória e declínio cognitivo à medida que envelhecem.

Por isso, mesmo que os seres humanos não estejam mais perambulando pela natureza, a homeostase social ainda é definitiva para a nossa sobrevivência. A boa notícia é que a supercapacidade de adaptação do cérebro também vale quando o assunto é ressocializar.

O cérebro e a reconexão social

Foram poucos os estudos que exploraram a reversibilidade da ansiedade e do estresse associados ao isolamento, mas todos sugeriram que a ressocialização é capaz de reparar esses efeitos.

Um deles, por exemplo, descobriu que saguis anteriormente isolados apresentavam, em um primeiro momento, níveis mais elevados de estresse e cortisol quando ressocializados, mas depois se recuperavam rapidamente. Aliás, os bichinhos não só se adaptaram logo como pareceram se apegar a seus novos amigos, passando a maior parte do tempo com eles.

A memória social e a função cognitiva também parecem ser altamente adaptáveis. Estudos em camundongos e ratos relatam que, embora os animais não consigam reconhecer um amigo familiar imediatamente após o isolamento de curto prazo, eles recuperam rapidamente a memória após a ressocialização.

Ainda há esperança

“Ok”, você pode estar pensando, “mas eu não sou um rato. E se eu nunca mais conseguir aglomerar por aí sem me sentir um peixe fora d’água?”. Calma: segundo a ciência, seres humanos também podem ter esperança.

Um estudo realizado na Escócia durante a pandemia de Covid-19 descobriu que, durante as semanas mais severas de restrição social, as taxas de declínio cognitivo subiram significativamente. No entanto, os participantes da pesquisa apresentaram rápida recuperação depois que as medidas de isolamento foram relaxadas. 

A ciência tem desempenhado um papel-chave durante a pandemia do novo coronavírus, oferecendo soluções a diversas dúvidas e angústias que nos tomaram de assalto ao longo dos últimos meses. Da mesma maneira, ela pode aplacar um pouco da sensação de apatia social generalizada que desenvolvemos como resposta ao cumprimento das medidas de isolamento. 

Se você tem pânico só de pensar em sair aglomerando por aí, não se desespere. Quando for a hora, seu cérebro saberá exatamente o que fazer. Enquanto não estamos todos vacinados, que tal aproveitar o tempo que resta para curtir a própria companhia? Confira oito dicas para não morrer de tédio na quarentena aqui

Isabela

Redatora e revisora de textos, formada em Letras pela Universidade de São Paulo. Vegetariana, ecochata na medida, pisciana e louca dos signos. Apaixonada por literatura russa, filmes de terror dos anos 80, política & sociedade. Psicanalista em formação. Meu melhor amigo é um cachorro chamado Tico.

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